sexta-feira, 27 de julho de 2012

Contos contados de Minas (45)

Agrados e lembranças

Presentes ofertados de ofício, afastados do coração. Sinais dos tempos. Entretanto, quando eram agrados e lembranças, carregavam mais afetos e autenticidade. Mais verdadeiros, se guardavam por mais tempo, duravam sempre, significavam mais. Em geral, se davam sem data marcada e traziam impressos em si a marca da sinceridade, para serem sempre lembrados. “Isto foi uma lembrança de seu avô, quando esteve em tal lugar”. “Ganhei este broche, como lembrança de fulano de tal, quando éramos namorados.” “Esta foto me foi dada como lembrança de quando estivemos na casa de sicrana, por ocasião de...”
Nada de “vou esperar pelo dia tal, quando o beltrano me ligar pelo meu aniversário, e aí eu aproveito para lembrá-lo do...”. Nada de “ai, meu Deus, que ainda não comprei o presente do seu pai, da sua mãe, do seu irmão!” Nada de “estou tão atarefado, e ainda tenho que ir à festa de aniversário do filho do...”. “Hoje, cansado como estou, ainda tenho que levar meus filhos na festinha do Zezinho, colega do...”. Nada de “toda semana é assim, uns dois ou três aniversários para ir! Isso não acaba mais!”
O pior de tudo são os juízos de valores, que se corre o risco de expressar, sobre os presentes recebidos: “que presentinho insignificante! Quem deu poderia ter escolhido coisa melhor, de maior originalidade”! “As prateleiras já não cabem mais brinquedos, nos quais o Pedrinho nem trisca. Também...!” “Sem presente, eu não vou, de jeito nenhum! Todo mundo vai notar que só eu é que cheguei de mãos vazias, abanando mosca! “Sem tempo, ainda tenho que comprar a baixela, para o casamento de Fulano, e padrinho não pode dar um presente qualquer. O pior é que, nesse mês, estou tão sem dinheiro, e ainda essa, de presente caro!” “ Se ao menos pudesse escolher uma loja qualquer, e optar por um mais modesto! Agora, essa, de local designado, e, além de tudo, com lista na loja tal, do shopping tal! Como deixei para a última hora, só deve ter sobrado os itens, que não compraria para mim, e vou ter que comprar para os outros! Ainda mais, sem poder escolher”! Imagina-se o que devem falar aqueles que dão presentes com data marcada, por imposição do mercado! Natal, dia da..., do..., das...,dos...!
Presente virou ingresso de entrada na festa de amigos e, até, de amigos dos amigos. “Les amis de mes amis sont mes amis”. Se não comprou, por qualquer motivo, até compreensível, de duas uma, ou diz que não teve tempo, ou inventa uma desculpa de enviar depois, ou, o mais provável, simplesmente, não vai à festa, e deixa as crianças chorando, põe de castigo, briga com a mulher, ou com o marido. Ficam alguns dias sem conversar, somente porque o presente não é mais agrado, lembrança, “lembrancinha”, como diz o mineiro tradicional, que adora diminuir o valor e o tamanho das coisas, dado em qualquer hora, em qualquer dia, em qualquer ano, escolhido de coração: “passando por tal lugar, vi este “conjuntinho”, este “anelzinho”, este “brilhantezinho”, este “colarzinho”, este “camafeuzinho”, e... lembrei-me de você! Com a vantagem de ainda se dar ou receber um abraço, um beijo ou, simplesmente, um aperto de mão inesquecível, como prova de que gostou, e reconhece, de verdade o valor moral do agrado.
A vovó, a mamãe ao mexerem nos guardados, ao servirem a mesa, ao fazerem a cama, ao arrumarem as gavetas dizem para os filhos, para os netinhos, “isso foi uma lembrança, um ‘souvenir’, vejam só que lindo, que coisa mais chique, do seu avô, de seu pai, da sua mãe, que guardo com todo o cuidado para não estragar”. (Os avôs, os pais, os irmãos costumam ser mais comedidos na exteriorização dos sentimentos, mas, nem por isso, deixam de se emocionar, em silêncio interior. O mérito é o mesmo. E, todos, ainda, acabam experimentando, uma vez mais, a tal lembrança, para sentir as mesmas sensações de quando a recebeu. Se um frasco de perfume, leva-se ao nariz; se um objeto de uso corporal, vai-se ao espelho para sentir seu efeito, depois de tantos anos. Um rejuvenescimento, em um suspiro profundo!
Nada de compra pela propaganda na internet, na televisão, no suplemento do jornal, no panfleto da loja tal, no encarte do domingo, pelo dia do aniversário, pelo dia das mães, dos pais, dos namorados, da secretária, do professor, do dentista, da empregada doméstica, da cozinheira, do zelador, do mais que for..., do interesse do comércio. Se ao menos fosse da despedida do colégio, ao se aposentar, com a presença de alunos que, apesar das broncas e das notas baixas, dos recadinhos à margem das redações corrigidas, e recorrigidas, com exigências de letra legível, menos rasura... Mas, não, disso ninguém se lembra, nem lojas de conveniências conta fazem.
A sociedade de consumo está bem ali, para inventar datas, inventar brinquedos de durabilidade zero, de plástico ressequido que irá para o lixo em curto espaço de tempo, acompanhado dos estresses das donas de casa, que já não sabem onde guardar mais “tranqueiras”, “dos armários abarrotados de brinquedos, com os quais os meninos nunca brincam, e só servem para ajuntar baratas e poeiras”.
Foi-se o tempo, em que se guardava aquela bonequinha de louça, “única”, com aquela “roupinha” de dar gosto, naquela embalagem que, “até hoje, manuseio com cuidado, para não estragar”, aquela gravata, “que só uso em ocasiões especiais”, aquela jóia “que ganhei de seu pai, por ocasião do nosso noivado, dos meus quinze anos, do nosso casamento, da nossa viagem de lua de mel, dos nossos 25, 50, 70 anos de casamento”. Agrados e lembranças que trazem lágrimas aos olhos, vontades passadas com gosto de recomeços.
Imagine-se, no tempo antigo, quando se fazia um bolo, uns biscoitos que, de tão gostosos, pensava-se em enviar uns quantos à mamãe, ao papai, “que gostam tanto deles”, à comadre Maria, ao filho da vizinha que está na cama, de repouso absoluto, ao porteiro, que sempre dá uma mão, ao se retornar do mercado com as compras, ao.... E, depois, ainda recebia a “vasilha” com alguma coisinha dentro, que não o vento do esquecimento e da formalidade.
Os agrados, ou as simples lembranças, não têm preço, e chegam revestidos de sensibilidades. Incorporado neles, trazendo, como rótulo, o que somente quem recebe ou oferece sabe enxergar, um coração maior do que o mundo. Sem o demérito, como essa sociedade, cada vez mais de consumo, inventa, e os artifícios milimetricamente calculados, para aumentar lucros e desvirtuar sentimentos.

Nenhum comentário: