terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Pensares a conta-gotas (254)


 (Ano findo, Ano vindo, Vida, enfim!)  

Não existes pelos olhos
que possas ter azuis,
ou verdes, claros ou castanhos,
ou, mesmo, vesgos
ou estranhos.   

Não existes pelo sangue
que possas ter real,
vermelho, ou plebeu,
de fatores positivo ou negativo,
de aporte universal. 

Não existes pelo aspecto aparente,
que possas ter bonito,
ou atraente, ou menos ausente,
nem tanto feio, ou formoso,
simpático ou bendito, ou bondoso. 

Não existes pelo porte físico,
que possas ter alto,
ou baixo, gordo ou magro,
esbelto ou combalido,
famoso ou, mesmo, esquecido. 

Não existes pelo lado psíquico,
que possas ter mais,
ou menos inteligente,
ou diferente do que cabe acontecer
ao comum das gentes consequentes. 

Não existes apenas pela vontade
de que possas querer existir,
ou fazer jus à permanência terrena,
mesmo com visão limitada
das essências pequenas. 

Não existes pelo tanto de moedas
que possas angariar
de quem cruze à frente do olhar,
míope ou arguto, medíocre ou astuto,
dos que trajam molambos indigentes. 

Existes, por teres capacidade
de competir contigo mesmo, 
desde quando aprendeste a somar
e dividir os mínimos espaços,
os pequenos minutos,
pedaços de eternidade.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Isso e Aquilo dos Bichos (9 e 10)


Os dias da pata, do pato, do ganso,
do cisne, da patota do lago
parecem deveras vagos,
e demoram a se somar
aos anos de poucos fatos. 

Comem, dormem, rebolam,
esquecem os afagos, ao largo,
parecendo, às vezes, agastados,
descontentes com o meio ambiente. 

Mas, quando pensam em descendentes,
tremem os corpos e se espremem,
como o calor a driblar o vento alado,
no expor de órgãos necessitados. 

Aí, então, abandonam a água, a lama,
resguardam os lemes, esquecidos na chama
da imperiosa procura da prole,
e chegam a elástico equilíbrio de circo,
sobre rêmiges, untadas de sebo e brilho,
de inspirar humanos, passantes que somos
distraídos, no aquecimento para as noites
insones.


A gata, o cão, o papagaio, o pavão,
o bem-te-vi da árvore em frente,
os todos animais que me assistem
no ir e vir diário, incoerente,
me olham de olhos complacentes. 

Se falassem a língua dos homens,
se entendessem suas ideias e olhares,
se pudessem dar-lhes sugestões,
sobre proceder menos civilizado,
até agora, bem pouco comportado..., 
 
poderiam subsistir, por mais tempo,
a rodar, por esse vazio profundo,
a rolar, sem atritos seus produtos,
supostamente inteligentes, absolutos,
o mundo seria mais mundo. 

Talvez, as leis cósmicas,
por si sós, independentes,
esperassem um pouco mais,
para dar fim a seus atos egocêntricos,
por demais inconsequentes.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Pensares a conta-gotas (253)


O que sabem os mortos 
de morte, que não sabe
o comum dos mortais?
O esquecimento de ais
que deixaram para trás,
pouco ou nada mais.
 

 

Com palavras poucas,
resume-se o mundo,
ébrio, moribundo. 

Com um olhar rápido,
de par em par, o circundo,
balão vagabundo. 

Com um silêncio mouco
e gestos poucos e rotundos,
machuca-se profundo. 

Com um ó ao vento,
revela-se som tocado
de dó menor, infecundo. 

Com um ah! de alívio,
suspendo-me no ar,
gir´ando, pr´a lá e pr´a cá,
viro-mundo. 
 
 
 

Quando perco o sono,
ouço um hino de grilos,
a grilar-me, gritando no ouvido,
como sino de fazer olvidar
o ônus de não poder sonhar
com as Vênus de Milo.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Pensares a conta-gotas (252)


Haicais fingidos10

Mil e uma noites,
mil e um dias,
mil e uma fantasias. 

 

A verdade sempre aflora
do lado de fora
da história. 

 

Brincar de palavras,
brincar de escrever
pensares e vagares. 

 

A que servirão riscos
em laudas, ou n´água?
Esquecimentos. 

 

As vaidades
alimentam vidas,
e piedades devidas. 

 

Quem não joga dados?
Deus em nós,
ou Deus em si?  

 

Tudo passa:
o tempo, a alegria, a dor,
e o que resta de amor. 

 

No sol, as sombras.
Luz e solidão
dão-se as mãos. 

 

Cada um parece três,
casal se desdobra,
nem sobra indez. 

 

De madrugada, sono foge,
demora o dia,
mente vadia. 

 

Aurora, ninguém olha,
o galo canta,
do lado de fora. 


Dinheiro traz felicidade,
e leva a mocidade,
saudade. 

 

Sabores da vida:
amargo, doce, salgado,
e o Acre-doce.  

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Pensares a conta-gotas (251)


Haikais Fingidos 9

Assim é: ninguém erra 
uma única vez,
de má fé. 

 

Esconder dados:
tentativa frustrada
de se ocular, atrás do rabo. 

 

Transparência não é defeito:
a mente não mente,
para dentro do peito. 

 

Mentira tem pernas curtas,
braços longos, grandes mágoas,
mas não respira dentro d´água. 

 

Bate o pé na enxurrada,
água salpicará de vapores,
ardores da calçada. 


Que dor mais dói?
A dos poderosos, abastados,
ou a da mãe de caducados heróis? 

 

Tudo se mistura
a todo caldo e conteúdo
de cultura. 

 

Atuais futilidades :
distribuem-se, de graça,
em taças de cristais. 

 

Textos curtos, fôlego curto.
As histórias são longas,
de mais delongas. 

 

De Marte, a sorte
trará indícios de morte,
e sacrifícios.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Pensares a conta-gotas (250)


Apraz-me imaginar o que possa ter acontecido
nos já longínquos, inúmeros passados.
As facilidades do progresso das ciências
ainda não eram tão fáceis como as de agora,
ou as que ainda hão de vir de fora,
para dentro das cabeças mutantes
dos que sempre se concebem ignorantes.  

O sol era, quase, como o desse momento,
uma centelha só de mais luxuriante;
a lua pouco diferia em lume da desse instante,
mais amiga dos namorados e amantes;
as estrelas luziam bem mais mistérios,
de um céu menos hermético e distante;
e as pessoas eram tão adeptas da guerra,
quanto as de hoje, egoístas e dominantes. 

Só não era, ainda, o bastante,
a força enorme das insignificâncias dos togados,
nas atuais circunstâncias dos homens ilustrados,
que se veem cada vez mais ignorantes e pequenos,
porque quanto mais sidéreos, menos terrenos,
quanto mais olham ao longe, mais afastados,
quanto mais perto miram, menos enxergam,  
quanto mais procuram o diferente, 
mais indiferentes se apresentam a outras gentes.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Pensares a conta-gotas (249)


A poesia foge da corda,
da forca, da força bruta,
da forja, da bigorna
e do martelo.

Mas se extasia e exalta
a luta com os elos
de gemidos e gestos
ligeiros do ferreiro.

 

O que me valem os desejos,
se os ensejos menos se realizam
com o proveito esperado,
se o que vejo já não me vê direito,
nem lampejos são opções
para as ações que almejo? 

O que valem os profetas,
sem a quem dizer profecias,
em seus países ou fora deles,
se já não denunciam o que foge às regras,
como em relatos remanescentes,
nos espaços de tragédias gregas? 

Estariam os amantes das Artes
confinados, como gados,
desencantados dos novos tempos,
cada dia mais segregados,
fora dos acontecimentos? 

A tecnologia ofereceria
soluções totais, imediatas, “on line”,
aos que alimentam mais corpos
e cabeças ao vento, do que substâncias,
nos relacionamentos? 

Onde o suposto tempo economizado,
a paz prometida, o lazer multiplicado,
o esforço micro, o avanço direcionado,
o espaço absoluto e, sobretudo,
o somatório disso tudo? 

O Homem deixou de ser maiúsculo,
para ser apenas mais ensimesmado,
mais restrito a universos minúsculos,
adjetivados, rendidos, apequenados,
diminutos? 

Fala-se mais em sinais dos tempos,
mas o que se vê são tempos dos sinais
anormais, excepcionais, desiguais,
para portadores de necessidades especiais
a servirem de alimentos ao confinamento.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Pensares a conta-gotas (248)


Ao poeta ocorre escrever poesia,
com palavras mortas!
A outros, fazer a guerra
com palavras monstras,
e tortas. 

 

O poema pode, até, ser concreto,
dura mistura de pedra e cimento,
monumento. 

A prosa pode ser, até, concreta,
massa elástica,
de matéria plástica. 

O velho casarão da praça pode, até, ser solarengo,
sonolento, de janelas e portas abertas,
telhado discreto, tombado por decreto. 

A árvore pode, até, ser centenária,
abrigo de orfeões de pássaros,
alimento de cantos, sem tempo estéril. 

As paisagens podem, até, pintar montes e grutas,
povoados de pessoas brutas, imagens rudes,
e concretude de pensamentos. 

Mas a poesia é abstrata, 
discreta, sem se envolver
em invólucros concretos. 

Aérea, etérea, sidérea,
amante dos ares de liberdade,
o leitor vai buscá-la dentro de si, refrigério. 

Poemas, prosas, paisagens, pássaros,
e, até, pessoas avaras de sentimentos
podem sugerir imagens e-ternas.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Pensares a conta-gotas (247)

Haikais fingidos 8


Ando pesado,
carrego pe/n/sares
atrasados. 

 

Vivo só,
nessa poeira de sóis
e terras encobertas. 

 

Vejo-me bem longe:
poeira de nebulosas
me orbita. 

 

Não leio ligeiro,
estudo, primeiro,
nos livros, o mundo.

 

Quero ir tão longe,
quanto me permita o infinito
dividir os conflitos. 

 

Abraço tanta gente,
tantos lugares,  
dentro de mim. 

 

Viagens são sempre longe,
nesse espaço infinito
inatingível.  

 

Pedaços de mundos,
carrego no peito,
tortos e direitos. 

 

Beijo inesperado
traduz desejos
há muito a/guardados. 

 

Quem não se comove
em se ver definhar?
Morte ou vida?

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Pensares a conta-gotas (246)


(Haikais fingidos 7)  

Alma parte,
corpo se rende:
pó de vidro. 

 

Alma partida
corpo ao pó
descido. 

 

Não provo que falei.
Se falhei,
não aprovo. 

 

Destino traça caminhos,
que seguimos, tacanhos,
como estranhos. 

 

Voo devagar,
não leio livros,
estudo, ao crivo. 

 

Na chuva, árvore
chupa, ávida,
mel da terra. 

 

Poema medido
desânimo e graça 
do espontâneo. 

 

Poesia não teme
força, livre
de cruz e espada. 

        

Livros me olham
de soslaio, desafiam
estantes da vida. 

 

Campo sem flores,
girassol solitário
se desespera.
 
 

Vento forte
se mostra violento,
e sopra à morte.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Pensares a conta-gotas (245)


(Haikais fingidos 6)
 

Bondade começa com a idade,
ou quando se seva
vera amizade.              


Maldade desaparece
no final dos tempos,
ou das novelas. 

 

Cantar, por aqui,
parece já nascer pronto,
revestir-se, ainda, de encantos. 

 

Sete notas semeiam,
nos ares da Itália,
canções banhadas de a-mares.  

 

Puglia: cantos de "uccelli"
são artes calmas, recantos,
sinônimos de almas. 

 

Feio realça o belo,
que, vãmente, rechaça
feiura, na fatura.  

 

Prova-se inocência,
e paga-se, ainda,
consequências. 

 

Ironia:
represa arrombada,
avarias não mitigadas. 

∞  

Aforismos:
cores de arco-iris
refletidas no prisma? 

 

Corpo cansado,
momentos azados,
para dormências. 

 

Velhice: sobrecarga
que se propaga,
à procura de sobrevida. 

 

Insônia,
noites mal dormidas,
tempo passa no passado. 

 

Graça de viver,
e certeza de morrer
vêm de graça. 

 

Em primo plano,
há ônus dos enganos
dos anos.

Pensares a conta-gotas (244)


(Na basílica de Villafranca / Puglia - 4/11/13)

 
Da Arte, por impossível,
não se percebe o tudo visível,
feito com tanto engenho e zelo,
e mais empenho e graça.  

O mundo, apesar de tão jovem,
sabe-se, já, decadente,
de inúmeras guerras, poucas glórias,
muita traça invisível. 

Do pouco que se sabe do todo,
possível é perceber
o quão pouco se conhece e se vive
da ínfima parcela, com que se participa
nos fatos e bons feitos da história. 

Dos cupins, porém,
e dos inúmeros fungos e mofos,
muito pouco se conhece e se vê
como trabalham,
e do tempo que gastam,
no que retalham. 

Das marcas que vão deixando,
ou do que apetecem e carregam,
para irem, aos poucos, comendo,
porque sempre se julgam merecer,
só se percebe o evanescer
das belas pArtes do viver.

 
Aos caducos de guerra
( San Vito dei Normanni / Puglia / novembro /13)
"Os políticos dizem o que não pensam, e pensam o que não dizem." 

Muito pouco valem os monumentos,
se ornados, apenas, de coroas de flores,
que não expressam dores e gemidos,
cada vez mais frios os sentimentos,
e nomenclatura de avivar memórias,
que se apaga sob as intempéries do tempo,
que jamais haverão de devolver as vidas
e as glórias, aos infortunados caídos? 

Guerras são sempre absurdidades inglórias,
e traduzem as mentiras dos poderosos,
que fingem expressarem pensamentos
e direitos dos supostos comandados.
Mas os verdadeiros heróis da história
moram no peito de quem sofreu seu parto,
e, depois, teve que assistir, sofridas,
à sua definitiva, insofismável partida.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Pensares a conta-gotas (243)


Brindisi, o porto, o mar, o bar (Puglia/outubro/13)

Sentir-se afastado, perdido, proposital,
alheio ao que bloqueia,
ao que acontece, dos todos os lados. 

Um olhar mais longo, mais aguçado,
mais crítico, mais injustificado,
pode degustar de um espaço público,
de um momento de silêncio, abstêmio,
de impessoalidade, de anonimato,
sem que cause prejuízo ao tempo,
ao olhar de pessoas, cercado. 

A sensação é de liberdade,
de crianças alheias ao mundo,
sempre às voltas, movimentadas. 

Curioso saber-se consciente,
absoluto senhor da mente,
poder julgar nas luzes do passado,
as distâncias, os instantes,
que não mais existem, como limites às vistas,
que impeçam pensar com mais divagares.  

Chama-se a isso, liberdade de poder viajar,
sair do recanto, do país, do planeta,
ser exegeta de si mesmo,
participar do turbilhão de indagações?
Alma de esteta? Facetas?

 
 

O tempo demora, ou depressa passa,
como raio na tempestade.
Quanto mais o apresso, mais depressa passa,
mas, se ando devagar, não se faz esperar. 

Passar pelo mundo é um passear de momentos,
aqui, acolá, experimenta-se, a testar sortimentos,
de nula munição, sem guerras, sem contendas,
apenas se comprova já listadas encomendas. 

As pessoas, que comigo viajam, fazem o mesmo trajeto,
cada uma a seu jeito, ao ritmo ditado no próprio projeto,
em cumprimento de buscar soluções,
no confronto de conflitos, em dilemas previstos.  

As viagens, sempre ligeiras, nuvens passageiras,
pelas limitadas capacidades de pensar
nos desvãos de estradas,
não permitem indagar das próximas paragens,
para suprimentos de mais coragem.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Pensares a conta-gotas (242)


(De San Vito dei Normanni, Puglia, Itália, meados de outubro/13)
 
Cidadão do mundo, minha pátria é onde moro,
uma vida, um ano, uma hora, o tempo que demoro,
onde falo a língua dos gestos de todo o mundo,
o que danço de alegrias, ao ritmo fundo da vida,
que consumo do mundo,
onde me acontece entristecer, rir ou chorar,
com o coração e a alma das coisas
que me rodeiam, no mundo,
onde ando, abraço, até o vazio do ar,
na força das pernas, dos braços, 
e aperto as milhares de mãos estendidas,
olho no fundo dos olhos,
com os olhos mais abertos, do mundo,
que me engloba as todas medidas. 

Se, agora, mesmo, moro do outro lado
desse mundo redondo, sem fim nem início,
e não me pergunto de que lado moro,
que hei de voltar a habitá-lo,  
ora aqui, ora acolá, ora depois, ora já,
vestido nas cores de peles, que me possam vestir,
ou que julgar querer usar,
as brancas, as negras, as vermelhas, as amarelas, as ocres,
e as de mais tons da terra que me cobrirá,
ou, até, as de nenhuma cor, opacas e fracas,
sem transparências ou aparências,
as de mais intensidades das dores,
que me haverão de acompanhar
nestes périplos de sempre ir e voltar
de tantos vagares,
preciso aprender a me esperar. 

Por que brigar por um quinhão do torrão,
que nem me pertence, nem me pertencerá,
que me comerá nas cascas, nas costas, nas polpas,
os caroços, os destroços dos ossos,
e deixará a ínfima parcela de energia
que, de mim, haverá de desprender,
e, depois, continuar?
 

Estas oliveiras vetustas, de pernas tortas,
de copas decompostas, centenárias,
que, nesses dias de advento,
me circundam os olhos,
conhecem mais segredos de vidas e coragens,
do que podem imaginar
meus excitados pensamentos. 

Desde quando, de que remotas eras,
sentem, elas, ancestrais,
calejadas mãos lhes afagarem os frutos,
promissores rebentos,
em louvores à nobreza do suco,
alimento de tantas almas,
que, por aqui jogaram, de passagem,
sementes de mais vidas? 

Dessas terras úberes,
esse torrão jamais se cansará
de abrigar sóis ou chuvas,
frios ou ventos, aluviões
nutridos de ideias e coragens,
que, sempre, garantem, persistentes,
o sustento das criações.

 

domingo, 13 de outubro de 2013

Pensares a conta-gotas (241)

(Haicais Fingidos 5)
 
Nada é aleatório:
acaso, sobrevivo
no descanso das horas? 


Reluto em morrer,
ou lutar seria luta vã,
irresoluta? 

 

Longe de sermos santos!
Só menos demônios:
melhor assim! 

 

Choro suor derramado,
alimento minguado:
malda o mundo. 
 
 

Uma vez, apenas,
passa ocasião à porta,
e vem sem volta. 

 

Guardem o dinheiro,
porque o nome,
não some. 

 

Sementes de orvalho,
sereno da manhã:
gotas de romã.  

 

Penso, logo insisto
em viver intenso
o já previsto. 

 

Rituais alados,
prima chuva:
núpcias de cupins. 

 

Tanajura,
em esforço derradeiro,
gera o formigueiro.

sábado, 12 de outubro de 2013

Pensares a conta-gotas (240)


(Haicais Fingidos 4)
 
Redemoinho na praça:
diabo em movimentos,
no vento 

 

Algodão-doce de nuvens:
flocos se espalham,
colírio dos olhos. 

 

Pensamentos à solta:
imagens marotas
assombram. 


Poema na agulha:
fagulha suprema,
da rima. 

 

Incêndio, de repente,
coloca fogo nos olhos
da imprudência. 

 

Noite mal dormida:
corpo sonolento,
mente lenta. 

 

Pequizeiro do cerrado,
agulhas subjazem
sabor amarelo. 

 

Poema sugere
belas imagens:
haicais singelos. 

 

Macega, ondas e vento:
amarelo momento,
sós, eu e o silêncio. 

 

Eterno dilema:
gente vai ou volta,
na roda da vida?

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Pensares a conta-gotas (239)

(Haicais Fingidos 3)

Cores no branco:
paz na bandeira
impera, atriz. 

 

Vestida de luto,
tristeza se empresta
à dor.  

∞  

Sabiá infla o peito,
solta canto de graça,
na praça 

 

Garricha se veste de barro:
uniformiza cena,
colore as penas. 

 

Crepúsculo,
céu usa fantasias
de carnaval. 

∞  

Serra fuma,
fumaça sobe da terra:
cheiro de chuva. 

 

Fuma a terra
fumaça na serra:
chuva molha os olhos. 

∞  

Escuro da mata:
vida escondida,
primitiva mente. 

∞  

Silêncio isento:
zunido no ouvido,
grilos barulhentos. 

 

Poeira nas estradas,
turbilhões levanta,
obnubila vista.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Pensares a conta-gotas (238)


(Haicais Fingidos 2)
 
 
Deus com jeito,
Santo Antônio com gancho,
eu, na rede do rancho.

 

Difícil cantar o amor,
que não de coração,
emoção e dor. 

 

Chegada a hora,
morte não enrola:
degola e vai embora. 

 

Da morte certa,
não se tem lembranças,
ânsias. 

 

Árvores copadas:
vento brinca de soprar
ventanias. 


Verde novo
das folhas, esperança,
ternura das árvores. 

 

Azul se esconde lá,
onde vazio do céu
é véu. 

 

Resplende o azul,
céu descoberto:
meio-dia.  

∞  

Seja em que água for,
rubro tinge espelho
da mágoa. 

 

Amarelo se tece de sol,
ipês da mata 
resplandecem.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Pensares a conta-gotas (237)


Haicais fingidos 1

Bachô: “Uma pimenta / Colocai-lhe asas: / uma libélula rubra”.
Do discípulo Kikaku: “Uma libélula rubra. / Tirai-lhe as asas: / uma pimenta”.
“Velho tanque. / Uma rã mergulha: / barulho da água”.

 
A tal rã de Bachô
sai do poço:
de novo a calma
 

Sossego do poço,
a rã de Bachô:
água limpa.  

 

Libélula de Kikaku
da flor se alimenta:
pimenta. 

 

Libélula do mestre,
flor fecunda:
pimenta nasce. 

∞  

Poemas curtos
enchem de sentimentos,
moinhos vazios.  

 

Sem nuvens no céu,
cimos sem véu:
azul imenso. 

 

Zás-trás de maldade,
bomba a gás:
cinza do vômito! 

 

Sem correrias,
e demais avarias,
prudência apascenta. 

 

Cuidado com o santo,
balanço do andor
é de vagar! 

 

Santo Antônio de costas,
fato bisonho,
ou prova de amor.

domingo, 6 de outubro de 2013

Pensares a conta-gotas (236)


Perdão! Sou por demais retroativo,
tenho medo do esquecimento.
O entusiasmo me empolga
ao arrebatamento,
do momento. 
Depois,
folgo.
 
 

 
Por que ainda me olhas,
assim, tão grave,
ó imagem revolta,
se meu olhar já se foi,
e estás, agora, à solta,
sem saberes quando volto
ou se, apenas, me revolto? 

 

 
Cassandra, imagem minha,
profetizas soluções,
para os descaminhos dos outros.
Para si, mesma, não encontras respostas,
para os dilemas que a dominam. 

Os deuses não lhe negaram dons
menos proféticos,
para que menos sofresses
ou menos causasses problemas
que, sozinha, não os resolvesses. 

 

 
E Deus criou a luz,
que varre os espaços
e as consciências
dos paços.  

E Deus criou a escuridão,
que apaga as suspeitas
das cegueiras feitas,
das faltas e omissões.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Pensares a conta-gotas (235)


Sonho com voos rasantes,
levito,
venço forças da gravidade,
flutuo,
transponho vales,
precipícios,
deslizo por espaços vazios,
decolo, pairo,
e valho-me, tão somente,
das próprias vontades
da inconsciência.  

Por desdita,
vejo chegar, indiferente,
a luzidia ciência,
para me acordar
na realidade
do dia a dia! 

 
 


Louvo a santidade,
no  lato sentido da palavra,
sem ligação que degrade
o pacto com a realidade,
e a íntima verdade santa.
 
 




Procuram-se doutores (não ama/dores),
que pressintam as dores dos pacientes,
que não lhes retirem o brilho dos olhos,
ou extraiam o restante dos dentes,
pela simples constatação da carestia,
que entendam as razões das penúrias,
estampadas nos rostos das agruras,
que não lhes comam o fígado combalido,
nem a vontade de viver, bem vivido,
por serem tutores de heranças devidas.




 

 

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Pensares a conta-gotas (234)


Vão pingando gotas,
do conta-gotas,
por onde passo
e me espalho,
que traduzem luzes,
(até cruzes)
sem conta, gotejadas,
como contas-de-lágrimas,
ou como gotas de orvalho,
destiladas a migalhas,
de manhã, de noite estrelada,
ou de madrugada. 

 

Isso é sonho ou graça,
ter a ciência de graça,
além do relógio da praça,
da alma branca da criança,
a brincar de ausência,
com sua inocência? 

 

Quando você
ainda não era,
já, eu, era eu,
quem concebeu. 

 

Se mexem comigo,
as inquiet/ações,
de uma em uma,
de dez em dez
a foro íntimo,
sinto e minto.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Pensares a conta-gotas (233)


Palavras não se medem
e se soltam, assim,
tão fácil, da mente
ou do papel consciente,
(onde nasceram).
 
Entram nas almas receptivas,
pelas janelas e portas da frente,
e dizerem, em linguagem diferente,
mesmo que em tom de infantes:
“perscrutem-me, apenas, um instante,
para que lhes diga ter valido a pena
interromperem, um pouco, o sufoco
dessas agitações persistentes,
para se dignarem sentir, humildes,
meu hálito quente”. 

O poema tem que dizer
coisa com coisa, repassar emoções,
que as pessoas entendam,
num piscar de olhos
ou batida do coração,
sem precisarem de traduções
comoventes.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Pensares a conta-gotas (232)


O mundo me parece enlouquecido,
bem mais do que sempre esteve,
conforme se comprova
nos meandros da História. 

As pessoas batem menos
com as mãos na consciência,
e os bolsos ditam as regras
das atitudes incontestes.

Os sinos do discernimento
se calam nas quebradas do silêncio,
ou no isolamento proposital
e poeirento dos campanários. 

As falácias da tecnologia
esgotam a inteligência
dos que medem consequências,
e, depois, desaparecem no esquecimento.

(Tradução de Marco Fusini) 

Il mondo mi pare impazzito,
ben piu di quanto lo sembra,
conforme lo si prova
nei meandri della storia. 

Le peronne battono meno
le mani in conscenza,
e le tasche dettano le regole
nelle attitudini incontestate.

Nelle campanne del arbitrio
si taciono le rotture del silenzio,
comme un isolamento intenzionale
e polverento dei campanilli. 

Le sophisme della tecnologia
esauriscono l'inteligenza
di quelli che misurano le consequenze,
ma, per poi, spariscono nella assenza.... 

domingo, 22 de setembro de 2013

Pensares a conta-gotas (231)


A cada um suas ó/missões!
De nada adianta precipitar
o, de antemão, traçado rumo
tortuoso ou reto,
sem perder o prumo.  

A cada um o seu quinhão
de prazeres merecidos,
ou dissabores inevitáveis,
de irretocável currículo.  

Aguardam-se os momentos,
cumprem-se os prazos,
sem tantos avanços,
ou grandes atrasos. 

Passam-se os dias, em correrias,
para se ganhar o tempo terreno,
de preferência com mais harmonias,
sintonias, sinfonias,
e mais outros guias. 

Caso não se possa esperar
pelo curso normal da corrida,
que, ao menos, se mereça guarida,
com mais alegrias, e mais vidas.

sábado, 21 de setembro de 2013

Pensares a conta-gotas (230)


(Para Mimi Lajous, lembrando Paris dos anos 70)

Paris sempre há de ser luz,
o que muda são os penteados,
as feições e rostos,
as fantasias e prédios,
as canções, os prazeres e alegrias,
ou, mesmo, os tédios, por ironia.  

Paris devra être toujours lumière,
ce qui change ce sont les coiffures,
les apparences et visages,
les fantaisies et bâtiments,
les chansons, les joies et plaisirs,
voire, même, les ennuis, par ironie. 

Mudanças vão acontecendo,
sem que se lhes dê reparos,
imperceptíveis e quotidianas atenções,  
até que um dia vêm os acontecimentos, as fotos
para nos levar a variadas sensações.  

Ces changements vont à son train,
sans besoins de gros renversements,
avec des imperceptibles et quotidiennes attentions,
jusqu´au jour où arrivent les événements et les photos
pour nous ramener à des sensations variées. 

Onde, agora, os penteados, as pessoas,
os prédios, as canções, as emoções?
Recolhidos, quem sabe, em capa de saudade?
Maldades dos tempos? Bondades da vida?
Não, sentimentos inerentes ao passar das idades.  

Où, maintenant, les coiffures, les personnes,
les bâtiments, les chansons, les émotions?
Reccueillis, peut-être, sous cape de nostalgie?
Méchancetés des temps? Bontés de la vie?
Non, des sentiments dus aux jours durants.