domingo, 31 de julho de 2011

Pensares a conta-gotas (25)

O poeta não tem escolha.
Ou se converte ao verso
E o verte na folha,
Ou o esconde. Onde?
No ermo de si mesmo,
Afagando o que escreve,
Em solitário vagar a esmo.




O poema não é inútil,
Tecido, túnica inconsútil,
Sem retoque e sem ardil,
Embora, às vezes, difícil,
Ou, até, fútil transpareça,
E se permita e conceda,
De forma fácil e sutil,
A que toda lente hábil,
Versátil, ágil o reconheça,
Ou, com certeza, o reteça.

sábado, 30 de julho de 2011

Pensares a conta-gotas (24)

O dinheiro, se sobra,
No atoleiro, soçobra.
Perde-se, por inteiro,
O paradeiro do roteiro. 



O curto espaço do tempo
Só se recupera
Na inexistência das eras,
Nas vidas infindas,
Qu´inda serão achadas
E mais procuradas, ainda. 


Ontem, sabia.
Hoje, não sei.
Amanhã, ao ocaso,
De vez, saberei?

Ontem, sim.
Hoje, não.
Amanhã, sim ou não.
Quem sabe, talvez!

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Pensares a conta-gotas (23)

O poema chega repentino,
Como ladrão ou bailarino,
Tal qual pelo destino guiado,
Que não escolhe tom, tese
Do autor, ou mesmo tino.

Não nasce do forte desejo,
Como no insaciável beijo,
Mas de ato interior e maior,
Impregnado de luz ou dor,
Ou de tanto mais amor.



De que adianta
Reconhecer póstumo,
Se o que passou, passou,
E só desgosto deixou
No exercer do posto?


Amargura:
Uso difuso
De dura fatura
Do eu inconcluso.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Contos Contados de Minas (4)

Bolo-roxo

“Bolo-roxo” nada tem a ver com um outro cavalo de mesmo nome, também de minha lavra e propriedade, freqüentador de outro dos meus redis. Deu-me muito prazer, embora dele não me lembre muito bem, talvez pelos poucos anos que eu trazia, à época de sua curta passagem pelos socavões da Fulminante, Serra feia, Brejo Comprido e cercanias. O nome, de ignorado batismo, era engraçado e não menos criativo. A pelagem pode ter lhe deixado, ou não, a origem. De tão diminuto, pelo nascimento prematuro, apenas mereceu ser trocado por um cacumbu de enxada, ambos, certamente, de pouca serventia aos donos daqueles sobe-e-desces de morros. De humilhação em humilhação, aquela miniatura de ser movente foi se fazendo adulta, até que, pelo que se conta, morte ignominiosa o veio colher ainda na pouca idade.
Para mais desdouro, o cavalinho dos tempos de eu-menino, foi carregado nas costas do Brechó, que, ainda rapazote, morava na casa de meus pais. Depois de homem formado, o Brechosão, como passou a ser chamado, de revólver na cintura, no Pântano dos coromandéis, e, mais tarde, detrás de um balcão de armazém, na Vila Guimarânea, me contava as histórias do Bolo-roxo, enquanto ria, desbragadamente, naquele seu vozeirão tonitruante, de pitador (mesmo sem pitar pito de palha e fumo de rolo) e, garanto, sem omitir umas reticências das brincadeiras que se reservara ao desmerecido animal.
o Dadinho, Geraldo de nascimento, filho do Geraldo, este compadre de meu pai e marido da Mãe-Maria (de quem me sobreveio, em menino, um apelido, por me ter dado de mamar, como era costume do lugar), também me contou outra malvadeza aprontada ao Bolo-roxo. Isso, acrescido do gáudio, ou “gáusea”, em dizer que ele próprio, de uma feita, instado pelo tio Tonico, cabritão que adorava um mal-cosido, jogaram o pobre animalzinho esbarrancado abaixo, para o desfrute do ridículo do tombo. Segundo sua viva memória, assim fora o combinado: ele, Dadinho, iria por uma banda da voçoroca e o safado do fanfarrão do tio, pelo outro lado, até o exato ponto e momento de assustarem o pobre eqüino, que pastava distraído, próximo do perigo. Retirá-lo de lá não seria tarefa dificultosa, considerados o pouco peso e a paga pelo espetáculo a usufruir
Entrementes, um tio meu, de porte avantajado, embora nem um tanto dado a troças, da mesma forma, como se conta, não deixou de ensejar uma desfeita ao apoucado animal. Montou-o sem sela, para arrastar os pés no chão, perante uma platéia hilária.
O Bolo-roxo me pertencia, assim como de minha mãe eram todas as éguas bastardas, nascidas nos pastos da fazenda, talvez para que os homens pudessem se safar de uma vergonha atávica em montá-las, ou pela quase nenhuma serventia, que não fosse a de parirem, de quando em quando, algum potro macho, para a lida do gado. Não me lembro se cheguei a desfrutar de sua natural mansidão e subserviência. Entretanto, sem ser de plástico ou de pano, Bolo-roxo foi um de meus raros brinquedos, com o qual alimentei vontades e imaginação, nos muitos momentos de criança solitária. Certamente, foi meu carrossel de carne e osso, em pelagem indefinida e bastarda, como se presume. Contento-me saber que era meu, o cavalinho de nome tão sugestivo.   
Dele retrato o que ouvi contar, de seus poucos anos de vida, de sua quase nenhuma valia, e de como morreu, de morte mais ignominiosa não pôde haver. Entregou o ânimo “encalhado”, entupido, constipado, sem conseguir trazer ao alívio da luz aquilo com o qual mais em vida fora comparado: um bolo de capim duro de campo, mal remoído e digerido, arroxeado da nódoa do pouco caso, no inútil esforço do evacuar.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Pensares a conta-gotas (22)


Das lonjuras as mais longe, do páramo etéreo,
minha figura mais parece
ponto perdido no mundo
dos espaços, das alturas rotundo;
dois pontos lembrando meus olhos
como que acesos no escuro profundo;
 meus ouvidos, aspas de atenção aflita;
 minhas narinas, tremas de tremuras;
 meu coração, travessão de rachaduras;
 minha alma, vírgula na textura infinita;
 minha presença, complexa, acento circunflexo;
 minha coragem, ponto de exclamação suspenso;
 minha mente, ponto de interrogação imenso;
 minhas pernas, colchetes de arqueadas dúvidas;
 meus braços, parênteses que abrem e fecham abraços;
 minhas mãos, pontos-e-vírgulas ou reticências;
 meus atos, meu tudo, meus acentos agudos;
 minha vontade, acento grave de pensares tácitos,
a se acentuarem, pelo corpo inteiro, dia/gramáticos.




O que sobra dessa vã vaidade,
Desses tão poucos anos vividos,
O mais das vezes distraídos,
Nesta nau de insensatos, foragidos?

A tênue esperança de renascenças,
Em outra qualquer parte das galáxias,
Por mais distantes ou infinitas,  
Sem reminiscências e sem datas
De acumuladas experiências,
Mesmo que de autodidatas?  

terça-feira, 26 de julho de 2011

Contos Contados de Minas (3)

A Mulinha Amarelinha

Quando foi vendida para o matadouro, a mulinha Amarelinha levou saudades. O dono não agüentaria assisti-la titubeante sobre as já envelhecidas pernas de forte animal de serviço que sempre fora. Mas ao comprador impôs condição: a de que não fosse vista por aquelas bandas com cabresto na cabeça. E, assim, dali por adiante, sua existência se limitou à realidade das lembranças.
  perto do final de sua permanência em nosso meio, meu pai costumava dizer que uma pessoa tinha autoridade para ralhar com ela: ele próprio, pela maior idade do que todos os da família, tirante minha mãe, que, por ser mais ocupada com as mexidas da casa do que com as do curral, não entrava no rol daqueles que podiam ou não embravecer com o animal, cada vez mais cheio de tretas e velhacarias.
Da lida com o gado, a Amarelinha entendia como nenhum outro muar ou cavalo da fazenda. Boa de rédea, só faltava adivinhar os comandos do ocupante da sela, que nem precisava puxar-lhe com mais força o freio, como costumava acontecer a outros “queixos-duros” de sua raça. Além desses serviços domésticos, de beira de porta, com gado manso e costumeiro, ela, ainda, fora, algumas vezes, segundo relatos fidedignos de peão-capataz da nossa mais alta consideração, acompanhando inúmeras boiadas que atravessaram o Rio Grande, para adentrar, em longas léguas, território paulista. Isso, com mais de mês de marcha cerrada, nem sempre de dorso ao vento, liberada das selas e das esporas pontiagudas de peões, quase sempre desacostumados aos bons-modos, nos tratos domésticos. Dia, sim, dia, não, carregava um peão diferente nas costas, para o resfôlego de outros animais da tropa boiadeira. Na Planura, a nado, as águas bastantes e pesadas, lhe assistiram o focinho de fora, as narinas a disputarem o ar precioso com as centenas de bois cansados.
Deixou histórias de contentamentos e desagrados. Raivas passageiras de menino, que, freqüentemente, tinha que trazer os “animais” ao curral, custasse o que custasse, e, ela, velhaca e maliciosa, tudo fazendo para desencaminhar os companheiros, além de lhes ensinar um bom bocado de artimanhas e safadezas, para não seguirem pelo trilho certo. Nem lágrimas a comoviam, já que no voltar à casa sem a tropa, ralhados do pai não se fariam esperar. A mulinha só mudava de idéia, depois que um dos animais, menos experiente, farejava o que menino sofria, e tomava o rumo da casa. Gregária e bem irmanada ao grupo, ela não iria ficar, por ali, sozinha, no morro daquele pé de serra, trocando de lado, a olhar o resto da tropa seguindo na direção desejada. As pedras da Serra Feia podem bem testemunhar aqueles tristes corre-corres e xingamentos, que, quase sempre, precediam um “buscar de animá”, quando se tinha no comando uma tão safada criatura.
Raiva, de verdade, ela fez ao meu avô, que nela foi a passeio, pelos lados dos Caixetas. Embora de confiança e mansa de montaria, a Amarelinha exigia cuidados em não se deixar porteiras com tramelas facilitadas, nem colchetes bambos, que ela os abria nos dentes, e deixava o cavaleiro a pé, sem saber do seu paradeiro. Quando, de volta, em animal emprestado, o meu avô chegou à casa de meus pais, lá encontrou a mulinha, de velha madrugada, o olhar dissimulado e malicioso, em meio à tropa, a mastigar seu capim costumeiro, o rabo de abanar mosquitos, traduzindo despreocupação.
Já, de índole boa, com a perda das cócegas e ímpetos da juventude, ela, até, se deixava pegar no pasto, e nela montar em pelo, servindo-se de seu joelho como degrau, coisa rara para um muar, quase sempre de temperamento instável. Mansa, boa de sela, sabia chegar do lado certo nas porteiras, não refugava com pouco espalhafato, não dava coice na hora de acomodar-lhe a sela, conhecia os donos, e se prestava para o que desse e viesse, na lida do diário.
De certa feita, para mais detalhamento de rodeios, eu-menino, de pouca idade e experiência, que acompanhava meu pai em suas idas e vindas pelos caminhos dos longes da Boa Vista, Serra Feia e Fulminante, fui levado a pegar, sozinho, o rumo de volta à casa. Por desconhecer aquelas estradas e bifurcações de caminhos, meu pai achou por bem me instruir: “bambeia as rédeas e deixa que a mula conhece os caminhos”. E, assim, de desvãos e desvios acabei chegando, sem nenhuma hesitação da mulinha, que me carregava bem macia. Nenhuma treta e tropeços, já que o voltar sempre foi mais facilitado, para qualquer animal de terreiro.
Mas, os tempos se passaram, e a Amarelinha como que se encantou, para viver só na imaginação, e deixar seus espaços de boas lembranças aos que dela se serviram. Como quis meu pai, nas condições de venda, nunca mais se viu, por aquelas terras, cordas a tolherem-lhe suas fortes vontades, embora se soubesse que suas energias em breve passariam a outros semoventes, nem, pelo tanto, conhecidos e estimados.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Pensares a conta-gotas (21)

Escancaramos no espelho
Nossa cara carente
Nossa careta cadente
Carecendo de carismas.

Esguelhados de frente
Contorcidos de cisma
Nosso reduzido perfil
Ainda é mais senil.

Infeliz mente, que mente!
Infeliz corpo, que corpo!
Desconjuntos, abrem-se de fendas
Ao fundo,
Como soíam abrirem-se de emendas
Ao mundo. 




Vale a pena não ferir
Nem se ferir ao menos
Por causa do Destino
Tão afeito a desatino

domingo, 24 de julho de 2011

Pensares (20)

De arrependimento
Em arrependimento
Vai-se tirando sustento
De tais cometimentos.




O ciúme é receio
De tratamento desigual
Por se julgar merecedor
De mais amor
Ou de mais olhar social?




Mira-se ao longe,
Também assentado
Dentro de si
Mesm(ad)o.




Morre o santo
Morre o corrupto
De seus ativos no luto
Ficam restos de vivo
Público produto.

sábado, 23 de julho de 2011

Pensares a Conta-gotas (19)

O tempo não volta
O que revolta
É o arrependimento
Que sempre volta
No tempo sem volta.


Temos saúde
Temos dinheiro.
O que nos falta de inteiro?
Alaúde que nos responda
Ou ataúde
Que nos esconda?


Não queremos ficar
Não queremos ir
Precisamos seguir
Ainda não sabemos
Para onde fugir.


Não podemos dizer
Que não nos amamos
Os frutos nascem do amor
Mesmo que somente
De momentâneo calor.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Contos Contados de Minas (2)

A Varinha de parubinha

Isso mesmo, de parubinha, de peroba, com a permissão das gostosas variações lingüísticas que só o falante sabe inventar. A varinha estava ali, havia uns quinze anos, atrás da porta, desde bem antes de sua morte e da morte do amigo que lha presenteara. Além de amuleto, para quem costumava mexer com gado, ela ainda trazia a marca da saudade da pessoa que a tinha ferrado, com ferrão bem pontudo, envolto em uma proteção de metal, para melhor fixação. Fraca, não serviria para a lida dura do curral, mas de rara beleza, bem escolhida no mato e, sobretudo, de tamanho e curvas que a marcavam como verdadeira obra de arte. Era de parubinha, sim senhor, como já se disse, e conforme não poderia deixar de ser, segundo o prometido. Anos e anos, muitos mesmo, se passaram, sem que ela ali chegasse, como acabou chegando. Depois, ficou esperando por outro dono, que se relembrasse da sua história, para continuar significando o que significara para seu ex-dono: um valor de pura amizade, ou melhor, de amizade pura.
Fora presente de um amigo do falecido pai, que assim relatou o acontecido. Um presente singular, segundo ele, pois que, embora prontamente prometida, não chegara, assim tão pronto, às suas mãos. E isso se deu assim: ao ver aquela varinha com o amigo, em um canto de caminho, admirou nela a arte do artesão, bem achada e acabada, já que tão bem torneada pela natureza. Além do mais era de parubinha. Da admiração à promessa de recebê-la como lembrança foi um pulo. Mas, a doação só se concretizaria, caso o adquirente a fosse buscar na casa do promitente, para complemento da cortesia, ao que o primeiro, também, por não menor delicadeza, condicionou o recebimento do presente a que o amigo a fosse, igualmente, levá-lo à sua casa. E, assim ,foi que o ganhador não ia buscá-la, nem o doador a vinha trazer, para concretização do  ganhado e o do prometido. Estas eram as descumpridas regras.
Quando acontecia se encontrarem, nos compassos das estradas, lá vinha a cobrança, a réplica e a tréplica: “E a minha varinha de parubinha?”. “Ela está lá em casa, esperando a sua visita”. “Você é que tem de ir lá na minha, levá-la”. E assim se passavam os anos, com os encontros acontecendo, as cobranças se renovando e as condições se condicionando: “E a minha varinha de parubinha?” “Vai lá em casa buscá-la, que ela está esperando você”. “Não, você é que tem de levá-la, lá em casa, que eu estou aguardando sua visita”.
O amigo mudou-se para a cidade. Ele ficou sabendo, mas não o procurou, esperando pela sua presença, nem este veio visitá-lo, na quase certeza de que ele acabaria por aparecer em sua nova casa, e, em conseqüência, apossar-se da tão cobiçada varinha.
O tempo foi passando e as idades fazendo rasgos na pele de ambos. Um dia chegou a notícia: o amigo estava doente, muito doente. Ele precisava ir visitá-lo com a urgência que os dias exigiam. Mas, não se sabe como, nem por que força estranha, uma vez mais adiou a ida. Deixava para depois, como nos tempos do vem-não-vem e do vai-não-vai. Um lampejo feriu-lhe os ânimos e resolveu ir. Alguma coisa, um pressentimento lhe dizia que o tempo minguava perigosamente.
Encontrou o amigo na cama, já bastante debilitado, sem muita esperança de dali poder se levantar. Conversaram. Relembraram o passado, desde os tempos de rapazes, de recém-casados, de vizinhos, até que o esgotamento dos assuntos trouxe de reboque à lembrança a varinha e seus atributos, talvez última demonstração imposta pela amizade que sempre os unira: “E a minha varinha de parubinha?” A resposta não se fez esperar. “Está ali, atrás da porta, escutando a nossa conversa”. Já meio engasgado pelas palavras, o moribundo providenciou a busca da empoeirada varinha e a entregou, solenemente, ao prometido dono, com a emoção que o  instante ditava. O visitante trouxe-a para a casa, como se carregasse consigo, na alma, o amigo, que se foi com a brevidade que a morte permitiu. Anos depois, foi a vez dele também partir.
Agora, os dois, meu pai e o Zé Vieira, se encontram em alguns desses lugares etéreos e infinitos, sem precisarem se convidar para irem um à casa do outro, porque a casa é uma só, capaz de abrigar todos quantos se uniram por meio de amizade tão verdadeira. 
O atual portador dessa varinha é, também, o desta prova de amizade, impressa na pele lisa da rama que a viu nascer.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Pensares a conta-gotas (18)



Apesar de sempre estudado,
O mundo há de continuar,
Como antes, imagem fugidia.
Sempre inacabado, à revelia,
Dos nublados olhares distantes.
Se é que, algum dia,
Como se pressente ou se garante,
Tenha sido começado
Numa explosão colossal de energia.



Eles se vestem de cuidados
E vão à festa
À cata de gatas
Que os devorem
E os cubram de agrados.

Elas, que se contentem
Com o que resta da festa
E dos raros gatos pingados
Que as enxerguem,
Por mais donaires ostentem.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Contos Contados de Minas (1)

Introdução

Contos contados de Minas, do Mundo, por onde vaguei. Histórias que se somam para passar o tempo, e tirar tempo de quem reclama do pouco tempo. Ou para tentar trazer o sono, com a vantagem de se poder começá-las pelo começo ou pelo fim, pela cabeça ou pelos pés, pelo cabresto ou pelo rabicho, pouco importa. O que conta é o como se conta, e não o que se conta, contanto que se conte por achar bom, por reviver, por achar graça, por remoer e remexer em guardados, em balaios de de fornalha, onde nascem os gatos misturados a palha e sabugos de milho, que também servem para acender o fogo nas manhãs frias para o coar do café. Ou, dá-se fé, simplesmente, para o recordar dos fatos desmedidos, naquelas noites sem lua, sem vista, sem rádio, sem televisão, por vezes, até, de tédio. Só a imaginação como antena e o sonho de quarentena para melhor sonhar. 
Histórias para boi dormir, como se costuma dizer, histórias sem nem cabeça, de animais, reais ou inventados, da cidade ou da zona rural das Minas Gerais, que ainda povoam as boas lembranças da gente grande que somos, da gente miúda que fomos, da gente desocupada que seremos, de objetos, de andanças, de  ruas, de casas, de fazendas, de roças e de currais apaziguados, e muito mais. História da natureza, assombrações e variados sonhos. Contos contados.
Histórias de lembranças de animais domésticos, de muares, de eqüinos, de cachorros, de suínos, de bois carreiros. (Dois destes últimos foram o Mineiro e o Japão, diferentes nas formas, iguais na força, bois do carro de bois de meu pai, até porque muito milho carrearam para o paiol que alimentava porcos, galinhas, e até a gente, de canjica pisada no pilão, e de fubá para os bolos, no forno do fogão de lenha de minha mãe).  Lembranças de tantos bichos outros, sem se esquecer do Bolo-roxo, cavalinho franzino que mais valeu pelas vivências de um eu-menino, que sempre fui, do que pela quase nenhuma serventia na lida do terreiro, sonolento na beira do curral, lembrando um personagem-muar famoso das Minas do João Fabuloso.
Histórias de coisas corriqueiras, como a da varinha de parubinha, de costumes e de famílias. Histórias das Gerais, dos gerais, do descampados sem fim, dos lugares largados, sem dono e sem guardados, alheios e alienados. Histórias de vidas vividas, revividas, e para nunca mais, nesta vida de idas e vindas. Infindas.
Histórias para tantos que compartilham andanças com as demais pessoas de seu convívio, e que ficam por aí, pairando no ar, à espera de alguém que as faça prisioneiras do real, do papel, mesmo que sem a arte do colorido, do revisado, do cinzel. Se puderem agradar, que agradem, se não, que, pelo menos, se as ponha de lado, para que o tempo, cada vez mais curto e sem tempo, passado e futuro, só o presente a contar, ainda possa, quem sabe, delas se lembrar, e convertê-las em peças de desejos, para servir de algum prazer, porque de desprazer se é farto, no dia-a-dia dos remexidos dos quartos.
Tomem , dêem , sem muito planejar, que é assim que tudo começa, tudo continua, tudo acontece na mente de quem escuta, lê ou escreve, sem mais tardar, que o lema, aqui, é livre, ainda que tarde.

 

1- Cena de Minas


O pai de pouca prosa. A mãe de prosa pouca e determinada, sempre na lida da casa. Os dois filhos mais velhos, também, calados, treinados, acostumados só ao ordenamento dos olhos.
A vida, longe da cidade, corria nos compassos do natural do diário. De manhã, a mãe fazia o café, o pai tomava, os filhos também. Depois, era pegar a enxada ou a foice e rumarem para o serviço da roça.
O costume: os meninos só acompanharem com o olhar, para entenderem o traçado, a determinação. Hoje, a enxada ou a foice, amanhã, talvez, a foice ou a enxada, e seguiam o pai no sem-palavras da comunicação.
Tudo, todo dia, sempre igual.
Mas, de certa ocasião, o pai agiu diferentemente. Tomou o café e foi se postar, assentado, à porta de entrada da casa. Os filhos estranharam o modo e só se entreolharam, indagativos, desassuntados.
As horas foram se passando com o passar do sol, e os filhos de vez em vinham reparar, espiar e tomar tento. Mas o pai, no quieto, quando muito só dava uma saidinha para ir lá dentro, e retomava o assento, com ares de recolhimento.
A mãe, de costume, nem nada perguntava, na eterna mexida da casa.
Os filhos por ali, de vez, conferindo e não compreendendo o inusitado proceder do pai, daquele dia.
E, assim, foi-se o tempo diário num sem-que-fazer total, menos a mãe, que cuidava de seu igual, indo e vindo, varrendo a casa, arrumando a cozinha, preparando o sustento.
Manhã seguinte, no sempre indiferente da rotina, a mãe levantou-se, fez o café, o pai tomou e, também, os filhos, ali a postos, de olhares vagos e obedientes.
O pai rumou para o cômodo das ferramentas e pegou a enxada. Os filhos, logo atrás, o acompanharam, no gesto rotineiro do caminhar em direção à roça.
E foi aí, então,  que a mãe, da porta, ralhou: “Uai, Sebastião, você vai trabalhar numa Sexta-feira Santa?

domingo, 17 de julho de 2011

Pensares (17)

No fundo, o tempo passa,
para todo mundo que passa,
mas nem todo o mundo devassa,
quando passa o tempo profundo,
nem o próprio tempo de graça alcança
o quão depressa passa o mundo,
para todo o mundo que passa,
e, até na desgraça,
sempre o tempo avança!.




Alguma herança deixo,
Ainda que de bens materiais.
Teriam me valido, quando rapaz,
Para alguns desconfortos a menos,
Ou alguns prazeres a mais.

Pobre de mim,
Ao final dos anos,
Ao pensar que idéias i/morais
Me fizeram abdicar
De bem-estar e algo mais.

O pecado, que em mim existiu,
Vinha de corpos desnudos,
Ou de amores compensados.
Deus nunca fez um homem
Vestido de pano, ou assexuado,
Mas bem humano e acabado.

sábado, 16 de julho de 2011

Pensares a conta-gotas (16)

Não sou eu apenas que vôo,
Passarinho, pelos caminhos.
São pernas minhas,
Em desalinho,
Que, rapidinhas,
andam e desandam fraquinhas,
Indo e vindo, ringindo,
Para não ficarem paradas
Nesses espaços infindos
De estradas pouco andadas.




Inexiste o tempo.
Sempre terna,
Existirá a vida,
Indo e vindo
Eterna!






Cada vez mais temo o mal viver
E vivo sempre em linha reta
Com receio de me esquivar
Em curva, da direção certa.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Pensares a conta-gotas (15)

O amor, só se canta de dentro.
Ninguém o ouve e sente
Senão vindo de silêncio íntimo.

Oriundo da boca pra fora,
Seu canto não cala tão fundo.

Mesmo fraco, ou agudo,
Mudo ou, até, quase moribundo,
Será sempre o amor
A dar o tom, na sinfonia do mundo.



Não sei como até aqui,
Nessa altura da vida,
com vida cheguei.

Não entendo o porquê
De só de mais querer,
Consegue-se vencer na lida.

Desdenho, mas sempre oscilo
Entre ânimo e desalento,
Ando, paro, ora me retenho
Ora me apago, ora me ascendo.

Em desvantagem, espero coragem.
Sei que mais passos darei,
Apesar de mais cansaço,
Que de mais eficácia, no empenho.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Pensares (14)

Águas mortas
Folhas mortas
Árvores mortas
Morta Natureza.

Tudo morto
Tudo efêmero
Tudo incerto
Tudo torto:

O cisco ressequido
pega fogo, ao sabor do vento;
O homem carente
é o gerente do amor torcido;
O tempo quase vencido
é que agüente ou arrebente
o tecido!




O longe, o perto
Dependem do lugar
Onde se está
No deserto.

O sozinho, o rodeado
Dependem de quem
Está a seu lado
No descampado.

O grande, o pequeno
Dependem do esconso
No declive
Do terreno.

O certo, o errado
Dependem do juízo
Ou da virtude
Ou do pecado.

O perfeito, o defeito
Dependem do resultado
Provocado no fundo
Do peito.




Independência ou sorte!
Gritam da corte
os oportunistas reais.

Quanto à morte,
depende mais da força
e do porte dos ideais
que do transporte
de arrivistas desleais.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Pensares a conta-gotas (13)

O que é o que é minúsculo ponto
No vazio dos vazios do descampado do “Camino”,
Na imensa procura do perdido tempo?

Persegue o peregrino, navegante dos ideais
A conjunção dos quatro ventos cardeais

Pela frente só há mais caminhos,
E coragens ingentes, tais
Fortes calores, água rara, ânimo quente.

A vontade sempre enorme, os músculos ácidos
O cansaço pesa e a desistência jamais.




Nada ainda me cerca
Nem nuvens
Nem mar, nem terras
Nem ar.

Carrego minhas águas
No ímpeto do sangue
Nas recônditas mágoas
Nas lágrimas exangues.

Meus rios e corredeiras
São sem fundos e fronteiras
Mas não deixam de ser
Águas passageiras.




Ninguém pode se dar
o direito de errar,
uma vez só,
mas acompanhado.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Pensares (12)

Por que presentes com data certa?
Por que o pactuar se aprende
no comprar com dinheiro e logro
de só interesses em jogo?

Agrados acontecem,
em tácitos acordos,
a pedido do coração sincero,
sem conselhos espelhados no engodo,
como sói no geral publicar,
para mais se aprender a lograr.



Já não há tanto espaço,
Para abraços de saudade.
O que passou, passou.
Já não há mais idade,
Para frágeis ideais.
O que não frutificou,
Já não frutifica mais.


Silente, fria a lua
À noite e de dia
Nos vazios das ruas.

Fervente, o sol no zênite
A esquentar as mentes
No devagar dos passantes.

Luzentes, os astros distantes
Ausentes, os seres inconstantes
Indiferentes, os agentes carentes
Dos instantes presentes.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Pensares a conta-gotas (11)

 “... a tradição tem nos mostrado que são inseparáveis os atos, as atitudes e os hábitos de pensar, ler e escrever.”
(Délcio Vieira Salomon, Como fazer uma monografia, p. 6)


Sonho contado
é brilho perdido
quando narrado.

Amor ideado
é sentimento esquecido
quando realizado.

Palavra empenhada
é valor minorado
quando grafado.

Fogo não reacendido
é calor apagado
no convívio calado.



Ora,
Ninguém melhor
No feitio da flor
Que a mãe da flor.

Ora,
Ninguém melhor
Na gestação do filho
Que a mãe d´a gente.

Ora,
Ninguém melhor
Na elevação da vida
Que a vida vivida.

Então,
A doação é cabal
Igual ao sempre existir
Da harmonia universal?


Tempo, tempo teimoso
Se existes, realmente, ditoso
Por que insistes
Em fazer-te presente
Imperioso sempre
Os dedos em riste?

domingo, 10 de julho de 2011

Pensares (10)

O tango mora na roça
Mazurca na derrubada
Nem a Candinha doida
Dança a valsa pulada.
(Das lembranças de D. Mariquinha)

O que os olhos vêem,
e os ouvidos ouvem,
e o olfato pressente,
e as mãos apalpam,
e o paladar degusta,
a boca não conseguirá contar,
nem as próprias pernas
jamais saberão desandar.

   


Não costumo carregar dinheiro
Nos desvãos das algibeiras.
Carrego, sim, pelo corpo inteiro,
Um roteiro de caminhar a esmo
Mesmo que só dentro de mim mesmo.
Não aprendi a comprar e vender
No varejo, meus bens guardados.
Como caixeiro, sem paradeiro,
Tenho muito ar puro que respirar
Sem parceiros que acompanhar.


Difícil saber, na situação,
Quem tem mais razão,
No viver da solidão,
Se o sábio, se eu ou se você
Ou se aquele saltitante sabiá
Lá encima do moirão.

sábado, 9 de julho de 2011

Pensares a conta-gotas (9)

 Prefiro minha subjetividade
à subjetividade alheia”.
(Carlos Heitor Cony, Correio Braziliense, 21/6/10)


A efemeridade do tempo
seria o curto prazo
da existência do homem
sem a essência que some
a se escoar como fina areia
na precoce desilusão da beleza
que a natureza espalha
e recobra com sobra
com a complacência
dos mínimos espaços
que por ela permeiam?



Dias menos dias
Baterá a verdade
À porta luzidia
Da enfermaria
No hospital social
Da alforria geral




A salvação é esquecimento
De passado corrosivo,
Esperança
De futuro produtivo,
Ou premência de presente
Evasivo?

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Pensares (8)

O principal prêmio (do artista)
é aquele que nos é atribuído
pelo nosso júri interior
            ( Moacir Scliar


Caminham as formigas em filas, céleres e soltas,
sem parecerem solitárias e fatigadas na colheita.
Se encontram o de comer, na larga das estradas,
põem-se a correr e a dançar alvoroçadas,
no aviso às outras demais companheiras de jornada,
que a vida pode ainda durar mais uma eternidade,
com os amparos solidários da fiel irmandade,
como no transportar de uma oração que se vai rezar,
em fraterna comunhão e parceria,
no rosário sagrado de organizada confraria.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Pensares a conta-gotas (7)

Nesse mundo não há lugar para filosofia,
que é, por excelência,
o discurso da contestação”.
(Filosofando. Introdução à filosofia. P. 17)


Por que o homem precisar
de culpa de pecado,
de eterno castigo,
de julgamento final?

Por que a força do mal precisar
desafiar o próprio Deus,
de imensa clemência
transcendental?

Por que precisar, Jesus, numa cruz,
se mostrar submisso, com um grito
ao Deus-Pai e ao Deus-Espírito,
se também é Deus, infinito?

Por que o Criador precisar descansar,
após sete escassos dias de criação,
e não trabalhar só mais um dia,
mesmo que sem qualquer improviso,
para desfazer no homem destrutivo
o tal original egoísmo, corrosivo?

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Pensares a conta-gotas (6)

O mapa-mundi, na parede,
infunde real pequenez
a quem, de altivez e coragem,
delas carece, por demais.
Por isso, mesmo, viaje,
sem se perder à aragem,
para tais infinitos espaços
de ideais sem mormaços.



De verdade, pouco sei
que destino dei aos anos.
Menos foram de enganos
que de mais desenganos.

Sempre me julguei
Desnorteado, um perdido,
Arrependido,
Por entre cuidados tiranos.

Melhor teria sido, medito,
viver próximo ou restrito
de incultos catrumanos,
porém, bem mais humanos.