sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Pensares a conta-gotas (245)


(Haikais fingidos 6)
 

Bondade começa com a idade,
ou quando se seva
vera amizade.              


Maldade desaparece
no final dos tempos,
ou das novelas. 

 

Cantar, por aqui,
parece já nascer pronto,
revestir-se, ainda, de encantos. 

 

Sete notas semeiam,
nos ares da Itália,
canções banhadas de a-mares.  

 

Puglia: cantos de "uccelli"
são artes calmas, recantos,
sinônimos de almas. 

 

Feio realça o belo,
que, vãmente, rechaça
feiura, na fatura.  

 

Prova-se inocência,
e paga-se, ainda,
consequências. 

 

Ironia:
represa arrombada,
avarias não mitigadas. 

∞  

Aforismos:
cores de arco-iris
refletidas no prisma? 

 

Corpo cansado,
momentos azados,
para dormências. 

 

Velhice: sobrecarga
que se propaga,
à procura de sobrevida. 

 

Insônia,
noites mal dormidas,
tempo passa no passado. 

 

Graça de viver,
e certeza de morrer
vêm de graça. 

 

Em primo plano,
há ônus dos enganos
dos anos.

Pensares a conta-gotas (244)


(Na basílica de Villafranca / Puglia - 4/11/13)

 
Da Arte, por impossível,
não se percebe o tudo visível,
feito com tanto engenho e zelo,
e mais empenho e graça.  

O mundo, apesar de tão jovem,
sabe-se, já, decadente,
de inúmeras guerras, poucas glórias,
muita traça invisível. 

Do pouco que se sabe do todo,
possível é perceber
o quão pouco se conhece e se vive
da ínfima parcela, com que se participa
nos fatos e bons feitos da história. 

Dos cupins, porém,
e dos inúmeros fungos e mofos,
muito pouco se conhece e se vê
como trabalham,
e do tempo que gastam,
no que retalham. 

Das marcas que vão deixando,
ou do que apetecem e carregam,
para irem, aos poucos, comendo,
porque sempre se julgam merecer,
só se percebe o evanescer
das belas pArtes do viver.

 
Aos caducos de guerra
( San Vito dei Normanni / Puglia / novembro /13)
"Os políticos dizem o que não pensam, e pensam o que não dizem." 

Muito pouco valem os monumentos,
se ornados, apenas, de coroas de flores,
que não expressam dores e gemidos,
cada vez mais frios os sentimentos,
e nomenclatura de avivar memórias,
que se apaga sob as intempéries do tempo,
que jamais haverão de devolver as vidas
e as glórias, aos infortunados caídos? 

Guerras são sempre absurdidades inglórias,
e traduzem as mentiras dos poderosos,
que fingem expressarem pensamentos
e direitos dos supostos comandados.
Mas os verdadeiros heróis da história
moram no peito de quem sofreu seu parto,
e, depois, teve que assistir, sofridas,
à sua definitiva, insofismável partida.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Pensares a conta-gotas (243)


Brindisi, o porto, o mar, o bar (Puglia/outubro/13)

Sentir-se afastado, perdido, proposital,
alheio ao que bloqueia,
ao que acontece, dos todos os lados. 

Um olhar mais longo, mais aguçado,
mais crítico, mais injustificado,
pode degustar de um espaço público,
de um momento de silêncio, abstêmio,
de impessoalidade, de anonimato,
sem que cause prejuízo ao tempo,
ao olhar de pessoas, cercado. 

A sensação é de liberdade,
de crianças alheias ao mundo,
sempre às voltas, movimentadas. 

Curioso saber-se consciente,
absoluto senhor da mente,
poder julgar nas luzes do passado,
as distâncias, os instantes,
que não mais existem, como limites às vistas,
que impeçam pensar com mais divagares.  

Chama-se a isso, liberdade de poder viajar,
sair do recanto, do país, do planeta,
ser exegeta de si mesmo,
participar do turbilhão de indagações?
Alma de esteta? Facetas?

 
 

O tempo demora, ou depressa passa,
como raio na tempestade.
Quanto mais o apresso, mais depressa passa,
mas, se ando devagar, não se faz esperar. 

Passar pelo mundo é um passear de momentos,
aqui, acolá, experimenta-se, a testar sortimentos,
de nula munição, sem guerras, sem contendas,
apenas se comprova já listadas encomendas. 

As pessoas, que comigo viajam, fazem o mesmo trajeto,
cada uma a seu jeito, ao ritmo ditado no próprio projeto,
em cumprimento de buscar soluções,
no confronto de conflitos, em dilemas previstos.  

As viagens, sempre ligeiras, nuvens passageiras,
pelas limitadas capacidades de pensar
nos desvãos de estradas,
não permitem indagar das próximas paragens,
para suprimentos de mais coragem.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Pensares a conta-gotas (242)


(De San Vito dei Normanni, Puglia, Itália, meados de outubro/13)
 
Cidadão do mundo, minha pátria é onde moro,
uma vida, um ano, uma hora, o tempo que demoro,
onde falo a língua dos gestos de todo o mundo,
o que danço de alegrias, ao ritmo fundo da vida,
que consumo do mundo,
onde me acontece entristecer, rir ou chorar,
com o coração e a alma das coisas
que me rodeiam, no mundo,
onde ando, abraço, até o vazio do ar,
na força das pernas, dos braços, 
e aperto as milhares de mãos estendidas,
olho no fundo dos olhos,
com os olhos mais abertos, do mundo,
que me engloba as todas medidas. 

Se, agora, mesmo, moro do outro lado
desse mundo redondo, sem fim nem início,
e não me pergunto de que lado moro,
que hei de voltar a habitá-lo,  
ora aqui, ora acolá, ora depois, ora já,
vestido nas cores de peles, que me possam vestir,
ou que julgar querer usar,
as brancas, as negras, as vermelhas, as amarelas, as ocres,
e as de mais tons da terra que me cobrirá,
ou, até, as de nenhuma cor, opacas e fracas,
sem transparências ou aparências,
as de mais intensidades das dores,
que me haverão de acompanhar
nestes périplos de sempre ir e voltar
de tantos vagares,
preciso aprender a me esperar. 

Por que brigar por um quinhão do torrão,
que nem me pertence, nem me pertencerá,
que me comerá nas cascas, nas costas, nas polpas,
os caroços, os destroços dos ossos,
e deixará a ínfima parcela de energia
que, de mim, haverá de desprender,
e, depois, continuar?
 

Estas oliveiras vetustas, de pernas tortas,
de copas decompostas, centenárias,
que, nesses dias de advento,
me circundam os olhos,
conhecem mais segredos de vidas e coragens,
do que podem imaginar
meus excitados pensamentos. 

Desde quando, de que remotas eras,
sentem, elas, ancestrais,
calejadas mãos lhes afagarem os frutos,
promissores rebentos,
em louvores à nobreza do suco,
alimento de tantas almas,
que, por aqui jogaram, de passagem,
sementes de mais vidas? 

Dessas terras úberes,
esse torrão jamais se cansará
de abrigar sóis ou chuvas,
frios ou ventos, aluviões
nutridos de ideias e coragens,
que, sempre, garantem, persistentes,
o sustento das criações.