domingo, 27 de outubro de 2019

Migalhas de mim (15)

Tempos atrás,
escritores escreviam
com a pena molhada
nas tintas do tempo,
que ora passava lento.

Viravam horas, dias, noites,
instantes, momentos,
viajavam manhãs,
fluxos das madrugadas,
asas dos pensamentos.

A criação galgava penedias,
tais as alturas das culturas,
as escrituras dos movimentos,
os tantos fervores dos amores,
os suores dos envolvimentos.

Corpo cansava, cabeça pendia,
braços moviam,
mãos e dedos doíam,
encolhidos de frio e ousadias,
as vontades ferviam.

Fossem, hoje, tais esforços,
com as máquinas do progresso
e da resultante tecnologia,
mais grandiosos os feitos, dest´Arte
mais monumentos se erigiriam.

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Migalhas de mim (14)


O velho murcha,
em chão duro, a sol quente,
inelutavelmente,
como laranja chupada no pé,
bagaço, maracujá maduro.

A idade desfigura os dias,
carcome, impiedosamente
o corpo, há muito monumento,
a cabeça diminuída, esquecida,
as carnes do rosto macilento,
os olhos embaçados, fundos,
o nariz afilado, dependurado,
as orelhas de abas amareladas,
no vozerio do vento.

A boca fendida, de poucos dentes,
o queixo descaído, alongado,
o pescoço preso de barbelas e tiras,
o tórax arqueado de mirar o chão,
o peito seco, de fora e de dentro,
pernas, pés e mãos dominados,
braços sem ânimos e forças,
para apertos de esforços e abraços.

O centro de tudo desanima,
fica mudo.
Só o tempo permanece
intocado,
como sempre foi e será,
indiferente a tudo.

(Assim diz o velho,
demasiado lasso:
“quando não é uma coisa,
é outra” que rezo,
ladainhas de cansaços.)