sábado, 22 de maio de 2021

Migalhas de Mim (93)

 

 Medo de medo, e de mais alguma coisa.

 

O medo de que o medo me rumine,

me domine, me desanime de vez

é medo de medo que dá o medo,

medo de ir e vir, de ser e estares,

medo de céu, de mar, de ar, de terra,

medo de altura, de vales e planos, 

medo de prantos de tantos enganos.

 

Medo de me arrepender do feito ou malfeito,

de ganhar e de perder o prometido,

medo de poder e não poder ser arrependido.

Medo de comer cru pelo cozido,

o tíbio, ou o quente, ou o gelado,

o insosso, ou o de condimento demasiado.

Medo de não cumprir o exigido no tabuado.

 

Medo de existir, de mentir, de falar a verdade,

de viver espalhafatoso, como propalado.

Medo do nada, em nada real ou fantasioso.

Medo de morrer, medo de luto, de culto,

de ser como quem se acha por achar.

Medo de falar, de não falar, de ficar calado,

de só escrever e sentir, de não saber pedir.

 

Medo de me comprometer com o dito e dizer.

Medo de subir, cair e me machucar.

Medo de andar distraído, de a cara esconder,

de conhecer, e de desconhecer o lugar.

Medo de esquecer onde tiver que parar,

sem saber o caminho, por de onde voltar.

Medo de obscuro, de escuro, de detrás do muro.

 

Medo de sair, de prosseguir, varadouro,

de continuar vagamundo, em conversas inúteis.

Medo do parado, de reparar no agitado.

Medo de relativo, e de absoluto,

medo de desmedir, de enfrentar o absurdo,

medo de abrir o livro e me fechar no passado,

às portas do indefinido fim do mundo.

 

Medo de estrada improvisada,

medo de visão turva, de enxurrada,

de curva perigosa, por demais fechada,

Medo de escolhas na encruzilhada.

Medo de água, de seca e inverno continuado,

de purgatório e de inferno por exagerado.

Medo de me olhar, e me enxergar enviesado.


Medo de me quebrar e não ter conserto,

de desarrumar sem poder concertar.

Medo de silêncio profundo, de soar enigmático.

Medo de barulho, de escombros imundos.

Medo de bolha estourar, e me ver desnudo,

de rolha, de folha caída, de carne quebrada,

de escorregos na escada, de o ventre virar.

 

Medo de prazer, de lazer, de ser feliz.

Medo de só trabalhar, como ninguém,

ou de ser ocioso, danoso ao erário, sem vintém.

Medo de ser medroso, além do necessário,

num mundo cada vez mais perigoso.

Medo de não ter medo, de passar por corajoso,

num tudo fictício de tantos arremedos.

 

Medo de morrer de medo, na hora agá.

Medo de passar o tempo sem comprometimento.

Medo de fazer horas, a olhar o tempo passar.

Medo de solidão, de multidão, de relento.

Medo de tarde, de cedo, de vastidão de firmamento,

Medo de sombra, de dia, de carestia de alimento.

Medo de água fria, apatia, sem mostrar ousadia.

 

Medo de beber e fazer mal à saúde, bem necessário.

Medo de ano novo, de ser tudo de novo.

Medo de descascar melancia e cortar o dedo.

Medo de não caminhar o trecho traçado, direito.

Medo de não ser verdadeiro e fingir invejoso.

Medo de gerar e recriar um texto danoso,

Medo de morrer de medo de amar demasiado.

 

Medo dos sinais, quando tudo é acabado,

de sentir, e consentir o mal explicado,

de esgotar o ignorado e não sentir o mal gosto.

Medo de dormir e acordar mal humorado.

Medo de explorar o lógico e o comprometido.

Medo de doar e ser pouco ou mal entendido.

Medo de pingo pingando, de ruído continuado.

 

Medo da noite, seus mistérios e escuridões,

Medo do dia, suas doenças e transparências.

Medo das religiões e suas crenças irresolutas.

Medo da ciência não encontrar o rumo,

da verdadeira verdade e suas irreparáveis soluções.

Medo de fogo inesperado de queimar pensares.

Medo dos azares e consequências de pesares .

 

Medo de ser o que não sou por natureza,

levado na pressa por circunstâncias adversas

à minha própria vontade, controversa à clareza.

Medo de não ter certeza de saber pedir perdão,

quando o mais correto seria perdoar falácias,

sem ousar virar-lhes as costas por resposta,

pior castigo que ainda não há por inventar.

 

Medo de tudo, sobretudo, de não pensar arrazoado,

demonstrativo, produtivo, combativo, por pequeno.

Medo de não me comprometer e, depois, desdizer.

Medo de ver cair a última ficha do fichário terreno,

Medo de fugir do ordinário, do salário da vida.

Medo do diário, do restante real ou imaginário,

Medo de todo um tão vasto interminável dicionário.


sábado, 1 de maio de 2021

Migalhas de Mim (92)

 

Regras de desfazer

maldades, ansiedades,

malfeitos contrafeitos

e malefícios,

 

sem encontrar quaisquer trejeitos,

sem fugir de causas e efeitos,

sem medir relevâncias dos fatos,

sem fazer adições de pré-juízos,

sem contar com mentiras e avisos,

sem usar delongas nas conversas,

sem apurar responsabilidades dos atos,

sem reconhecer eras e realidades,

sem utilizar senhas infinitas e vaivéns,

sem manhas e estudadas artimanhas,

sem ficar sem saber de como agir,

sem rezar em rosários de artifícios

“sem” afinal de contas:

 

Pelo sim, pelo não,

salvo melhor juízo,

o que resta a fazer, então,

é, simplesmente, pedir perdão.