quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Pensares a conta-gotas (173)





(Relembrando tempos reclusos em Mendes marista)

Deus me vê, me aclara,
não me censura, cura,
nem lhe cabe condenar.
O olho de Deus
não conhece mau-olhado,
nunca foi triangular,
severo, oblíquo, raivoso,
dissimulado. 

Bondoso, sempre, foi,
com muita vontade
de ajudar, o pobre coitado.
Não me olhou
no banheiro, do sacrário,
para evitar
o vício solitário. 

Nem enxergou, malsim,
no escuro do confessionário,
pensamentos culpados,
resistentes,
noturnos, reincidentes,
como a consciência de Caim,
no solitário refúgio. 

Dentro da vedada muralha,
assentado numa cadeira fria,
rígido, encolhido, inseguro
na sombra profunda,
o revejo foragido verdugo,
em “ La Conscience”,
poema escuro de Victor Hugo.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Pensares a conta-gotas (172)



A fragilidade da vida

A ladroagem da morte

A tristeza que fica

Na incógnita da sorte.




Se o tempo não passasse,
passaríamos sem o tempo,
porque antes viver o novo,
do que a mesmice de sempre. 

A graça é abraçar a inovação,
com o novo sempre em ação,
assim como foge à novidade
da arte a estéril rotinização.  

Deus que o diga, que sempre é,
sem nunca ter sido,
e vive apenas consigo,
sem necessitar de emoção. 

Nascer, morrer, renascer,
como criadores e criaturas,
é que dá prazer ao viver,
pela permuta, e renovação.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Pensares a conta-gotas (171)


Muito fácil, desancar,
e, depos, desnudar a prostituta,
que, também, luta pelo dinheiro
que a sustente, e a sua gente,
que conhece a falta de amor,
que ela não sente,
no calor dos embates,
que ela apenas vende.

 

 
De quantos modos,
por quantos contos,
vende a mulher o corpo,
pernas, seios, olhos,
o rosto, a gosto, ao ponto? 

Em que recônditos cantos,
em que alcovas,
em que telas ou aquarelas
se pintou,
ela nas janelas? 

Por que tanta tinta e cores,
se, mais dias menos dias,
serão de dores, sem amores,
às expensas de clientes,
chucros, seletos, exigentes?
 


 
Não tens, Ó Maria, interesse algum
em ser diferente das outras parentes,
mulheres, mães, todas descentes,
dignas como tu fostes
de um filho, que, por diferente,
não quis diferença entre as gentes.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Pensares a conta-gotas (170)


Tudo se faz poema.
Bastam regras
ou maestria.
O que é poesia?
Arte, vida,
enigma, amnésia
ou fantasia? 





No corpo,
aceita-se quase tudo
de erros a ferocidade,
de tatuos a obesidade. 

Na cabeça,
quase nada se assenta
de acertos a realidade,
de calmarias a tormenta. 

O que será, pois, de nós,
depois do prazer incerto,
quando bem pouco restará
deste deserto?
 
 
A minha frente,
o ar parado,
o vento molhado,
já tarde acordado,
nestes tempos,
de tempo peneirante,
uma quase chuva
de fiandeira fiando fios
de seda fina, no instante
de pouca luz da neblina. 

De dentro de mim,
ora, também, parado,
analiso o tempo,
imemorável,
tal a bruma que vem
do ar nublado,
como irresgatável
é o já passado.
 

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Pensares a conta-gotas (169)


Escrever poemas
sem pé, nem mãos,
nem vibrações,
nem cabeça, nem dilemas,
tronco inerte, sem comoção,
frio, desconjuntado,
sem dimensões,
de conclusão
sem sólidas premissas! 

O que pensar do ficar famoso,
do não se fazer compreender,
por querer,
do ouvir dizer, na saída da missa:
“Como fala bem!
Como escreve bem!”
esse Vieira, que faz escola,
do “gosto, ou não gosto”!
“Eis a questão!”?
 



Transparece que ser poeta
é ser hermético, fechado,
para que poucos alcancem
o unir versos por onde andam
e saltam as ideias. 

Coesões, coerências,
anáforas, catáforas,
polifonias, implícitos,
onde estão? 

A poesia deve se fazer povo,
descer do pedestal
ao chão. 

Por onde anda Prévert,
em que estantes
se escondem Quintana, Drummond? 

Fazer poemas para ser lido?
Para ser visto? Por quem? Por entes sabidos?
Por que não se editar mais poesias?
Por que só a prosa dominar a fantasia? 

Talvez pelo prazer imediato,
de beber-se dela a longos goles,
sem tanto esforço de encontrar
o fio da meada no texto,
que, aos poucos, se constrói
e se faz contexto!

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Pensares a conta-gotas (168)


Escrever bem sobre o banal,
não falar mal do geral,
comer só o trivial,
como é normal,
só faz bem,
etc e tal.
Uau!

 

 
Nada melhor
do que viver só
ou de amor.

 

 
No magnífico Hotel, caro e chique,
come-se com os olhos,
cheira-se com os olhos,
ouve-se com os olhos,
deita-se com os olhos,
apalpa-se com os olhos. 

Mas o que os olhos veem,
a boca nem sabe contar,
o olfato não alcança sentir,
os ouvidos não podem traduzir,
o corpo não consegue vestir,
o gosto não aprende a gostar. 

Apenas alguns que de status gozam,
costumam exibir-se, como expertos,
repetir o óbvio, dado por certo,
e mentir a verdade, por vaidade.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Pensares a conta-gotas (167)


Há quem morra de amor,

outros de preguiça.

Há quem morra de felicidade,

outros de saudade.

Há quem morra de sono,

outros de abandono.

Há quem morra de fome.

outros de abdome.

 

O pior de tudo,

no fundo,

é morrer de dor,

se despedindo do mundo.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Pensares a conta-gotas (166)


No dicionário,

É pau, é pau
de não mais se acabar.
Caras-de-pau,
Pernas-de-pau,
Paus-de-arara,
Cavalos-de-pau, 

Sem que se meta ou assente o pau,
Sem que se core ou cante o pau,
Sem que se mostre com quantos paus...
Sem que se faça casas de pau-a-pique,
Sem pau-pau, e mais queijo-queijo, 

Pau-brasil,
Pau-de-sebo,
Pau-de-fita,
Pau-ferro, pau-de-óleo,
Pau-terra, pau-de-embira. 

Até por pau à-toa,
e roque pauleira,
morre-se de amores,
a se encontrar, é claro,
pau de sobra,
para toda a obra.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Pensares a conta-gotas (165)


Perguntas, só pra provocar  

            1 

Sempre se caminha
para o fim,
ou para o começo? 

Mira-se os fins,
o olhar nos recomeços,
neste ir e vir de vidas
de corridas e tropeços? 

Os fins justificam
os precisos começos,
e os começos, os fins? 

            2 

Por que pedir,
se há muito ainda
o que agradecer? 

            3 

A liberdade de imprensa
ainda é prova de decência,
de democracia e bem-estar,
ou só, ainda, vontade popular? 

4 

Se é melhor ficar calado,
ó rei do pecado
e da omissão! 

Por que a falta de zelo,
e só coçar o cotovelo,
e deixar o tiro franco,
quebrar as nucas do povo
faminto, eunuco e manco? 

            5 

Por que é difícil
carregar o nome
e seu passado,
se foi construído
sem apelido?

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Pensares a conta-gotas (164)


Mais Brasília  

O cerrado era sozinho, quase que só silêncio,
deserto verde, assovios e firmamento,
pássaros, céu azul, sol e ares nevoentos,
terra de enxurros e chuvas de ventos,
córregos e rios violentos,
cachoeiras, e os remansos, em descansos,
que mais tarde se fechariam em lago,
monumento. 

Ali, passaram, dizem, atlantes,
índios, negros e brancos,
estranhos dos vagares dos espaços,
e mais tanta gente, autóctones, bandeirantes,
moradores do antigamente,
do bater do pilão, da enxada na mão,
do arado atrelado,
dos matos, roçados a facão. 

Andava-se, então, a pé ou a cavalo,
em canoas, pirogas ou carros de bois,
toldados para a peregrinação.
Ia-se, vinha-se e voltava
por caminhos ziguezagueados,
cheios de poças d´água, e imensidão. 

Mas um dia... aconteceu a profecia:
um pássaro diferente, enjaulado,
bem maior que o sonhado,
feito de aço e fogo,
vindo de lugares determinados,
sobrevoou aquele deserto de verdura densa,
para trazer mais gente
de tantos jeitos, e de mais ciências.  

Fincaram pé na poeira,
plantaram cruzes e luzes,
com muita casa rasa,
geminada e empilhada,
que, do nada, foram edificando,
tudo de civilizado,
de beleza, maravilha, fantasias. 

E, assim, nasceu Brasília,
a cidade sonhada,
santificada,
misturada a esperanças e poesia.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Pensares a conta-gotas (163)


(A cadeirante ilustre)  

Ele passa, entre sombras da quadra,
na cadeira de rodas,
como que a empurrar o vazio.
Mãos alheias o conduzem,
ignorantes de seus feitos e feitios,
em grandes eitos. 

Onde a consciência sã, a temperança,
a alta acuidade dos mistérios dos gestos,
a experiência ilibada da ciência,
a efervescência da vontade de acrescer ao humano,
a nítida noção das causas e dos efeitos irrestritos,
as críticas fundamentadas na vida e circunstâncias? 

Esquecidos ficarão,
à distância,
como a outros benfeitores,
os ditos e escritos. 

Pernas e braços bambeiam o debilitado corpo,
gestos desconhecem a mente vacilante,
olhos não divulgam o caminho em frente,
ouvidos já não ouvem os passarinhos,
dedos não apalpam as rugas do tempo,
sabores derrancam com os insossos alimentos,
flores perdem os perfumes e frescores dos ventos.

Não mais escreverá livros ou poemas,
morrem-lhe os sentidos, antes atentos,
fogem-lhe os calores de amores,
como poeiras dos desertos maiores. 

Implacável, a degenerescência dos atos,
que nem exaltam mais a lembrança das obras,
nem dos homens as ilusões das distantes cavernas,
a rabiscarem artes nas paredes das eras. 

Efêmeros, o autor e a vida,
evanescentes, os valores da criação,
Assim, o passageiro, artista,
altruísta,
é levado por mãos distraídas.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Pensares a conta-gotas (162)


Só não fazem, porque não querem.

Se o país tivesse cabeça,
tronco e membros abnegados,
convocaria crianças de rua,
as todas, pobres coitadas,
abandonadas. 

Dar-lhes-ia boa comida,
boa dormida, boa escola,
guarida às suas famílias,
e nenhuma esmola,
na sacola. 

Oferecer-lhes-ia opções de vida:
esportes, ad libitum, como usuários,
voluntários,
nas todas modalidades possíveis,
existentes,
segundo as aptidões apontadas,
nos treinos diários e atraentes.  

Músicas nos ritmos locais,
bem pontuais e variados,
muita cultura, muito teatro,
muita dança, lazer e literatura,
instrumentos, para as horas vagas,
segundo os interesses, e os altos ideais.
 
Em tempo recorde,
o país teria muito dinheiro poupado,
das prisões, dos hospitais
e de outros lugares mais;
o corpo retificado, a cabeça arejada,
o tronco sarado, o orgulho regrado,
e os membros, cidadãos consagrados,
com muitas medalhas no peito,
e o esforço recompensado.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Pensares a conta-gotas (161)


 
A ordem natural das coisas
se mostra grande desordem
nas mãos de desejos insanos
que não sabem compartilhar
o patrimônio do quotidiano. 

 

 
Medo e falta de sono
não foram o bastante,
para fazer-me esquecer,
mesmo que somente
por escassos instantes,
da vida e seus barbantes.
 
 
 
Meu pecado:
meu passado
constante
revisitado.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Pensares a conta-gotas (160)


O perigo demora,
do lado de fora,
em frente; 

arranha nas costas,
tal dente
de serpente; 

esbarra nos cantos,
ancas, quartos
e adjacentes; 

pesa do alto,
de lustres
pingentes; 

empurra de baixo,
gêiser, no gelo,
bem quente; 

aperta dos lados,
qual cinto
de couro premente. 

Fica-se, assim, à mercê
das pressões variadas
das esferas,
imperantes,
neste espaço pesado
de ingente atmosfera. 

Do alto, qual estalactites,
dos lados, labirintites,
de baixo, estalagmites,
acidentes a que nada resiste. 

São coisas do fado,
as cavernas internas,
estreitas,
cercadas.

 


A água correrá, ainda,
enquanto perdurar o juízo
dos homens sensatos,
inteligentes, cordatos.

Depois, seremos transumanos,
desertificados de bom senso,
reduzidos a gases de estrelas,
transladados para outros sóis
onde pudermos nos afirmar,
com pés de cabras e anzóis.

Lá, certamente, existiremos,
sem mais ganâncias,
com garantias de vida,
ar e água em abundância.