sábado, 17 de novembro de 2012

Pensares a conta-gotas (155)


Há textos
com mais ou menos
confeitos,
com menos ou mais
redemoinhos e jeitos
de pensamentos,
jogados ao azar
dos ventos.

Idiossincrásicos
tons,
ousadas cores
e sons,
de mais conceitos,
de menos proveitos
de mais ou menos efeitos
batons.

 

 
Ocorre-me tecer e pensar
asneiras, pilhérias,
até, quase besteiras, misérias,
de variadas maneiras
no proceder das carreiras.
Quem de as conter e conferir,
reprovar ou repelir,
como lhes apeteçam,
ou, mesmo, queiram
que aconteçam?

Urdo textos e mais novelos
de algodões e lãs
e desconheço
tropeços e solavancos
de cabrestos.

 



A porção de arroz
que, ora, na fome
da sorte, traças,
dá bem para dois
comparsas,
em frugal repasto
em que sou o réu,
e você, o algoz
das praças.




 

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Pensares a conta-gotas (154)

O sol desanda do compasso dos homens,
desconhece o tamanho certo
dos sapatos pesados de pés espertos,
que só andam no ritmo incerto,
à procura de quantos enormes ganhos.

O interesse dos grandes quereres terrenos
menosprezam
as necessidades dos seres pequenos,
extenuados das grandes vias
de cruciais agonias.

O horário de verão, por sinal,
é feito ferrão amolado
a ferir crianças no sonho interrupto,
ainda envoltas no escuro do sono,
para irem à escola de titubeantes
distribuidores de luz.

Entrementes, os insensatos magnatas
fingem desconhecimentos
dos que ignoram seus usos profusos.
de só pensarem nos pobres viventes
como frias porcarias
presas de ironias e motivos escusos.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Pensares a conta-gotas (153)


A justiça a-parece cega,
e só enxerga
o lado esconso
das regras.

Alguns juízos errados
fazem de conta que não veem
o lado inverso
ao arbitrar as aparências
de cara clemência.

Condenados,
assim o foram ajudados,
quiçá, instados,
visando melhores resultados.

 

 
Pode o grande ser pequeno
e o pequeno, grande?
Pode o grande ser grande
e o pequeno, pequeno?
 
A medida do tamanho
será o empenho que se tem
ao bem que, pequeno ou grande,
se expande
ou ao lenho, leve ou pesado,
que se carrega
como regra do já traçado.

 


 

Ele sofreu,
mas não pregou
o sofrimento.

Sempre soube
que o homem já sofre
bem mais
do que é capaz

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Pensares a conta-gotas (152)


 Flamboaiãs, ipês e flores em festivais de cores

 
De repente, Brasília se incendeia,
Flameja num afã de festas a mancheias
De tantas réstias de cores e vestimentas
Róseas, amarelas, verdes e vermelhas.

Da terra brota o fogo,
Num duelo de brotos e afagos,
Desde a prima luz da manhã,
Nas flores quentes dos ipês e flamboaiãs.

O róseo e o roxo se acendem;
Singelo, surpreende o amarelo;
O verde, em véu, esplandece,
O branco e o azul ressurgem, no céu.

Um tapete vermelho
Se estende conforme,
Na passarela do fausto enorme,
Que o novo aparato alardeia.

Não há licença a se pedir,
Não há pedágio a se pagar.
Um só desmedir-se de piso e cores,
Para toda a gente poder passar. 

Mas há muito mais de que se lembrar:
A Cidade é toda cerimônia de fogo,
Dos palcos aos palácios e monumentos,
Dos festivais de gozos, dos sentimentos.

Contos contados de Minas (57)


In/Certezas

 
Os primeiros dias de Rio Branco foram de incertezas, de não se saber para onde ir, onde morar. Tinha mais alguns dias, um mês, no máximo, para procurar um lugar que o abrigasse pelo tempo que se dispusesse a permanecer naqueles ares amazônicos. Tudo eram novidades, além da forte  umidade e do mofo brotando de todos os recantos do quarto do hotel, para onde o levaram até encontrar moradia definitiva.

No Departamento de Letras, da Universidade Federal do Acre, os colegas vivenciavam os problemas dos quantos ali chegavam, como se fossem retirantes de lugares mais confortáveis. Todos procuravam ajudar, divulgar entre os colegas que avisassem, caso soubessem de casa, apartamento ou quartos para solteiros ou casados. Até os próprios alunos já estavam cientes do problema e procuravam soluções de moradias e aconchegos. Eram professores. que se dispunham a vir do sul até ali, recrutados, o que não constituía tarefa fácil para o reitor da Instituição. Os primeiros dias estavam garantidos. O restaurante do hotel os alimentava após as aulas. As noites os enrolavam no calor viscoso do respirar da floresta, do rio e dos inúmeros igarapés das proximidades.

Um colega, entretanto, professor de uma outra língua estrangeira que a dele, sabedor desde o início da procura por alojamento, chamou-o de lado e disse que, caso quisesse, poderia morar com ele.. Recebera uma casa popular, em um bairro novo, não muito distante do Pálácio da Cultura, onde funcionava, provisoriamente, todos os cursos da UFAC, e decidira assumi-la. Até ali, havia já algum tempo, morava com um colega, também em quarto alugado. A nova residência contava com dois quartos, sala e cozinha, e um quintal com dois pés de coco-anão. De quebra, a casa ainda fora contemplada com uma castanhola, de folhas largas, e muita sombra para amenizar o calor daqueles lugares caniculares.. O telhado de folhas de zinco não era o mais apropriado para a região, mas o mais econômico para a população de baixa renda. As frutas da árvore copada, que mais tarde ele chamou de castanhas, se encarregavam de assustá-lo, quando se desprendiam por sobre o telhado, em tamborilar de repente.

Na mudança do colega houve móveis que preencheriam os espaços da casa. A dele se resumiu a uma mala de roupas e objetos de toalete. Alguns livros, quando muito. Em poucos dias tudo encontraria seu devido lugar. Entretanto, algo ainda estava por vir. A secretária do Departamento sentiu-se no dever de revelar-lhe a verdadeira identidade do colega com que se dispunha a morar. Tratava de um homossexual. Isso, pensara ela, poderia ser de grande valia para evitar-lhe possíveis aborrecimentos, com disse-me-disses desagradáveis. Ainda, segundo ela, aquele convívio sob o mesmo teto poderia provocar ciúmes no ex-companheiro, com quem dividira espaços, até ali. Amigos outros, com a mesma tendência sexual, também poderiam prejudicar a convivência tranqüila entre ambos.

Ele agradeceu a preocupação em torno de sua pessoa, mas disse-lhe que nada o afetaria, caso sentisse sua liberdade respeitada, e que não acreditava poder acontecer o contrário do que estava pensando, por se tratar de alguém que tão gentilmente o convidara, em momento de necessidade. De sua parte, sempre estaria, também, disposto a respeitar-lhe os espaços, que eram dele e de que poderia dispor como bem lhe aprouvesse. E, assim, se concebeu e, assim, se deu.

As visitas ao amigo nunca o perturbaram, nem as sussurrantes conversas que poderiam tirar-lhe a concentração das leituras que a profissão exigia. Quando a ocasião se apresentava, os dois se assentavam em torno da mesa da sala ou no sofá, para conversarem sobre assuntos acadêmicos. Acontecia irem a festas juntos, acompanhados dos tais amigos, homossexuais, sempre discretos e respeitosos de sua individualidade. O que era, no início, simples coleguismo e deferência, foi sei tornando base de grande amizade. Um era professor de língua e literaturas de língua inglesa e o outro, professor de língua e literaturas de língua francesa. Falavam das duas culturas, de seus valores e autores. Entre eles, lembra-se bem, Edgar Alan Poe freqüentava as discussões com seus textos de realismo mágico. O mundo latino, incluído o brasileiro, também encontrava o lugar naquelas tertúlias.

O tempo passou e levou o colega ao Rio de Janeiro para curso de mestrado. Ele continuou morando em sua casa, debaixo da mesma árvore que, em noites de lua cheia, naquelas solidões amazônicas, filtrava a luz e espalhava manchas escuras sobre a areia branca da área que dava para a esquina da rua. Ali, durante o dia, uma senhora vinha, diariamente, espalhar seus utensílios, para satisfazer os apreciadores do tacacá. Naquelas noites-acres, o latido de cães e o barulho de vacas passeando seus bezerros pelas ruas desertas, davam-lhe a sensação de lugares fantasmagóricos e ermos estelares. Por algum tempo, morou sozinho, até que dois novos professores chegaram para os cursos de Letras e dividiram com ele os mesmos espaços e despesas da casa.

O colega, do Rio, escreveu-lhe, propondo disposições a tomar com relação à ocupação da casa e o que fazer com os móveis e demais papéis que deixara para trás. Parece que não tinha intenção de voltar ao Acre, tão breve. Ele poderia permanecer na casa pelo tempo que quisesse, pelo preço que julgasse justo e apropriado ao interesse mútuo. O acordo era-lhe, em tudo, favorável, e assim foi feito a contento de ambos. Ao final da carta, uma frase não só chamou-lhe a atenção, como lhe calou fundo no coração. Ela dizia: “Você foi a melhor coisa que me aconteceu no Acre”.

A sua experiência durou pelo tempo que deveria durar. De lá voltou à cidade de onde chegara, levando sempre no peito as melhores lembranças daquele povo acolhedor, com quem muito se enriqueceu e em quem espera ter deixado alguma coisa de proveito. Algum tempo depois, soube que o amigo morrera de AIDS, ainda enquanto estava no Rio, e sem mais voltar a ocupar as acomodações daquela casa, que compartilharam juntos.
 
           Dizem os entendidos que é melhor arrepender-se do feito do que do não feito.. Quem padece de tais momentos nunca pode negar o que deixou de fazer e o que poderia ter feito. A vida é mesmo um conflito entre contentamentos e descontentamentos. Mesmo para quem garante conseguir se esquecer, facilmente, do passado, sempre haverá de sobrar uma ponta de insatisfação sobre algo não realizado, pouco ou nada compartilhado. A amizade sempre poderia ter sido maior e melhor correspondida, sobretudo, quando não mais se pode aumentá-la, nem melhorá-la nestes pedaços de tempo e recantos de mundos.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Contos contados de Minas (56)


Natal e outras festas

 
            O primeiro natal na cidade foi um espetáculo estranho para aquele menino que, até então, morara no campo e nunca ouvira falar em Papai Noel. Lembrava muito bem de ter acordado, e, ao sair à rua, ver a meninada puxando carrinhos novos e coloridos, meninas exibirem, umas às outras, as bonecas de pano e louça, como se fossem bebês bem vestidas. Os adultos falavam em Natal e em Menino Jesus. Havia, também, as cores vermelha e branca, nos objetos de seu escasso conhecimento.

Em alguns cantos de rua, uma musiquinha leve dava certo tom de estranheza, e, na igreja, aonde ia acompanhando da mãe, que já não perdia a missa “aos domingos e dias santos de guarda”, sob pena de punição divina, muitos enfeites. Entre todas as atrações, aquilo que mais lhe pungia: as figuras do presépio, animais conhecidos, as três figuras dos reis magos que enfileirados e de tamanhos desiguais, para darem a ideia de que não viajavam pari passu e chegavam de lugares díspares. O menino Jesus era o centro de tudo e parecia bater os pezinhos e pernas gordinhos, com ares de contentamento, por se sentir tão querido.

            Os pais eram muito religiosos e, quando moravam na roça, na medida do possível, observavam os mandamentos da lei de Deus e da Igreja. Tudo foi se clareando na cabeça dele, depois que os pais mudaram para a cidade, com o objetivo de colocarem os filhos na escola. Quando lhe perguntaram se acreditava em Papai Noel, ele, primeiro, quis saber o que era aquilo. Depois, simplesmente, disse que não, e que, na casa dele, aquela pessoa não passava, e, menos ainda, deixava presentes. Pudera! Nem, mesmo, abraços recebia. Aos oito anos, estas coisas, de que só veio a conhecer aos poucos, nada significavam.

Em casa, nunca foi costume dar parabéns no “dia dos anos”, desejar votos de “Feliz Páscoa”, e “Feliz Natal e Próspero Ano Novo”, embora soubesse que os pais se lembravam dos aniversários dos filhos. Da Páscoa, pelo mandamento da Igreja, quando deviam se confessar e comungar, e do dia do nascimento de Jesus, por tradição, sem manifestações de cores. Preferia-se calar a se expor a fazer coisa que soasse artificialidade, por falta de costume. Não fazia diferença alguma, executar ou não atitudes de outros. Podia ser timidez, mas colocava-se em conta da tradição dos antepassados, gente rude e pouco afeita a se externarem sentimentos.

Quando o destino o levou à casa de formação religiosa, originária da França, forçoso foi acostumar com práticas que não lhe eram familiares. As festas religiosas eram realizadas com todo o requinte ritualístico que lhes convinha, e, depois das cerimônias, a mesa do refeitório ficava repleta de doces e chocolates, ao som de músicas clássicas e cânticos festivos. O Natal era o que mais marcava, além do domingo de Páscoa que vinha recompor as almas das tristezas, também, vividas nos cânticos gregorianos da Semana Santa.

Os freqüentadores daqueles recintos bucólicos da fazenda de Mendes eram oriundos das mais variadas regiões do centro-oeste, e nascidos de famílias, em grande parte, de descendência européia e camponesa. Quando alguém aniversariava, o diretor da casa interrompia o silêncio da refeição dispensava as leituras piedosas, para anunciar o nome do homenageado, pedir palmas, depois de cantar o “parabéns para você”. 

Um mundo diferente o desafiava culturalmente. No dia em que foi instado a escrever uma carta ao pai, pelo seu dia, não sabia como escrever. As palavras não lhe saíam do coração e, escrevê-las, sem senti-las, lhe pareceu uma violência de berço. Escreveu, porém, o que não sentiu. Tempos depois, soube que o pai, ao recebê-las, também não soube como se comportar. Afastou-se de quem pudesse assistir a uma possível fraqueza, com o extravaso de emoções, que ninguém poderia saber existissem. O afastamento físico do meio familiar não fora, porém, tão difícil, sem o contato do olho no olho ou a mão na mão. Tudo questão de formação, cultura, sem que isso mudasse sentimentos.

Tempos depois, acreditando-se recomposto daqueles velhos costumes, tentou parabenizar o pai pelo aniversário. Um primo o perguntara pela idade e dia dos anos. Por coincidência, aquele era o dia, e o primo o abraçou desejando-lhe saúde e felicidades. Presente ao ato, ele não pôde se omitir ou esconder gestos e palavras. Os sentimentos ficaram-lhe presos no peito, embora, naquela época, já houvesse deixado o seminário, e se conscientizara de toda a cultura que os formara, ao pai e a si mesmo.

Quando ocorre cobrarem-lhe pela frieza e pouca atenção, em festas cada vez mais comercializadas, nem sempre nascidas do convívio amigável entre as pessoas, a vontade, ainda, lhe vem de fugir, para, no escuro de si mesmo, formular os mais sinceros votos de bons desejos aos anfitriões.
            E o dia de Natal daquele distante primeiro ano de vida urbana é uma presença indelével em sua memória, desajustada desses tempos cada vez mais civilizados