sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Pensares a conta-gotas (269)


Ando dividido
entre instinto e razão,
mente e coração,
vontades ao longe,
e olhares perto do chão. 

Não sei bem,
se vou em frente,
ou se continuo
indefinido, adjacente
esquivando-me de decisão. 

Desconheço se sou
ou estou oculto ou aparente,
se, quando me calo,
ou falo de rompante,
é de irrefletida
tomada de posição. 

Debulho um pouco,
de todas as sementes,
em terras por onde passo, 
em todos os lugares,
por ser transigente. 

Vivo, assim, ambíguo,
ambidestro, ambicioso,
bissexto, ambivalente,
porque, anfíbio, só me findo,
noutro contexto e ambiente

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Pensares a conta-gotas (268)


Aos amores preteridos,
jamais esquecidos, sempre presentes,
nunca passados, sempre queridos,
posto que duradouros e eternos,
confessa-se:  

Não se decide de rumos tomados,
por esses caminhos emaranhados,
de destinos traçados,
para serem seguidos. 

Existem regras, as mais rígidas,
a determinarem o curso das vidas,
a não se saber como teriam sido,
fossem diferentemente vividas. 

Opções são deixadas para trás,
como se jogadas fora,
até que chega o momento
de se entender o que ora vigora.  

Compensa-se, porém, o arrependimento,
com amores fatiados, divididos,
depois, aparentemente, largados,
sem o envolvimento, dantes pretendido.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Pensares a conta-gotas (267)


Poucos leem,
menos, ainda,
poesia. 

Seletos e pacientes,
os que debruçam,
nas entrelinhas dos textos,
com objetivas lentes,
à procura de fantasias. 

Em dentes de pentes,
em elos de joias, bijuterias,
e mais tantas correntes,
há súbitas harmonias
saindo de dentro da gente. 

 

Não leio somente poetas letrados,
consagrados no palco
de meu questionável, 
momentâneo agrado. 

Leio os iniciantes, titubeantes,
claudicantes, cheios de desejos,
mesmo que latentes,
que não mentem suas sementes.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Pensares a conta-gotas (266)


Haicais fingidos 16 

A dor só dói
no paciente doente,
dono do dente. 

 

Ó! inconsciência infeliz!
O injusto juiz
é improvidente! 

 

O instante se esvai,
aprisiona-se mundos paralelos,
em fingidos haicais. 

 

Quando se queimar o sol,
no céu, nem uma nesga de azul
escapará do breu. 

 

Tudo se apaga,
somente a consciência
se propaga. 

 

Sem alma, sem passatempo,
prédios se amontoam na janela,
não se desmorona o tédio. 

 

Fogo, terra, água, vento,
contos contados da alma.
Vida desafia o progresso. 

 

De espaço e tempo,
aflito, me perco,
neste cerco infinito. 

 

Medo de esquecer,
o passado me atormenta,
o que adiantam lembranças? 

 

Há os que procuram o melhor,
outros, o menos ruim,
neste mundo chinfrim. 

 

Por que brigarmos,
se nem sabemos a razão
da discussão! 

 

De que lado o certo,
nesta contenda incerta?
Há nuvens brancas no azul.  

 

O céu não tem limites,
o tempo inexiste,
em que desencanto fico ?

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

`Pensares a conta-gotas (265)


Haicais fingidos 15
 
Haja emoção!
Coração calado
grita mais alto. 

 

Parentes, serpentes,
concorrentes naturais,
ou preferenciais? 

 

Mentira sugere às avessas,
na mente de quem ouve
e se interessa. 

 

No império da mentira,
só não se convence,
o operoso mentiroso. 

 

Mentira, de foro íntimo:
o autor se esconde
de seus mal-ogros. 

 

Mente-se pro mundo,
não se mente
pro fundo. 

 

Mentira usa recurso
impiedoso,
à mão do mentiroso.

 

Mentira tem pernas,
se longas ou curtas,
importa o pé na porta.

 

A gata ronrona,
não raciocina,
pensa com o estômago. 

 

Formigas, seletivas,
preferem se fartar de mel
e bolos, em particular. 

 

Moscas e formigas
desfrutam deleites:
vinagres, à parte, e azeites. 

 

Parentes aos extremos,
a serpente da saúde,
ora placebo, ora veneno?

sábado, 18 de janeiro de 2014

Pensares a conta-gotas (264)


O que escrevo, será?
o contrário do que penso,
do que costumo dizer
ou sonhar? 

Ou somente soo dissonante,
desavisado do que me brota,
em vão de peito,
de desvãos sem fundo? 

Serão, acaso, semitons,
notas breves e graves,
como quando ronquejo,
em sono profundo?
 

 

No escuro da noite,
o ser humano se esquiva,
não se enxerga,
corre a se esconder
atrás do muro. 

Durante o dia,
a luz ofusca-lhe a vista,
de limitado brilho,
e, ocorre, balbucia
alguma poesia.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Pensares a conta-gotas (263)


Haicais fingidos 14 

Príncipes, princesas,
glamorosa realeza.
Miséria põe a mesa. 

 

Quem faz farinha de osso,
melhor faria negócio,
com os ócios do ofício. 

 

Aves, aves de rapina,
todas benditas, divinas,
inimigas do desperdício. 

 

Políticos chegam de fora,
carregados de escórias.
Brasiliense leva a lama.

 

Água jorra indiscreta do barranco,
não para de correr.
Quem deixou a torneira aberta? 

 

A beleza nasce do peito,
e não do jeito de ser
perfeito. 

 

Nuvens carregadas, ameaça a chuva.
Tiro o chapéu, abro o peito:
Atirem-me, com balas de água! 

 

O cerrado demorou a crescer,
a solidão cavou em terras ácidas,
retirá-lo de lá, por quê? 

 

Desprezo dói,
corrói devagarinho,
alma se mói em pedacinhos. 

 

O sol castiga, alimenta fadiga,
o corpo não se entrega,
morre banhado de esperança.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Pensares a conta-gotas (262)


Antes, assoviava aos passarinhos,
livre das jaulas, bem baixinho,
até nas salas de aulas,
distraído com carinho e alma. 

Hoje, ainda, os imito, devagarinho,
pelos cantos, tocado de desejos, 
assoviando, como andejo, reprimido,
por me sentir sozinho. 


Bichos não inovam
no seu conviver diário.
Coerentes, autossuficientes,
são isentos,
quando matam e comem,
por missão de berçário. 

Homens não são solidários,
inovam, inventam,
matam e somem,
sem comiseração,
com quem reprova
seu ideário sanguinário.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Pensares a conta-gotas (261)


Aconselha-se, sobremaneira:
não andar com os olhos no bolso,
não se fazer de bom moço,
não gastar o sal do almoço,
deixar de lado os ócios,
não roer o duro osso,
do que se puder comer
com merecido gosto de viver. 

 

Em Roma pedia-se “aqua”!
Agora, ao mundo, pede-se “water”!
Logo, da Asia, pedir-se-á Feng Shui? 

Chegará a hora de se pedir “água”,
insípida, inodora e incolor,
ou morrer-se-á de sede, frio ou calor. 

No final da caminhada, porém,
haverá outros povos, menos novos,
(se, ainda, reinar o bom senso),
da Papua, Nova Guiné, Amazônia,
simplesmente, a estender as mãos,  
molhadas de rios, brios e coração.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Pensares a conta-gotas (260)


Não se pode conceber, nesta vida,
o que está reservado,
após a derradeira partida. 

Há quem afirme nada acreditar
em transcendência do ausente,
outros, já, ciliciam-se por ignorar
a imanência do evidente. 

Mas, o que advirá, ou não,
da conclusão, é o frio imenso,
a cobrir corpos, dados ao chão. 


Os santos da verdade,
os incompreendidos atores,
do palco das dores,
só serão benditos,
se entronizados, com louvores,
nos altares do outro lado. 

Deles, nem a história costuma se lembrar,
muito menos, os absolverá, desta lida,
de miúdos e supostos pecados,
com os rigores indevidos,
por ser, a balança humana,
pouco ou nunca aferida.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Pensares a conta-gotas (259)


Quando não se sabe o que fazer,
e nenhum outro mister satisfaz,
comprova-se, então, estar devedor
do que não se conhecia capaz,
que não fosse apreendido de cor. 


Viagens

O tempo ora demora, ora passa depressa,
como raio e trovão na tempestade.
Quanto mais apressado, mais depressa passa,
e se anda devagar, mais se faz esperar. 

Passar pelo mundo, um passear de instantes,
aqui, acolá, experimentar-se sortimentos,
de nula munição, guerras e contendas,
e comprovadas e já listadas encomendas. 

Pessoas, viajam juntas, fazem o mesmo trajeto,
cada uma a seu jeito e ritmo, ditados em próprio projeto,
em cumprimento de buscados desfechos,
no confronto de íntimos conflitos previstos.  

As viagens, sempre ligeiras, são nuvens passageiras,
e limitam pesares nos desvãos das estradas,
nem permitem indagar das próximas paragens,
para suprimentos de mais peregrinagens.

Enquanto isso, o tempo,
que nem é tempo,
passa depressa e devagar,
sem qualquer interstício entre ir e voltar.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Pensares a conta-gotas (258)


As encruzilhadas 

Não sei, se cheguei, ou não,
onde já deveria ter chegado,
ou se chegarei a lugares aguardados.
Por acaso, desviei-me no caminho,
em algumas dessas encruzilhadas
do inesperado? 

Tempo, não há mais, que pena!,
nesta atual jornada de aprendizado,
para retornar-me aos pontos
dos enganos,
que já não me restam mais
sobras de anos. 


Quando se olha para trás,
por se sentir perdido,
desanimado, frustrado,
em caminhos já escolhidos,
o arrependimento fere fatal,
nem permite conversão,
ou total mutação de ser, 
em sodômica estátua de sal?

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Pensares a conta-gotas (257)


Haicais fingidos 13
 
Imagens fugidias,
a cabeça não acompanha
pe/r/nas de cada dia.
 
 

O pão nosso de cada dia
é dado aos que o comem
a suor amassado.


Sem esforço,
nem osso enterrado
há de ser encontrado. 

 

Leão solitário,
sem direito de mando,
vive errando. 

 

De ponta-cabeça,
o salto-mortal é certeiro,
ou derradeiro. 


Na pressa, come-se cru,
chega-se logo ao pouso,
os pés lacrimejam. 

 

Das janelas dos instantes,
voam plumas lisas,
na leveza das brisas. 

 

Meio-dia, o sol reverbera,
no telhado da casa,
luzes trêmulas. 


Voz no descampado,
fere a paz, o silêncio
foge no vento. 

 

Tapera, casa abandonada,
terreiro esquecido,
cobras se refestelam ao sol.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Pensares a conta-gotas (256)


Haicais fingidos 12 

No andar a pé,
ideias não se cansam
de vagar. 

 

Pernas fatigadas,
devaneios, sem freios,
desandam a passeios. 

 

Adrenalina exsuda medo,
vai à cabeça, perde a razão,
e se esvai no etéreo. 

 

Tintas projetadas,
o quadro se cria,
à revelia dos pincéis. 

 

Desconfie da memória,
que não guarda mais
os anais da história. 

 

O sexo se arrefece,
soçobra o ânimo,
uma luz se apaga. 

 

Depois das festas,
de novo a casa.
Solidária, a solidão! 

 

Vidas sem calendários,
os dias sem contas,
são aniversários.  


Célere, cai a tarde,
o fulgor se esvai.
À noite, o silêncio! 

 

Pianista não carrega piano.
Das teclas vai retirando
a ligeireza dos anos.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Pensares a conta-gotas (255)


Haicais fingidos 11 

Ano novo vem,
ano velho vai,
lembrança vai e vem. 

 

Sempre atento,
o vento se infiltra,
nas frestas do tempo. 

   

O homem sobe no ringue,
enfrenta outro animal,
seu rival. 

 

O que faz o dinheiro!
Quebra os ossos,
deixa inteiros os bolsos.
 
 

A solidão é fria
sensação de falta
de empatia. 

 

Tome cuidado!
Aí, vem você,
feroz, forte e armado. 

 

Banal como a morte.
A mosca esvoaça,
desavisada da sorte.
 
 

Rápido, como mosquito
esfregar o olho,
de ante a mão armada.  

 

A criança não mente,
experimenta fantasias
que sempre inventa. 

 

O cavalo sonolento
espanta as moscas
com rabo e vento.