terça-feira, 16 de agosto de 2016

Contos Contados (s/n)

Dia dos Pais 

Depois da morte do pai, um dos filhos disse: “Nosso pai, quando começou a ficar bom, morreu.” Não que o progenitor tenha sido mau, muito pelo contrário, ninguém como ele foi tão cordial, tão alegre, piadista, risonho, amante de uma boa gargalhada, amigo dos amigos, tolerante com os adversários (que todo mundo acaba por ter, sem querer), distante das malquerências. Entretanto, tinha que ser ator fiel de um papel já traçado, que o próprio meio social lhe reservara por herança.

Desde as mais remotas gerações de antepassados portugueses, colonizadores e remanescentes de patriarcas bíblicos, o riscado era o de o pai manter com os filhos relacionamento mais distante, como recurso velado de garantia de respeito, que mais parecia malvadeza silenciosa, já que conversar mais do que o necessário, rir, sorrir, gargalhar poderiam abrir possibilidades a fraquezas, e a perda de poderes, o que, perante os demais patriarcas da grande família, constituiria, na certa, fatal handicap.

No entanto, uma vez a família criada, os filhos casados, já, por sua vez, a exercerem o papel também herdado de chefes de família, senhores da casa, mesmo se com prole bem mais reduzida, sobrar-lhe-ia a doce missão de avô, a bondosa presença junto aos netos, remissão de carinho sonegado aos filhos.

Assim foi que o pai começava a se permitir algumas brincadeiras, algum sorriso maroto, ao passar a contar causos mais engraçados, como que a querer aproximar-se de filhos e netos. É certo que os filhos notavam aqueles ensaios, sem se permitirem, entretanto, aceitar o fato de que aquela atitude era a mesma que ele adotara, anteriormente, com amigos, tios, irmãos e sobrinhos, ao deixá-los de lado a só observarem de longe tais atitudes, com o rabo dos olhos.
Muitas vezes, tais aproximações tardias eram mal recompensadas pelos, já agora, filhos adultos, os quais, por sua vez, talvez inconscientemente, também, as sonegavam ao pai, como prova da inversão de papéis, na mesma peça de teatro, levada de geração em geração. Era a vez de o pai ter de abaixar a cabeça diante de respeitosa repreensão, como era a obediência dos filhos nos tempos da menor idade, agora relacionada, por exemplo, aos cuidados com a saúde, tão fraquejada. "Pai, é preciso ir ao médico! Por que não faz assim-assim, para ir-se livrando de responsabilidades, dividindo-as com os filhos? Por que não vai dar um passeio mais longe, para conhecer lugares diferentes, conversar com pessoas de outros pensamentos?" Etc, etc...
Entretanto, como não poderia deixar de ser, sempre havia pequeno progresso, um avanço de boa vontade, nos entendimentos de novas formas de relação. A sociedade já não era a mesma, assim como não eram as circunstâncias e as oportunidades de relacionamentos entre as pessoas. O filho mais velho, por exemplo, tal o bíblico primogênito, cujo papel e treinamento foram transmitidos, a duras penas, de pai a filho, considerava-se, em caso de eventuais necessidades, o detentor de poder exercer uma autoridade legada.
Ele, que não conhecera o estudo formal, tivera o grande discernimento de dar à numerosa prole a oportunidade de conquistar o saber sem a imposição do meio. Com a educação, vieram as análises e a tomada de consciência sobre os verdadeiros motivos daquelas já distantes atitudes, que os "antigos" foram obrigados a praticar. Embora, ainda, com as dificuldades arraigadas nas consciências, alguma coisa mudava naquela convivência conservadora.
Os tempos e os costumes que, outrora, demoravam gerações para sofrerem pequenas mudanças, agora, já não demandam quase nenhum lapso de intervalo para se efetivarem. Netos e filhos já não tratam pais e avós por “senhor”, “sim, senhor”, “não senhor”, e, eles, disso, nem conta fazem. Os filhos começam a sentir as vantagens de um contato mais próximo e menos formal, sem que o respeito e o reconhecimento venham a sofrer descontinuidade.

          No caso, sentiam, ali, a falta do companheiro, e lamentavam que o tempo não o tivesse poupado por mais alguns anos de agradável convivência. O pai partira, como quase todos os progenitores, antes do esperado.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Alice no país da felicidade

Alice no país da felicidade

Por esses meados de julho,
Brasília manifesta, uma vez mais,
evidente secura
no clima, no chão, na vegetação
com mortificadas texturas.

Em Nice, o mundo manifesta terror,
com noticiário recheado e cru,
em acirrados conflitos descabidos,
insensatezes, dores tamanhas,
e carências de amor.

Mas, ao findar do décimo quarto dia,
um hálito quente e possante,
faz nascer esperanças de serenidade,
de livre alento, paz fraternal e paridade
entre as gentes.

Alice chegava de águas clementes,
abrindo véus de promessas de mais luzes,
de mais céus e verdes em profusão,
para um mundo sem pré-juízos,
de paz de azuis profundos.

Para além desse torrão de mundos,
há de haver espaços para se brincar,
e crianças espertas, de olhos atentos,
abertos ao palco
de saudáveis fantasias.

Nesse país, então, de grandes alegrias,
haverá peixes e pássaros multicores,
animais encantados, selvaguardados,
fontes de águas límpidas e doces,
paraísos recheados de boas lembranças,
de mais esperanças e maravilhas.

Alice trouxe a doçura no nome de redondilha,
alcance no olhar de meiguice e carícias,
acervo de promessas de doce vida,
brilhos translúcidos de sol de julho,
à espera de mais festas e aleluias,
de cicios de cigarras e sons de silêncio,
afagos de boas vindas, em festins de delícias.




Do avô Joaquim Caixeta - 14/7/2016