quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Conto acreano; surra de caba, picadas de abelhas

 

Conto acreano: surra de caba, picadas de abelhas

 

Minha mãe ouvira dizer que picadas de abelha curavam reumatismo. Já experimentara quase todos os remédios, que pessoas, em geral, lhe prescreviam, mas as dores nas juntas persistiam. Já provara de um pouco, o tudo: banha de cobra de cascavel, sebo de carneiro, manteiga de capivara, carne de tamanduá bandeira, além de não deixar de fomentar as articulações com o pé de perdiz embebido em álcool ou em cachaça alcanforada. Esses e tantos mais remédios caseiros, rezas e unguentos, ela dizia terem sido os responsáveis por continuar existindo até aqueles mais de noventa anos. Mas se algum alívio sentia, de pouco adiantava, embora insistisse em dizer que acreditava mais em suas mezinhas de folhas e raízes, do que nos medicamentos de farmácia, receitados por doutor que, segundo ela, pouco entendia de dores, sobretudo em caso de primeiras necessidades.

Uma ocasião, enquanto secava ao sol o polvilho no jirau, observara as abelhas vibrantes, à procura do amido para seu fabrico de mel ou resina. Veio-lhe, então, à ideia, o tal recurso, ensinado por alguém, de quem não mais se lembrava, como lenitivo de suas dores de reumatismo: ferroadas de abelha ou de marimbondo. Polvilho ou farinha de mandioca no jirau, se pôs a irritar a paciência dos laboriosos insetos, para ver se reagiam e lhe aplicavam as milagrosas ferroadas. Mas as abelhas estavam distraídas no seu quefazer e não correspondiam à provocação. O que ela não compreendia é que os insetos não tinham nenhum motivo de magoar alguém, assim, gratuitamente, uma vez que se condenariam à morte, ao largar-lhe parte dos intestinos na pele, sem prestar algum benefício, à comunidade, o que não era bem o caso.

Aí, minha mãe exagerou na dose dos desaforos e começou a espremer algumas delas que não tiveram outra escolha senão aplicar-lhe umas quatro ou cinco boas aguilhoadas na pele fina das extremidades superiores. Ela sentiu o quão caro saiu-lhe a ousadia. Suas mãos ficaram em fogo e o inchaço demorou dias a desaparecer. O reumatismo nem tanto, ou, nunca se soube bem, Esperasse um pouco mais de tempo rememorável.

Essa lembrança faz-me contar, também, outra experiência com picadas de insetos, mas desta vez com vespas, ou marimbondos, que, por essas vastidões de terras e de línguas acreanas, vêm a ser chamados, sem quaisquer simpatias, de abelhas ou cabas, nessas afastadas paragens.

Isso foi lá pelos idos de setenta e oito. Mostrávamos, orgulhosos, os arredores da cidade de Rio Branco a um renomado professor de linguística, que viera ministrar um curso no Departamento de Letras da Universidade Federal do Acre, UFAC. Como o clima exigia, naqueles recantos amazônicos, vesti-me com bermuda e camiseta para o passeio. Lá pelas tantas, passamos diante de uma propriedade rural, que ostentava um belo exemplar de pé de manga nas proximidades da casa. Quase ao alcance da mão, uma manga madurinha, e.... única, como que a implorar, por mãos ávidas e curiosas, “apanha-me, por favor!”. Resolvi colhê-la, então, para demonstrar ao caro visitante que a natureza, por essas bandas, também era pródiga e hospitaleira.

Assim, pulei e dei um tapa na tentação daquele desafio, e não sem razão. De fato, ele ocultava do lado escuro da fruta, uma caixa de marimbondos, que ao se sentirem atacados, não tiveram outra reação senão a de agredirem o agressor, e descerem como numa nuvem negra sobre sua cabeça e onde mais encontrassem espaços desprotegidos de pano. Saí rolando ladeira abaixo, dando-me tapas, por onde alcançassem as mãos, na esperança de espantar os tais nervosos insetos.

Felizmente os marimbondos não eram dos mais perigosos, e, eu, não ser alérgico. Pouparam-me, por certo, o rosto, embora nuca e costas, tronco e pernas tenham ficado incendiados. Umas duzentas picadas pareceram razoáveis ao funcionário da farmácia, onde comprei um Caladril, que me aliviou um pouco o efeito do veneno. Um termo e uma expressão linguística foram-me acrescentados ao currículo, do vocabulário acreano, dos quais, dificilmente, vou me esquecer: “levei uma surra de caba”.

Mas, ainda, voltando ao assunto de picadas de abelha, uma dessas simpáticas criaturinhas apareceu-me, um dia, em visita na biblioteca, enquanto viajava, costumeiramente, por entre livros. Parecia perdida, atrás de um cheiro açucarado qualquer. Não trazia sinais de irritação, nem vontades agressivas. Propus-me, então, a desviar-me a atenção do que estava fazendo, e, sem outra inspiração para o momento, resolvi oferecer-me para uma injeção inusitada de veneno de abelha, a já propalada prevenção do reumatismo. Só que não sabia como fazer e onde aplicar a tal toxidade, tampouco, o lugar mais apropriado do corpo a oferecer, que doesse menos. Como não me encontrasse, desta vez, de bermuda, levantei a perna da calça além do joelho, por julgar que a pele que cobre a rótula seria o lugar mais infenso à dor. Além de tudo, a barra da calça, àquela altura, poderia enforcar a circulação, e, quem sabe, diminuir a sensação que já sabia ser desagradável, de todo modo, intensa.

Peguei a pobre criaturinha, que estava ainda por ali, perdida no seu zumbir inexplicável e inofensivo, e obriguei-a a desferir o seu dardo, que a natureza tão bem soube confeccionar, para que, ao entrar na pele do agressor, não mais saísse, a não ser trazendo consigo parte do intestino do animalzinho. E, assim, foi. Passada a dor inicial, uma vermelhidão foi se formando ao redor da picada, que não inchou muito, porque o local não era de muita adiposidade. Mas nos dias seguintes, fiquei que não podia andar direito, tamanho o efeito devastador na articulação endurecida.

Se veneno de inseto, abelha ou caba, for mesmo bom para reumatismo, posso estar seguro de que este não me atingirá tão cedo. Valha-me Deus e Nossa Senhora da Ajuda, que passei a respeitar esses bichinhos tão diminutos, e temidos, até por animais de grande porte. Benfeitores na Natureza, como tantos outros e tão dignos de respeito!

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Migalhas de Mim (104)

 

Momentos há, que não me dá

vontade de nada.

Fico, que nem dois de paus,

parado, olhando o vago,

por um que fazer qualquer

de melhor proveito.

 

Mas o tempo passando,

vai me deixando contrafeito,

pensativo, espantalho ao vento,

molambento, arrebentado,

de dar medo, quando muito,

a passarinhos assustados.

 

Ser aposentado é desgraça

de homem inoperante, ineficaz,

adepto de mente desocupada,

parceira, por demais, de satanás,

patrono daquele contumaz

que mais nada faz.

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Migalhas de Mim (103)

 

De costume, pessoas pouco migram,

de casa e de pensamentos afetivos,

como se dá ao circunspecto caracol

com seus instintos natos e motivos.

 

Quem muito rola não cultiva casca,

não cria limo, tais pedras de um rio,

que contrariam a essência das raças,

nessa existência de destinos terrenos.

 

Cebola não há que mudar de lugar,

pela ineficácia a aspectos reprodutivos,

e o pouco aumento no teor dos molhos,

com ardores e disfarces em seus sabores.

domingo, 31 de outubro de 2021

Migalhas de Mim (102)

A limitação me apavora, me assenhora.

As distâncias, realmente, me limitam,

vivo cercado, sem liberdade de liberdades,

angustiado, no tempo sem tempo perdido,

de intrincados pensamentos de até libido.

 

Fujo dos instantes, dos momentos

e me encontro sem espaços prefixos,

que não só o tempo é eterno,

sem entendimento, sem satisfações

do que sempre quero e não delibero.

 

O céu é azul, o espaço sem sul, infinito,

a terra cheia de variados conflitos,

eu sou aqui, assim, efemeramente,

porque me vejo tão pequeno, terreno, 

e só me demoro onde não me espero,

sem ser aflito, nem um tanto sereno.

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Migalhas de Mim (101)

 

Pouco leio do correto,

no mais das vezes, 

folheio excertos,

como num desobrigado passeio,

de deixar o abstrato,

para flanar no concreto.

 

Quando leio, leio devagar,

mastigo até estame de flor

de umbigo de bananeira,

para mais degustar o sabor,

no engulo de tudo, de mansinho

para melhor digestão do conteúdo.

 

A quantidade dos livros que tenho?

Não os li todos por completo,

mas os namoro e sinto o cheiro,

do rosto ao objeto do prazer,

voluptuoso.

 

Contento-me com isso,

que não tenho contas

a prestar com ninguém.

Só comigo mesmo

sou avaro de meus vinténs,

contos, poesias, crônicas,

romances e mais formas 

de pensar o além,

escolhidas a dedo,

a esmo de mais alguém.

 

Sou ganancioso, também,

sem tanto ser pretensioso.

Nem sei por que me fiz,

assim, tão caro,

se nem me sei, sem anteparo,

ou se viverei só

Até amanhã!

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Migalhas de Mim (100)

        

          TEMA PARA CLARA / 05/9/2021 

(ou Bons Augúrios às Claras)

 

Clara é de muita saúde e pouco chora,

apenas, implora a mais restrita atenção

e os direitos que a situação lhe outorga,

para gritar à mãe e aos seus, a toda hora.

 

Clara já nasceu forte e até faminta

e, como “quem não chora não mama”,

cola-se, como bem sabe e pode, à mãe,

só que, agora, pelo lado de fora.

 

Quem é que não adora mirar-se

na luz dessa carinha macia de Clara,

que enternece e transcende esperanças

que a vida cria, dos momentos de criança?

 

Com Clara, hodierna, tudo anda bem,

cem por cento, conforme silente proteção,

que a mãe-natureza, de certeza presente,

bem ao propósito, externa a toda a gente.

 

Clara clareia olhares os mais atentos

de admiradores de mil perguntas

pelos trejeitos de expressivo rosto

e gestos outros de descontentamentos.

 

Para Clara tempo e horas passam,

como a viventes a quem vigoram,

tais os clarões alentam de sol surgente

de portas e janelas de onde mora.

 

Como a quaisquer humanos, o destino

concedeu a Clara, como vanguarda,

fé e coragem, de guiar em sendas afins,

assim como a ideais anjos da guarda.

 

Clara terá clareza, em missões preclaras,

de alargar caminhos de usuais espinhos,

junto a circundantes de muitos amores,

de mais carinhos e iguais favores.

 

Clara será aguerrida, que já nasceu de porte

a carregar muitos anos de longas vidas,

mas nada que corpo e mente não suportem,

pelo avantajado arcabouço de boa sorte. 

 

Clara traduz confiança, de que, daqui a sem anos,

quando o homem já viajar na pressa do pensamento,

vai se lembrar de haver lido, de quando ainda criança,

arrebatamentos proféticos, ânsias inimagináveis

do avô provecto, sonhador de melhores tempos.

domingo, 29 de agosto de 2021

Migalhas de Mim (99)

 Preconceito racial

 

Não se diz branquelo,

nem russo, pardo,

preto, asso,

amarelo.

 

Fala-se de homem de cor,

branco, alvo, negro, albino.

Pouco ladino!  

Ou des/a/tino!

 

Um atávico desamor

faz-se pensar.

Com que teor solar,


com que fator de RH?

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Migalhas de Mim (98)

 

Ouvidos moucos

mais se cansam

do que alcançam.

 

Tudo muda

tempo passa

vida encurta

homem luta

menos escuta

pouco fala

introverte

e cala.

 

Mundo rude

menos ouve

não se comove

do que procura

ganhar mais tempo

voltar atrás

ao que se perdeu

e pouco viveu.

 

Povo estúrdio

se arrefeceu.

Adeus virtude!

sexta-feira, 30 de julho de 2021

Migalhas de Mim (97)

 

O sol bem pouco mudou,

nesses últimos milhões de anos-luz.

A lua continua nua a nababos,

clareando as noites dos amantes.

Mar e terra, ainda, se respeitam

dentro de limites traçados.

O homem, recém-nascido,

já começa a perder a cabeça,

se achando dono do mundo.

 

Mas quem sobreviverá imune

à hecatombe por vir,

preparada pelos humanos,

a qualquer prejuízo?

Uma barata tonta, talvez?

Um escorpião indez, desorientado,

ou um vírus inteligente,

multiplicando poderes, invisível,

recém-acordado?

terça-feira, 27 de julho de 2021

Migalhas de Mim (96)

 

Não gosto de fazer anos.

Quanto mais os faço,

menos sobram pr’eu viver.

 

Foi-se o brilho do rosto,

depois, ficou mais tosco,

agora, um esgar mais fosco.

 

Não é mais a vida,

mas a ferida que conta,

a invadir o débil corpo.

 

A ultrapassagem é dura,

não haverá como retroceder,

para mais tempo viver.

 

Cada um tem seu sofrimento,

mas carrega somente o seu,

sem qualquer fingimento.

 

(Lembrando Arquimedes)

De tão diminuto e mudo,

sem nenhum apoio,

o vírus levanta o mundo.

 

O mundo segue rodando.

As pessoas se amando.

A mando de quem?

domingo, 25 de julho de 2021

Migalhas de Mim (95)

 

Pensamentos em “randonnées”.

 

Com o tamanho

dos mundos,

passadas se diluem

no percurso galáctico

das caminhadas.

 

Por aqui o tempo

é escasso,

nem se armazena bens,

que nada se leva

além dos passos.

 

O tempo de vida

é infinito e curto,

tão rápido

que só um susto,

surtos e percalços.

 

Num próximo circuito,

há de se refazer

a trama dos bordados

que se vai retecendo

encordoados.

segunda-feira, 19 de julho de 2021

Migalhas de Mim (94)

A tudo se acostuma,

nesse evolutivo sistema,

em qualquer lugar,

por quaisquer desertos,

desse planeta de espumas,

tacanho, de rumo certo.

 

Nesse mar de sal e águas,

nesse universo sem margens,

nesse vagar de rebanhos,

nesse olhar de soslaios,

sem grandes ensaios, aprendo

a viver como rendo.

 

Nesse curto prazo terreno,

de percurso nazareno,  

de probatórios recursos,

nesse aprendizado azado,

a cada dia a minguar,

sigo remando,

até quando?

 

Nesse eterno permanecer,

nesses palcos sem tablados,

sem claques, sem aplausos,

com o que se põe em pauta,

muita coragem me falta,

com a brevidade dos ocasos,

de menor duração em minuendo

do que orquestrado crescendo... 

sábado, 22 de maio de 2021

Migalhas de Mim (93)

 

 Medo de medo, e de mais alguma coisa.

 

O medo de que o medo me rumine,

me domine, me desanime de vez

é medo de medo que dá o medo,

medo de ir e vir, de ser e estares,

medo de céu, de mar, de ar, de terra,

medo de altura, de vales e planos, 

medo de prantos de tantos enganos.

 

Medo de me arrepender do feito ou malfeito,

de ganhar e de perder o prometido,

medo de poder e não poder ser arrependido.

Medo de comer cru pelo cozido,

o tíbio, ou o quente, ou o gelado,

o insosso, ou o de condimento demasiado.

Medo de não cumprir o exigido no tabuado.

 

Medo de existir, de mentir, de falar a verdade,

de viver espalhafatoso, como propalado.

Medo do nada, em nada real ou fantasioso.

Medo de morrer, medo de luto, de culto,

de ser como quem se acha por achar.

Medo de falar, de não falar, de ficar calado,

de só escrever e sentir, de não saber pedir.

 

Medo de me comprometer com o dito e dizer.

Medo de subir, cair e me machucar.

Medo de andar distraído, de a cara esconder,

de conhecer, e de desconhecer o lugar.

Medo de esquecer onde tiver que parar,

sem saber o caminho, por de onde voltar.

Medo de obscuro, de escuro, de detrás do muro.

 

Medo de sair, de prosseguir, varadouro,

de continuar vagamundo, em conversas inúteis.

Medo do parado, de reparar no agitado.

Medo de relativo, e de absoluto,

medo de desmedir, de enfrentar o absurdo,

medo de abrir o livro e me fechar no passado,

às portas do indefinido fim do mundo.

 

Medo de estrada improvisada,

medo de visão turva, de enxurrada,

de curva perigosa, por demais fechada,

Medo de escolhas na encruzilhada.

Medo de água, de seca e inverno continuado,

de purgatório e de inferno por exagerado.

Medo de me olhar, e me enxergar enviesado.


Medo de me quebrar e não ter conserto,

de desarrumar sem poder concertar.

Medo de silêncio profundo, de soar enigmático.

Medo de barulho, de escombros imundos.

Medo de bolha estourar, e me ver desnudo,

de rolha, de folha caída, de carne quebrada,

de escorregos na escada, de o ventre virar.

 

Medo de prazer, de lazer, de ser feliz.

Medo de só trabalhar, como ninguém,

ou de ser ocioso, danoso ao erário, sem vintém.

Medo de ser medroso, além do necessário,

num mundo cada vez mais perigoso.

Medo de não ter medo, de passar por corajoso,

num tudo fictício de tantos arremedos.

 

Medo de morrer de medo, na hora agá.

Medo de passar o tempo sem comprometimento.

Medo de fazer horas, a olhar o tempo passar.

Medo de solidão, de multidão, de relento.

Medo de tarde, de cedo, de vastidão de firmamento,

Medo de sombra, de dia, de carestia de alimento.

Medo de água fria, apatia, sem mostrar ousadia.

 

Medo de beber e fazer mal à saúde, bem necessário.

Medo de ano novo, de ser tudo de novo.

Medo de descascar melancia e cortar o dedo.

Medo de não caminhar o trecho traçado, direito.

Medo de não ser verdadeiro e fingir invejoso.

Medo de gerar e recriar um texto danoso,

Medo de morrer de medo de amar demasiado.

 

Medo dos sinais, quando tudo é acabado,

de sentir, e consentir o mal explicado,

de esgotar o ignorado e não sentir o mal gosto.

Medo de dormir e acordar mal humorado.

Medo de explorar o lógico e o comprometido.

Medo de doar e ser pouco ou mal entendido.

Medo de pingo pingando, de ruído continuado.

 

Medo da noite, seus mistérios e escuridões,

Medo do dia, suas doenças e transparências.

Medo das religiões e suas crenças irresolutas.

Medo da ciência não encontrar o rumo,

da verdadeira verdade e suas irreparáveis soluções.

Medo de fogo inesperado de queimar pensares.

Medo dos azares e consequências de pesares .

 

Medo de ser o que não sou por natureza,

levado na pressa por circunstâncias adversas

à minha própria vontade, controversa à clareza.

Medo de não ter certeza de saber pedir perdão,

quando o mais correto seria perdoar falácias,

sem ousar virar-lhes as costas por resposta,

pior castigo que ainda não há por inventar.

 

Medo de tudo, sobretudo, de não pensar arrazoado,

demonstrativo, produtivo, combativo, por pequeno.

Medo de não me comprometer e, depois, desdizer.

Medo de ver cair a última ficha do fichário terreno,

Medo de fugir do ordinário, do salário da vida.

Medo do diário, do restante real ou imaginário,

Medo de todo um tão vasto interminável dicionário.