quinta-feira, 18 de julho de 2013

Pensares a conta-gotas (211)


As fotos ficaram expostas ao tempo,
esquecidas sobre o armário,
dentro de um balde desnecessário. 

Amarelaram como a vida de dissabores,
que, aos poucos, evanesce, se esquece,
desaparece, perde as cores. 

Duas gerações mais, ir-se-ão as lembranças
das figuras sorridentes,
que lá buscaram abrigo, em vão. 

O planeta é bem mais antigo,
o(s) universo(s), bem mais vasto(s),
do que estes sorrisos amarelos, de ocasião.




 
Os escrúpulos o fenderam ao meio,
porque não conseguiu detê-los,
por força de uma força sem tino,
que nunca soube de onde veio ou vinha,
ou vem do além, das fraquezas,
ou das incertezas do destino!

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Pensares a conta-gotas (210)


Há muitas lembranças, com tranças,
e revivescências, nas errâncias;
nos vagares remotos,
por lugares notáveis, quase ignotos;
nas tramas indestrinçáveis,
nos dilemas de doses extremas;
nos prestimosos donaires,
nos ares e altares divinos;
nas tolerâncias nos fazeres
e tenências nos dizeres;
nos pensares embaraçosos,
nos objetos irretocáveis;
nos sons que chegam colados
nas letras consonantes e vogais;
nas telas e partituras de artes,
e artesãos de estrelas;
nas janelas entreabertas,
nas luzes filtradas de réstias e frestas;
nas vetustas casas embarreadas,
de telhas moldadas nas pernas;
nos roncos de trovões e ventos,
no oco do mundo sem fundo;
nas interrogações inquietantes,
nos estrondos e medos de escuros;
nas ocupações de solertes marimbondos
na faina dos dias redondos;
nos rombos, em tombos, em rolos de ciscos,
nos estragos dos passos por entre arbustos;
nas varandas pintadas de sol poente,
aleitadas, à noite, de luas silentes;
nos repousos dos pós-prândios,
nas sestas modorrentas e lentas ideias,
nos tempos de calma, despreocupados,
com suspiros de alma,
com perdidos e achados, já suprimidos.

domingo, 14 de julho de 2013

Pensares a conta-gotas (209)



"O poeta é um fingidor." (Fernando Pessoa)

O que conta mais do que a mentira,
que a própria mentira, em que se vive, agora?
Tudo vale as mentiras que se conta,
no faz de conta de cada dia, que não melhora? 

A publicidade vende mentiras sem conta,
embaladas com aparências de verdade.
Inventa-se, vive-se, pensa-se, come-se,
bebe-se, dorme-se mentiras, à saciedade. 

Sonha-se com as drogas das mentiras,
para que mais se precise fugir, fingindo
de verdade, êmula sempre incapaz
de se vestir de mentira, de frente e de trás. 

Mente-se na política, na fala do representante,
no olhar, nos gestos, nos todos os restos do restante.
Mente-se diante do complacente representado,
que faz de conta que é, simplesmente, coitado.

Somente o artista não mente,
finge que a ficção é verdade.














































 
 
 

 

sábado, 13 de julho de 2013

Pensares a conta-gotas (208)


Na vida, parece ser assim:
não se pode parar,
não adianta correr,
que o bicho-homem
pega, e mata, e come. 

Relógio não trabalha de graça,
não atrasa nem adianta,
caso atrase ou adiante,
de nada adianta,
que desenlace o acaso. 

A sobra do almoço
come-se na janta,
e o que ainda sobra da sobra,
o lixo aguenta e não cobra,
mas o saco arrebenta na dobra. 

O que não se engole puro,
empurra-se com água, sem engulho,
e o que não desce mole ou duro,
o pulso resolve, sem duro com duro,
nem mole com mole, no apuro. 

O que se pode fazer, agora,
deixa-se para depois,
e o que não se fizer a tempo,
fica sem fazer, e pronto,
ao ponto de contento. 

Assim, vai-se-levando a lida,
sem se tocar o dedo na ferida,
que nem onça acuada na toca
consegue evitar, à patadas,
as tocaias da vida.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Pensares a conta-gotas (207)


Já não temo os castigos eternos,
perco o medo dos infernos,
dos anjos maus, dos demônios,
das almas penadas e assombrações,
dos tridentes de assar pecados,
das culpas e escrúpulos danados. 

Cultivo a poesia,
feita com harmonia,
a bondade de Deus,
carinhoso e bondoso como pai,
que diz “vai, que eu seguro as pontas,
e você não cai!” 

Somos todos caminhantes, tripulantes
em travessias, de estradas infindas,
com rumo infinito de idas e vindas,
com belas paisagens nas cercanias,
consolos de gente carente,
de menos energias.  

O amor está ai, presente,
para se cultivar e sorver,
como ar puro e benfazejo,
como o belo, para se ler e ver,
que o feio é a falta do prazer,
dado para se viver, contente.

sábado, 6 de julho de 2013

Pensares a conta-gotas (206)


Aonde me levou
a lucidez?
Ao desagrado,
ao desamparo,
à embriaguez?
 


 
Poetas escrevem
e dizem, depois, por aí,
que não querem ser compreendidos,
de preferência,
apenas lidos. 

Aos leitores de traduzi-los,
como bem lhes aprouver,
e, aos apetites diversos,
como bem lhes convier
a messe. 

Os melhores, guarda-se na gaveta,
(como sustento, ou sacramento.)
Os menos bons, divulga-se na gazeta,
(para o deguste de momentos.)
Os piores, ou natimortos,
(se esquece, pós-sepultamento.)

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Pensares a conta-gotas (205)


"Avec um si on met Paris dans une bouteille."

Sempre os "ses"...

Se tivesse, ou não, mudado a viagem,
o ônibus, o trem, o navio ou o avião;

Se o carro tivesse, ou não, me pegado,
no contrapé ou na contramão;

Se tivesse, ou não, errado o estribo,
ao montar no cavalo, ou subir no caminhão;

Se tivesse, ou não, dormido ao volante,
naquele instante de curva apertada, na estrada;

Se tivesse, ou não, me distraído ao ligar o rádio,
ao sair de supetão, sem maior necessidade;

Se tivesse, ou não, mantido aquela ideia maluca
de ouvir cantar o galo, e espantar o curiango;

Se tivesse, ou não, olhado onde andava,
para não colocar o pé na arapuca;

Se tivesse, ou não, pesado o que falei,
ou falado menos o que não pensei;

Se tivesse, ou não, fechado a porta,
ou taramelado a janela, com mais atenção.

Se tivesse, ou não, verificado o retrovisor,
antes de dar ré, ou desligado o motor;

Se tivesse, ou não, assistido ao dia, no rezar das ave-marias,
ou à aurora, a pintar de vermelho as barras do dia;

Se tudo não tivesse acontecido como aconteceu,
ou eu não tivesse feito parte desta história;
 
Se tivesse, ou não, considerado estes “ses” sibilinos,
com a mesma força na proposição,
se me permitissem a volta ao antes do depois,
quando ainda haveria remédios para a solução... 

Se não tivesse perdido a hora,
estaria, agora, a olhar para o tempo,
a cocar têmporas e cachola,
engolindo o seco, amassando barro,
a pensar caraminholas?

terça-feira, 2 de julho de 2013

Pensares a conta-gotas (204)


O lugar onde se estiver,
será o melhor para se viver.
Se acaso dele se esquecer,
não há como mais escolher
nenhum outro qualquer lugar,
porque melhor não se achará,
para se nascer ou morrer. 

 

 
Não se deixa pedaços de vida,
para se degustar mais tarde.
Depois do sabor de hoje,
outro melhor não haverá,
nem no depois do depois,
a que não se é dado provar.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Pensares a conta-gotas (203)


(716 Sul – Praça Centro Clínico)


Retrocesso no excesso da incoerência
do progresso, expresso
na carência das essências,
nas presenças dos controversos,
nas convergências do universo? 

Cabisbaixa e alheia, ela se fixa no celular,
como outros no Ipod, Iped, Iphone, Tablet, ou coisa igual,
e se esquece do mundo e do burburinho da praça,
não enxerga viv´alma, envolta na fumaça,
que se esgarça e se perde de seu ar impessoal. 

Até quando essa lida perdida,
para desgraça geral do conhecimento,
no esquecimento banal dos rápidos momentos,
sem que convívio algum, ou sentimentos,
sejam a pedra angular, em que se embasa a vida?


      
 

Nas encruzilhadas das estradas,
dessa vida de pressões, atribulada,
de pressas e compressas, cerradas,
em que não se pode parar de pensar,
nem nada fazer para se furtar
às partidas e largadas combalidas,
muito acerto se deixa de anotar,
muito deserto se deixa de passar,
ou, quem sabe, passa-se sem saber,
porque não há como deixar de passar.