domingo, 30 de agosto de 2020

Migalhas de Mim (55)

 De vagar 


Não sei, nem careço saber,

talvez saiba um dia, à revelia,

onde já morei ou haverei de morar, 

onde não paro e não haverei de parar,

por onde andei ou haverei de andar;


se em Mendes ou em Minas,

se no Brasil ou na França,

se em Brasília, Rio Branco ou Paris,

se aqui ou ali ou lá,

se cá ou acolá ou além dos horizontes,

se daqui prali, daqui pra lá ou de lá pra cá,

se só por onde aponta o nariz, como se diz;


se em terra firme, em água funda

ou em revolto mar,

se onde nasci ou deixei de nascer,

se onde ainda não morri 

ou deixarei de morrer,

ou, até, ao deus-dará, 

onde me cabe vagar.


Só sei que não andarei de graça,

não assentarei praça, em nenhum lugar.

Sou do vento ou para onde o vento leve,

sou do tempo, que nunca se prescreve,

sou dos ares, de muitos altares,

que sempre me descrevem, 

para sempreterno caminhar.


quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Migalhas de Mim (54)

 

Não, não e não!

A vida não pode estar,

apenas, por aqui,

nem findar, assim,

de somenos,

sem mais nem menos!

 

Isso, aqui, é apenas

uma estalagem,

quando, em viagem,

o ocupante do espaço

e do tempo sem tempo,

está só de passagem!

 

Não sei se neste universo,

diverso, de intensa vida,

por um desejo imenso,

de infinita mente,

é, aqui, o único lugar,

para se retornar à lida.

 

Por que tanta pressa!

Demore, gente,

mais um pouco, homessa!

A casa é sempre sua,

a vida, para sempre é via,

nossa eco/logia!

sábado, 22 de agosto de 2020

Migalhas de Mim (53)

Digna morte 


A gente, quando não morre

de acidente ou enfermidade,

morre de idade, avançada,

falência completa dos órgãos,

de pouco pranto, muita memória,

justificativas resumidas

e irreprochável identidade.


Morre como o bicho do mato,

longe do predador ou do psicopata,

como pé de manga e laranjeira,

pé de jabuticaba e abacateiro,

carregados de copiosas frutas,

de não se saber como comportam

tantas e quantas progênies férteis.


Morre como árvores frondosas,

nativas de florestas densas,

milenares, parasitadas, musguentas,

e não enxertadas, artificialmente,

por mãos avarentas e traiçoeiras,

parceiras dos lucros insaciáveis,

no ávido lusco-fusco do dinheiro.


Jamais se deveria morrer precoce,

como frangos ou animais de granja,

como gados, recriados, esganados,

de olhos vendados, para comerem

de engorda, sem mudarem pés de lugar,

sem a graça de saborearem a vida,

dignamente, como ente ou gente querida.


Jamais se deveria morrer forçado,

programado, informatizado,

codificado, confinado para se finar,

sem se qualificar  como ser producente,

depositário de numerosas sementes,

dignas de longa descendência,

profusa e fecunda decência. 



terça-feira, 18 de agosto de 2020

Migalhas de Mim (52)


Difícil saber

como animal sente dor,

se nem mesmo pode

queixar-se

de frio ou calor!

 

Como saber,

se o que nele dói

é muito, pouco,

suportável,

ou de extremo rigor?

 

A dor parece ser

surda, cega

e muda,

para o ser sofredor,

carente de amor.

 

Triste a sina de quem,

sem poder pedir ajuda,

morre sem ar,

calado,

com o sinal fechado!

domingo, 16 de agosto de 2020

Migalhas de Mim (51)

 

Geografia humana

 

O corpo humano se torce e contorce

em sobes e desces, valas ralas e profundas,

fontes vivas, densas matas, ardores,

montes superpostos, fendas, picos raros,

depressões, altiplanos, luzidias planícies,

brilhos para concupiscentes olhares,

que a juventude urge de tantos fervores.

 

Quando se vão esmaecendo lumes e calores,

já em final de tarde, sem alcance das mãos,

brumas e longes nublam de rajas rúbias,

para o encontro condizente de terras e céus,

e prenúncios de noite se aceleram chegando,

o infinito se cola aos desejos impotentes,

com arrepios frios de conflitado incréu.

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Migalhas de Mim (50)

 

Guerras de ação e pensamentos,

pela igualdade entre as gentes,

contra ganância, egoísmo

e sofrimentos!

 

Elimine-se as desvirtudes,

acabem-se as contendas,

as desigualdades, por decretos

e emendas.

 

O Planeta quer-se uno,

com pertencimento

a todos os viventes

que por aqui vicejam,

não apenas às serpentes.

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Migalhas de Mim (49)

 

O cérebro anota,

indelevelmente,

o que ofende ou arranha

o sentimento.

 

Quando menos se espera,

algo aflora de supetão,

para jogar para fora

 borra de purificação.

 

Quem nunca se surpreendeu

com algo, que, até então,

de imprevisto,

nunca havia concebido?

 

Poço de mistérios não seca,

em apenas algumas horas

de vivência e experiências

psíquicas e corpóreas.

 

Carrega-se na mochila o peso

de um tudo de aprendizado,

pelas estradas empoeiradas

de tempos presentes e passados.

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Migalhas de Mim (48)



Se o pobre se transmutasse em rico,
se o rico, em pobre,
tudo ficaria na mesma,
nada mudaria, na ordem dos fatores
e do produto.

Se pobre se tornasse menos pobre,
se rico, menos rico,
aparentemente,
bem pouco ainda se resolveria,
no coeficiente das operações.

O que, porventura,
se trocasse na equação da regulagem,
seria simples alteração
na natureza dos valores
em comparação.

Na fusão de continentes,
igualdade não seria determinante,
e uma contingência insana
manter-se-ia na desigualdade,
inerente à natureza humana.

Como pobre, comumente,
se torna cada vez mais pobre,
e rico, sempre mais rico,
só no final dos tempos consertar-se-iam 
avarias, nessa fatal engenharia.  

Os dois campos se extinguirão,
equidistantes e impreterivelmente,
um, por fome ou inanição,
o outro, por ambição,
na insaciável autofagia.

sábado, 1 de agosto de 2020

Isso, sem compromisso (1)


280

O pior de tudo,
do orgulho,
é a humilhação
de ter-se feito
de surdo-mudo
e vir a dar a torcer
o braço,
esconder a cara,
pagar a conta
ao mundo
dos moribundos.

282

Quadro clássico:
uma ponte,
alta e quebrada,
nuvens pesadas no céu,
de chover trovoadas,
águas revoltas,
no riacho encapelado,
crianças sem idade,
de pouca maldade e siso,
um anjo-da-guarda,
cândido e forte,
angélicas asas,
livra-as do perigo,
sem o prejuízo
da morte.