quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Pensares a conta-gotas (281)


Haicais fingidos 24

De madrugada,
as janelas de Mendes
me selvavam na insônia.


O sono não vinha:
as imagens, por sorte,
eram mais fortes.


Por que me dividia?
Não sabia, não sei,
nem saberei.

 

Sou a soma
e o resultado
de extra/di/ções?


Fui uma semente:
corri mais à frente
da multidão.


Por que nasci?
Não sei!
Me vinguei de mim?


Por que vim?
Achei melhor
sair por aí, finim.


Vou vi-vendo:
estou de rosto n´água,
me vendo!
 
 
Sabedorias antigas:

“O cavalo pediu frio,
até relinchar
de dor nos dentes.”


“A vaca pediu chuva,
até amolecer
a ponta dos chifres.”

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

pensares a conta-gotas (280)


Haicais fingidos 23 

Letras de muitas pernas,
o alfabeto tem pressa
de crescer a prole.  

 

Minha vontade:
ler os livros do mundo
no viajar vagabundo. 

 

Luzerna: um lampião
de luz amarela,
na escuridão. 

 

Quando menos se espera:
uma palavra cutuca
a inspiração. 

 

Soubesse ficar calado,
permaneceria mais
em mim. 

 

Candeia:
pavio no azeite se esquenta,
gut...gut. 

 

Quanta lembrança!
Melhor,
nem lembrar! 

 

Por que não sou
o que poderia ser,
torcido! 


Voltasse atrás,
limparia consequências
de heranças várias! 

 

Desabafos:
menos
os bafos! 


Bulling: assédio,
machucar-se
nos outros!

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Pensares a conta-gotas (279)


Não careço olhar as horas,
quando procuro e não acho
o sono, que me revigora. 

Elas não me pertencem,
nunca dependem de meus relógios,
e horários lógicos. 

Aquilo que ora me estabeleço
parece a elas se referir,
na busca do que quero,
dormir, e desconheço. 

Sempre que dos fins recomeço,  
de confins, desse eterno evoluir,
imponho-me vontades de ir e vir
por longos instantes, padeço. 

 

Dependesse de mim,
não irias embora, assim,
como sempre faz o vento. 

Dependesse de mim,
ficarias dependurada, assim,
em meus galhos, de orvalhos. 

Dependesse de mim
misturar-te-ias, assim,
em meio às sementes das gentes. 

Assim, as horas passariam,
como desliza o tempo,
por entre átomos de vazios. 

Assim, sobe-se na árvore,
beija-se os frutos intumescidos,
lambe-se os lábios impolutos,
para se jogar em terra nua
a insistência da vida.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Pensares a conta-gotas (278)


Existem arrependimentos
de pecados não praticados.
O tempo passa,
e não supera os traços,
dos desacertos do passado.  

Não se pode atrasar, cochilar,
andar de olhos nos bolsos,
com tantos planos a pensar,
que nos deixam sem escolher
de “à esquerda ou à direita, volver”.
 

Anda-se devagar, não se pode correr,
o fôlego é curto, o oxigênio raro,
e os olhos titubeiam, cada vez mais,
pesam os pensamentos, que sabem
que o tempo não pode parar,
um apenas momento no cais.


Gentes humildes, pequeninas,
cobrem de penas as esquisitices,
como galinhas acomodadas,
no ninho quente das mesmices. 

Em lugar de luz, preferem o escuro,
as lamparinas, as candeias,
o crepitar das brasas na fornalha
no borralho do fogão de lenha,
o desconforto, as teias nas telhas,
e o picumã das poucas ideias. 

Mas não carregam culpas a tiracolo,
por desconhecerem as idiotices,
de incultas plateias com torcicolos,
perdulárias das fanfarronices.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Pensares a conta-gotas (277)


Anacronismos 

Deveras belas, as princesas amarelas dos pós
das passarelas da modernidade,
dos retoques nos desfiles, das pompas e riquezas,
dos olhares incrustados em faces de louça,
das peles brilhantes, de porcelana e pelúcia,  
das cores de céu nos olhos, nos cabelos, nos dedos de diamantes,
dos esculturados corpos, ditados pelo culto aos conformes,
dos príncipes encantados, a trazerem, a tiracolo,
as consortes sevadas nos sonhos, de feéricos castelos
e palácios de vidros! 

Nem mais se lembram, príncipes e princesas, do agora,
de antigos sossegos, provindos de tempos sem tempo,
quando súditos aplaudiam a real beleza, com as caras sujas,
sem enxergarem a crua herança das mesas fartas,
trajando misérias, pestes, fealdades do medo, 
e só conheciam quadros divinos, dos pintores complacentes,
como, agora, os príncipes e princesa nas lentes subjetivas
de fotógrafos e lustres.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Pensares a conta-gotas (276)


Haikais fingidos 22

Entardece,
fantasmas se disfarçam,
tecem fantasias. 

 

Mapa mundi: o Canadá
estica as orelhas, arregala os olhos,
parece cabeça de lobo. 

 

Mapa mundi: a América do Sul
olha as costas da África,
lamenta a separação.
 
 

A criança fixa
o tempo que morre:
não tem palavras. 

 

O jovem fixa
o tempo que corre,
e se perde com o tempo. 

 

O moribundo esquece
os instantes que sobram
e fecha os olhos. 

 

Ao amor que não tive
escrevo com a alma
poemas de pesares. 

 

Pior é olhar para o passado,
não vislumbrar o futuro,
mesmo presente no escuro. 

 

Minutos de indecisão:
águas vão e voltam,
no pingar de chuva. 

 

Quem decide os caminhos
de ir à labuta:
pernas ou pensamentos? 

 

Faz tempo, o relógio
se esqueceu
de gastar o tempo. 

 

Cristalina, a água fresca
se espreguiça no cascalho.
O sol refresca os olhos.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Pensares a conta-gotas (275)


Haicais fingidos 21

Por que festejar aniversário!
Mais lógico contar os dias,
com o passar dos anos. 

 

O mundo às avessas
são os desastres da sorte,
e da pressa. 


O sol não esconde o verde,
nem a sombra a verdade.
Peneira é transparente. 

 

A areia movediça
engole a vítima,
não a devolve à tona. 

 

Fazer barulho
nunca foi motivo
de se livrar do entulho. 

 

Do orgulho do leão
lucra-se o mínimo
da proteção. 

 

Para se diluir o feio,
realça-se a feiura,
menos freio na pintura. 

 

Da árvore à flor, ao fruto,
à semente da vida:
nova mente. 

 

Seriema quando choca
vira bicho
de se fazer asas e penas. 

 

Casa de janelas azuis,
a varanda pisada de brilhos
dependura redes ao vento. 

 

Bomba H:
o homem enlouqueceu,
perdeu a cabeça. 

 

Homem ou mulher,
X ou Y?
O último cruzou as pernas.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Pensares a conta-gotas (274)


O que pensa Deus,
ao receber preces diversas,
de bons e maus pagadores? 

Fica, qual juiz inquiridor,
impassível, imparcial,
à espera de final feliz? 

Ou, por conhecer, de antemão,
quem é menos ou mais devedor,
já dispensa contas de penhor?
 
 
 
Oração do “bobo” 
 
Diz a lenda que um bobo,
de presença rara na igreja,
ao padre confessa a razão
das impiedosas ausências: 
 
“Faço minhas orações,
como as abelhas os favos,
defronte aos montes,
de lá onde moro e me demoro. 
 
Quando me levanto,
me lavo e oro,
só mente: “um, dois, três,
obras que Deus fez!” 
 
Alinhava, assim, de sons cavos,
mesmo que longe de luminares,
escravos de desagravos,
ou laivos de bafejos benfazejos,
nos azulejos frios de altares seculares.        

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Pensares a conta-gotas (273)


Haicais Fingidos 20 

É sempre assim:
na hora do sim
o frio vem da barriga. 

 

Na hora H,
o falso herói se destrói,
roendo as unhas. 

 

É preciso andar
depressa ou devagar,
para se chegar a algum lugar.

 

Quem fica parado, some,
morre molhado,
ou seco de fome. 

 

Abrigo, sempre se acha
embaixo de árvore,
à sombra do umbigo. 

 

Andou correto,
nos horários do relógio,
ou do necrológio. 

 

Reserva-se o direito
de ser como é,
de viver como quiser. 

 

Fica cansado
a escutar o tempo:
tartaruga cala ao nadar

 

No dia D. o soldado
prestou continência
à sorte.  

 

No absurdo da guerra,
só não corre
quem morre no front.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Pensares a conta-gotas (272)


Haicais fingidos 19

Onde dormem as sumidades,
teóricos da verdade?
Perderam-se na vasca da mente. 

 

Quantos heróis de livros,
desaparecem lívidos,
em névoas do olvido! 

 

Heróis conhecidos,
nascem nos livros
escritos por amigos. 

 

A magnitude dos heróis
se apequena
nas distâncias das histórias.  

 

Vaidade das vaidades!
Salomão fez e aconteceu,
depois, apodreceu. 

 

Pecado bíblico:
Davi mandar à morte
o marido da consorte. 

 

Para que céus vamos voar,
se nem mesmo asas
pudemos criar?! 

 

Pessoa feliz não usa camisa,
nem economisa os assovios,
para si mesmo. 

 

Imagens passam por nossas vidas
e desaparecem nas nuvens,
como almas.  

 

Pessoas infalíveis
desconhecem a razão
de ações de ocasiões..

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Pensares a cnta-gotas (271)


Haicais fingidos 18

A maior parte do tempo
andamos juntos,
com os pensamentos. 

 

Anda-se sozinho,
acompanhado
de atos impensados.  

 

Escolhas de rumos,
mil bifurcações
de difíceis soluções. 

 

A gata na janela
lembra esfinge
recoberta de flanela. 

 

Amor se encolhe,
não escolhe alívio,
mesmo em convívio. 

 

Mundo caótico,
fica-se caolho de olhar
o lado errado do ar. 

 

Se “julgo por mim",
imagine-se fosse
“para” os outros! 


Por que tanto pensar,
quanto mais procuro,
menos me acho?
 
 

O relógio se esforça
em trabalhar com tempo,
mas sofre parado. 

 

Quanto mais o tempo passa,
menos tempo sobra
para recomeços de manobras.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Pensares a conta-gotas (270)


Haicais fingidos 17
 

O universo:
grãos de poeira soprada
em tornados no infinito.  

 

Ideias incendeiam-se:
comodismo nunca foi
bom de ofício. 

 

Para fugir à realidade:
o bêbado embriaga-se
à liberdade. 

 

A onça dorme de dia:
luz intensa inebria
os maus pensamentos. 

 

A árvore abre os galhos:
para melhor enxergar
as penas dos passarinhos  

 

Periquitinhos verdes:
alaridos de crianças,
em festa de aniversário. 

 

Na mata, a orquídea veste
um lenço vermelho
no pescoço da árvore.  

 

Da rua, débeis vozes
acordam a luminosidade
diáfana da criança. 

 

A idade enfraquece
o tempo não insiste,
se esquece da inexistência. 

 

Papel aceita tudo,
menos o que estertora
na vasca da memória.