quinta-feira, 27 de junho de 2013

Pensares a conta-gotas (202)


Relegam-se papéis, aos montes,
a serem triturados e derretidos,
como cartas de dores recônditas,
a não se fazerem ressentidas. 

Pensares, a gente desprega no ar,
a serem divulgados e esquecidos,
como bandeiras desprovidas de signos,
depressa a se retalhar em tiras. 

Só a mente não costuma se soltar,
facilmente, aos trancos e borrascas,
aos ventos do esquecimento,
em lascas, em lágrimas, em lâminas,
por se evitar possíveis descosimentos.
 
∞ 
 
 
O homem não se fez,
para viver debalde,
tampouco nos arrabaldes,
como ave desgarrada,
de asas quebradas,
ou como leão apaixonado,
afastado do bando,
para amar, sem ser amado.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Pensares a conta-gotas (201)


Nada que o tempo não desgaste
ou arrebente,
nosso corpo, nossa mente, nossos dentes,
nossa pele, nossa face, nossas lentes,
nosso ventre, nossos dedos,
nossos dedinho e dedão,
nosso nexo, nosso sexo, nosso amplexo,
nosso coração. 

A carrapeta gasta, a torneira vaza,
a água suja, a roupa não lava, o ar escava,
a terra cansa, o vento espanta, o fogo destrói,
a fumaça arde, fede, polui, corrói,
as pernas não mais sabem a dança
e cansam.                            

O parafuso espana, a rosca da porca arrasa, a viga cede,
a casa cai, o telhado se assombra, a coragem se esvai,
e sempre será preciso comprar uma peça a mais
para a engrenagem não parar.
Só o espírito não envelhece,
permanece, embora migre,
que viver aqui não é mole,
mas a gente concebe e engole.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Pensares a conta-gotas (200)


Nem sempre somos os donos
de atos e sentimentos.
Drummond não escreveu:
“Amar se aprende a mando”.
Eu, sim, de palavras e argumentos,
sustento a imposição. 

O amor, não se sabe, vem de longe,
do etéreo e do mistério,
para dentro da mulher,
quem mais conhece o vero ardor,
seu mister,
único na criação. 

Depois vem o externo do homem
se misturar na prole/feração,
e os filhos poderem aprender
a gerar ad infinitum,
no eterno rodízio
da pró/criação. 

O amor, às vezes, nos empurra
para o que nos desatina.
O destino, porém, desobedece
regras, leis do afeto,
e, até, da razão
peregrina. 

A vida ensina mais caminhos,
como disse o bardo da cena e da sina,
existem muito mais coisas por aí,
ó incrédulos poetas,
que a mente
nem imagina.
 


 
Aonde me levará essa vontade imperiosa
de falar a ouvidos moucos,
ou a ventos loucos, soltos? 

A voz de fumaça aquece
e se dispersa,
no ar do firmamento.
Os escritos ficarão relegados
ao esquecimento. 

Raríssimas exceções de escritores benditos
terão cativos leitores e valores,
os outros se limitarão a gritos.

sábado, 8 de junho de 2013

Pensares a conta-gotas (199)


Que mulher não gosta
de se sentir desejada?
Que mulher não finge
ignorar que é olhada?
Que mulher não tem ciúme
da pessoa amada?
Que maçã de éden
não se faz apetecida,
para maiores dentadas? 

O gesto, o gosto do prazer,
não se fazem desesperados,
que a continuidade da vida
não se esquece, por certo,
de ser a mais atrevida
e suspirada medida,
de mundo encoberto.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Pensares a conta-gotas (198)


O poema não pede para ser
processo,
de difícil acesso
à poesia. 

O simples é ser disponível
ao público carente, amante do natural,
do vestir modesto,
do comer frugal,
do beber igual,
e do ler sem gesto. 

A poesia pura chega
como pássaro ao ninho,
bem de mansinho,
sem ser notada,
sem ruído de aplausos,
ou de forma pensada. 

De carreira solo,
não esconde o rosto
ao belo, a tiracolo,
vestida de arminho,
tem gosto singelo,
e não se come sozinho.
 


 
 Em prosa, em verso,
em versiprosa,
em prosiverso,
a poesia transcende
o imanente do universo. 

Somente na calma
transcende o real
e se ascende
à singeleza da alma.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Pensares a conta-gotas (197)


Quando em mim encontro amparo,
para o que retiro da mente,
e ando procurando não ser,
mesmo sendo, diferente,
longe das escolas, dos cânones,
sem referentes, sem tablado,
armazeno o raro que reparo,
não rotulo, não sou notado.  

Quando infrinjo leis
e greis adjacentes,
é que busco espaços nas beiradas
com gentes condizentes,
tolerantes, edificantes,
inteligentes,
e o quanto forem
preservadas.

domingo, 2 de junho de 2013

Pensares a conta-gotas (196)


As distâncias, fatalmente, chegam
de todos os cantos de mundos,
de procuras, de lonjuras sem cura,
e vão deixando de lado aparelhos rombudos,
do tempo dos mata-borrões e trabucos,
dos rabiscos, estiletes,
tintas e grafites caducos,
bem antes das teles, gigantescamente
a descortinarem mais longínquos poentes,
e desconhecerem os mais largos espaços,
que nem o pensamento haverá de alcançar,
apesar de, no fundo,
o âmago ser tão profundo.