quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Migalhas de Mim (75)

 

Versos teimam em ver o dia, desobrigados,

de preferência valentes, vadios e vividos,

desculpabilizados de falsos sentidos,

desprovidos da maledicência de sectários

(severos jurados de regimes totalitários,

de mundo de intolerâncias e de armários),

libertos da trama rala de toscos tecidos,

vazios de máculas de comentos hilários.

 

Podem, até, permanecer calados,

por algum tempo mais, enclausurados,

esquecidos nos asilos represados,

nunca, porém, de todo, emudecidos,

na censura polêmica das conjunturas,

porque nascidos em berço de estilos vários,

de esteta autônomo, arrojado templário,

menos adepto de aspectos temporários.

domingo, 17 de janeiro de 2021

Migalhas de Mim (74)

 Velho cimento

 

Assim era meu corpo nu

aquecido do seu corpo num 

só conjunto de calores

úmidos de sal e suores

de ofegantes amores.

 

Esse um já foi comido

de olhares vorazes

em tempos há muito idos

quando de tecidos lisos

recobertos de pendores

os regavam fé e favores.

 

Mas, agora, ora!

anda muito resumido

da cabeça aos pés

pedaços sem abraços

tronco alquebrado

sem ação, sem aço

membros impotentes

conformes nos traços

ventre evidente, disforme.

 

Cabeça esquecida, desnudada

crânio ofuscado

face chupada, descorada

boca incontida, inconfidente

queixo afunilado, proeminente

olhares distantes

pescoço afilado, desequilibrado

sentidos distraídos

ares perdidos nos instantes.

 

Peito encolhido, murchando

costelas-palito, emergindo

braços largados, alquebrando

cotovelos-graveto, partindo

mãos pingentes, pesando

dedos sempre pedindo frentes.

 

Dorso cadente, corcovado

pele de maracujá, enrugada

veias enroladas, caracóis,

pernas-cambito polidas

joelhos anquilosados, pesados

pés dormentes, pisados

artelhos de nós, enrolados

perfil varado sob lençóis.

 

Triste fim adjetivado

para quem já foi gente graúda

ser mais substantivado

de rompantes tonitruantes

de dons reais, edificantes

de quilates tais, até estéticos

agora esqueléticos, indiferentes 

na poeira ignota não reagente.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Migalhas de Mim (73)

 

Re-lance

 

O chiado triste e casto do carro, de bois

de chifres de pontas em riste,

por passagens de poeiras, sulcadas,

sem margens, sem tratos, desbravadas,

apinhado de espigas, às milhares,

de ouro de milhos sadios, maduros,

em final de tarde cálida e calma,

da seca e da sede acre-picantes,  

tal imagem presente na soledade da alma

dessas minhas visagens notívagas,

banhadas a silêncio estridente de grilos ,

desses meus sertões gerais de milagres,

de encantos de coração já domado,

a remexer em fios finos, debilitados,

de acurado refino de lembranças,

de carreiros andantes, curados na herança

dos tais bugres bravios, de tez sem corante,

na guia dos animais de eras, esforçados,

no resfolego incessante, mansos ruminantes,

ao som de eixo e azeitados cocões,

torneados chumaços do pesado bálsamo,

com fragrâncias e cheiros do mato dentro,

me refaz, em ávida criança de momentos.

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Migalhas de Mim (72)

 

É terno o amor

 

Nunca soube como será,

mas sabe que há de voltar

de viajadas paragens,

de páramos etéreos, siderais,

de factuais translados

já muito d’antes firmados.

 

Também ela, bem sabe,

das voltas, por oportuno,

de outros vagares diuturnos,

desconhecidos e distantes

desses globos oculares,

desses aguçados ouvidos.

 

Entre afagos e abraços,  

demasiados sentimentais,

de corpos e poros abertos,

a suores recobertos, embebidos,

corações nem um pouco frios,

nem tampouco irreais e vazios.

 

Palavras amenas, de certo, terão

correlatas distrações de serão,

confessados receios de repartidas

para locais descabidos, desertos,

por motivos diversos já imaginados

e irracionais apreensões!

 

Laços pelo tanto combinados

deverão ainda indiciar roteiros,

de tais desatinados amantes,

companheiros do amor verdadeiro,

que deveras será correspondido,

por se manter pelos tempos urdidos!