terça-feira, 31 de julho de 2012

Pensares a conta-gotas (127)

Pedi vida boa,
não sei se,
incapaz,
ganhei, perdi,
ou esbanjei à toa.

De mais alegrias e amizades,
de muito vigor e fantasias,
de muito amor e saudades,
de muita grandeza,
e quanto menores tristezas.

Peço boa morte,
não sei se lograrei,
por merecida,
com passaporte,
e visto de lucidez,
como consorte e parceria.

Vida boa, ou boa morte,
imprescindem de sorte,
como me cabe decidir,
como pude, até aqui,
como posso e poderei
provar que não joguei.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Contos contados de Minas (45)

Agrados e lembranças

Presentes ofertados de ofício, afastados do coração. Sinais dos tempos. Entretanto, quando eram agrados e lembranças, carregavam mais afetos e autenticidade. Mais verdadeiros, se guardavam por mais tempo, duravam sempre, significavam mais. Em geral, se davam sem data marcada e traziam impressos em si a marca da sinceridade, para serem sempre lembrados. “Isto foi uma lembrança de seu avô, quando esteve em tal lugar”. “Ganhei este broche, como lembrança de fulano de tal, quando éramos namorados.” “Esta foto me foi dada como lembrança de quando estivemos na casa de sicrana, por ocasião de...”
Nada de “vou esperar pelo dia tal, quando o beltrano me ligar pelo meu aniversário, e aí eu aproveito para lembrá-lo do...”. Nada de “ai, meu Deus, que ainda não comprei o presente do seu pai, da sua mãe, do seu irmão!” Nada de “estou tão atarefado, e ainda tenho que ir à festa de aniversário do filho do...”. “Hoje, cansado como estou, ainda tenho que levar meus filhos na festinha do Zezinho, colega do...”. Nada de “toda semana é assim, uns dois ou três aniversários para ir! Isso não acaba mais!”
O pior de tudo são os juízos de valores, que se corre o risco de expressar, sobre os presentes recebidos: “que presentinho insignificante! Quem deu poderia ter escolhido coisa melhor, de maior originalidade”! “As prateleiras já não cabem mais brinquedos, nos quais o Pedrinho nem trisca. Também...!” “Sem presente, eu não vou, de jeito nenhum! Todo mundo vai notar que só eu é que cheguei de mãos vazias, abanando mosca! “Sem tempo, ainda tenho que comprar a baixela, para o casamento de Fulano, e padrinho não pode dar um presente qualquer. O pior é que, nesse mês, estou tão sem dinheiro, e ainda essa, de presente caro!” “ Se ao menos pudesse escolher uma loja qualquer, e optar por um mais modesto! Agora, essa, de local designado, e, além de tudo, com lista na loja tal, do shopping tal! Como deixei para a última hora, só deve ter sobrado os itens, que não compraria para mim, e vou ter que comprar para os outros! Ainda mais, sem poder escolher”! Imagina-se o que devem falar aqueles que dão presentes com data marcada, por imposição do mercado! Natal, dia da..., do..., das...,dos...!
Presente virou ingresso de entrada na festa de amigos e, até, de amigos dos amigos. “Les amis de mes amis sont mes amis”. Se não comprou, por qualquer motivo, até compreensível, de duas uma, ou diz que não teve tempo, ou inventa uma desculpa de enviar depois, ou, o mais provável, simplesmente, não vai à festa, e deixa as crianças chorando, põe de castigo, briga com a mulher, ou com o marido. Ficam alguns dias sem conversar, somente porque o presente não é mais agrado, lembrança, “lembrancinha”, como diz o mineiro tradicional, que adora diminuir o valor e o tamanho das coisas, dado em qualquer hora, em qualquer dia, em qualquer ano, escolhido de coração: “passando por tal lugar, vi este “conjuntinho”, este “anelzinho”, este “brilhantezinho”, este “colarzinho”, este “camafeuzinho”, e... lembrei-me de você! Com a vantagem de ainda se dar ou receber um abraço, um beijo ou, simplesmente, um aperto de mão inesquecível, como prova de que gostou, e reconhece, de verdade o valor moral do agrado.
A vovó, a mamãe ao mexerem nos guardados, ao servirem a mesa, ao fazerem a cama, ao arrumarem as gavetas dizem para os filhos, para os netinhos, “isso foi uma lembrança, um ‘souvenir’, vejam só que lindo, que coisa mais chique, do seu avô, de seu pai, da sua mãe, que guardo com todo o cuidado para não estragar”. (Os avôs, os pais, os irmãos costumam ser mais comedidos na exteriorização dos sentimentos, mas, nem por isso, deixam de se emocionar, em silêncio interior. O mérito é o mesmo. E, todos, ainda, acabam experimentando, uma vez mais, a tal lembrança, para sentir as mesmas sensações de quando a recebeu. Se um frasco de perfume, leva-se ao nariz; se um objeto de uso corporal, vai-se ao espelho para sentir seu efeito, depois de tantos anos. Um rejuvenescimento, em um suspiro profundo!
Nada de compra pela propaganda na internet, na televisão, no suplemento do jornal, no panfleto da loja tal, no encarte do domingo, pelo dia do aniversário, pelo dia das mães, dos pais, dos namorados, da secretária, do professor, do dentista, da empregada doméstica, da cozinheira, do zelador, do mais que for..., do interesse do comércio. Se ao menos fosse da despedida do colégio, ao se aposentar, com a presença de alunos que, apesar das broncas e das notas baixas, dos recadinhos à margem das redações corrigidas, e recorrigidas, com exigências de letra legível, menos rasura... Mas, não, disso ninguém se lembra, nem lojas de conveniências conta fazem.
A sociedade de consumo está bem ali, para inventar datas, inventar brinquedos de durabilidade zero, de plástico ressequido que irá para o lixo em curto espaço de tempo, acompanhado dos estresses das donas de casa, que já não sabem onde guardar mais “tranqueiras”, “dos armários abarrotados de brinquedos, com os quais os meninos nunca brincam, e só servem para ajuntar baratas e poeiras”.
Foi-se o tempo, em que se guardava aquela bonequinha de louça, “única”, com aquela “roupinha” de dar gosto, naquela embalagem que, “até hoje, manuseio com cuidado, para não estragar”, aquela gravata, “que só uso em ocasiões especiais”, aquela jóia “que ganhei de seu pai, por ocasião do nosso noivado, dos meus quinze anos, do nosso casamento, da nossa viagem de lua de mel, dos nossos 25, 50, 70 anos de casamento”. Agrados e lembranças que trazem lágrimas aos olhos, vontades passadas com gosto de recomeços.
Imagine-se, no tempo antigo, quando se fazia um bolo, uns biscoitos que, de tão gostosos, pensava-se em enviar uns quantos à mamãe, ao papai, “que gostam tanto deles”, à comadre Maria, ao filho da vizinha que está na cama, de repouso absoluto, ao porteiro, que sempre dá uma mão, ao se retornar do mercado com as compras, ao.... E, depois, ainda recebia a “vasilha” com alguma coisinha dentro, que não o vento do esquecimento e da formalidade.
Os agrados, ou as simples lembranças, não têm preço, e chegam revestidos de sensibilidades. Incorporado neles, trazendo, como rótulo, o que somente quem recebe ou oferece sabe enxergar, um coração maior do que o mundo. Sem o demérito, como essa sociedade, cada vez mais de consumo, inventa, e os artifícios milimetricamente calculados, para aumentar lucros e desvirtuar sentimentos.

Pensares a conta-gotas (126)



Já tive 20, depois 21,
            30, depois 31,
            40, depois 41,
50, depois 51,
60 e sessenta e uns
anos que passaram
irrecuperavelmente
céleres e raros.

De agora em diante,
corre o vento às dezenas,
às ventanias e ventenas, 
alarmantes vendavais.

Mais além, a senha:
“avante caminhante,
quanto mais se avança,
mais se cansa,
mais se embrenha,
menos se empenha
o fiel da balança!”


                                      
Filho da água, sempre me soube.
um rio atravessando-me por dentro,
borbulhante, encachoeirado,
escorregadio, alucinante, alucinado,
manso nos remansos, descansado,
bravo, às vezes, desbravante, arrebatado.

Ora na paz, represado, repensando,
ora na luta, atormentado, atormentando
em travessias, de vazados pensamentos,
molhados no próprio apaziguamento.

Vejo-me vastíssimo país, banhado,
de terras e águas casadas,
já me cansando, talvez cansado,
de tanto esperar por chegadas,
a portos adrede preparados,
de passados ainda passando,
de aguado presente, ando
afunilado, ou já me afunilando.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Pensares a conta-gotas (125)

Nem Deus deverá ajudá-lo,
a regra é andar sozinho,
decidir da rota que traça,
sem a ninguém pedir ajuda.

O prêmio da chegada será
de um apurar muito particular,
nos revezes do caminho.

Seus, o perder ou o ganhar,
da forma como há de se portar,
no virar e revirar de curvas,
até o instante, tão pertinho,
do “au-delà” do pelejar.


 


Há quem já nasça estigmatizado,
ou, há tempos, esteja desacreditado,
batendo com a cabeça no vento,
a cara lavada na parede da ventura,
sem facilidades de emenda futura.

Os pais comeram uvas verdes,
têm os filhos de dentes trincados,
segundo rezam as sacras escrituras?

sábado, 21 de julho de 2012

Pensares a conta-gotas (124)

O que se busca é adiar o apocalipse,
impedir a derradeira hecatombe,
desfazer a fatalidade do fim do mundo.

A insanidade, a injustiça, a catástrofe,
a  natureza egoísta do homem,
são bichos-homem comendo homens.

O planeta Terra em breve será Marte,
inerte e frio, sem alma,
sem brilho, sem arte.

O sol, supernova,
a se apagar estéril,
sem cor.

A galáxia, farmácia,
de poucos remédios,
para o tédio.

O universo se desdobrará,
indo ao fim, vindo ao começo,
sem endereço.

O homem, infimamente, se extinguirá,
por falta de luz, como vela ao vento,
na frieza do cimento.



Insignificância, mesmo,
é olharmos para o céu,
em noite de distâncias,
e, suavemente, sumirmos
nos labirintos do cosmos,
no imo de nós mesmos.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Pensares a conta-gotas (123)

Recuso-me a ser apenas
pó de esterco ao vento,
como se minha poeira fosse
só alimento
de plantas rasteiras.

Afaste-se essa dose
de dúvidas imensas,
de existências terrenas,
marcianas, alienígenas,
distantes, frias e vazias.

A energia, que, ainda,
em mim habita e anima,
é minha alma
de insaciáveis vontades
de sobreviver à cal...ma.




Quando morrer,
não quero ouvir de ninguém
que fui tudo aquilo,
que menos fui,
em vida.

Todos sabem,
mas não falam,
que não farei falta,
nas fileiras de rodas,
da vida.

Quem mais saberá
o que serei,
senão eu que, ali, inerte,
a tudo, em volta,
só, ouvirei?

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Pensares a conta-gotas (122)

À noite, o medo me deixa sujeito
a que o dia ainda tarde,
e me plasme, nas escuras, a pensar
nos dias, cada dia mais cedo,
de menos luz, de mais esperas,
de mais desejos insatifeitos,
de mais medos a vigiar,
do que quando me deito.




Mais depressa do que gostariam os mais sequazes,
a Terra se tornará Marte,
como outros mundos bem próximos da morte,
desnudados de vidas e do quanto lhes é sorte,
à insensatez desses vorazes habitantes fugazes.

Todos os pluriversos, pelo que ainda não se sabe,
permanecerão impensáveis, ilimitados e sempiternos,
para abrigarem lugares de gentes decadentes,
acostumadas a só construir infernos
diferentes, mas doídos e ardentes.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Pensarres a conta-gotas (121)

Leio o poema, releio,
abandono autor e livro,
passo a outros convívios,
para mais reler
e pensar de permeio.

Vivo de pedaços e cotas,
visito, volto e transito,
insisto em pesar requisitos,
medito,
mesmo que só a conta-gotas.




Ouvir poesia parece coisa chata!
“Ora, direis, ouvir estrelas!
Por certo, perdeste o senso”.
Ler poesia parece coisa ingrata!
“Quem lê tantas notícias?”
Será  que a impaciência mata?

Para não se sentir condenado
A se tornar seu próprio ouvinte,
Lê para ser, mesmo que só de pedinte,
Lembrado dos que ainda se disponham
A enxergar nele mero esteta,
Quiçá, pretenso poeta!




As invenções de poetas
são coisas do fundo profundo
de insaciáveis ascetas, exegetas,
que bem poderiam livrar o mundo
de iracundos falsos profetas!

domingo, 8 de julho de 2012

Pensares a conta-gotas (120)

Acontece-me pensar,
sem nenhum desfavor,
atrevimento ou disfarce,
que ainda tenho a dizer
algo de algum valor
que não me fira e esgarce.




Se é para tecer textos de imagens irreais,
urdir de coragem as metalinguagens,
que venha, nos fios do fuso,
melhor calor do amor.

Se é para compor cores no crivo do bordado,
unir os fios gestados nos caminhos,
que venha no labirinto da textura,
linho, lã e criatura.

Se é para me calar no recôndito de mim,
utilizar a liberdade das palavras afins,
nos desafios das lavras úmidas, caladas,
que venham as muitas falas das leituras,
com mais riscos, menos rasuras.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Pensares a conta-gotas (119)

Se pensas que já morri,
ó figura da bruma!
enganas-te, que muito vivo,
precisando de ti.

Se pensas que ainda vivo,
saiba que apenas sobrevivo,
assim, determinado,
a ainda te encontrar,
caso não esquecestes de mim.

Tudo, neste mundo, é ir e voltar,
apressado, ou lento,
nada estático, definitivo, finado,
isento.





Agora, mesmo, neste momento,
exato,
já é o depois do instante passado,
tudo move, moveu e moverá,
neste mundo agitado.

O que fica dessa roda gigante,
onde somos apenas tripulantes,
é o desconhecido dos mistérios,
que sorvemos arfantes,
com o gás dos refrigérios.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Pensares a conta-gotas (118)

A vida de renúncias
foi de si mesmo.
Em lugar de viver
e satisfazer desejos,
padeceu indecisões,
labirintos de desperdícios,
de exercícios.

Viveu desinteresses,
sem fugir, entanto,
dos compromissos,
assumidos de ofício.
Renunciou à vida libada,
e continuou vivo, exausto,
como seqüela de claustro.




Chega de culpabilidades,
de pecados inconseqüentes,
de só proibido dos missais,
de mandamentos moldados
a desorientados ideais!

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Pensares a conta-gotas (117)

Sem mais nem por quê,
a  Fulminante passou a ser
uma palavra sem compromissos,
de difícil pronúncia e artifícios,
de som distante, de renúncia,
de ser ausente, omisso.




Se, antes, não soube dizer
“te amo”, como gostarias,
digo, agora, ao entardecer,
“te amei”, já arrependido
dos motivos que nem sei.




A árvore nem o conhecia,
mas estendeu-lhe sombra,
como manto e cama,
para repouso dos sonhos
e da fatigada alma.

A água fresca, do riacho,
corria-lhe ao pé,
em folguedos, ao lado,
para o gozo de viver
sagrado, harmonizado.