domingo, 13 de outubro de 2013

Pensares a conta-gotas (241)

(Haicais Fingidos 5)
 
Nada é aleatório:
acaso, sobrevivo
no descanso das horas? 


Reluto em morrer,
ou lutar seria luta vã,
irresoluta? 

 

Longe de sermos santos!
Só menos demônios:
melhor assim! 

 

Choro suor derramado,
alimento minguado:
malda o mundo. 
 
 

Uma vez, apenas,
passa ocasião à porta,
e vem sem volta. 

 

Guardem o dinheiro,
porque o nome,
não some. 

 

Sementes de orvalho,
sereno da manhã:
gotas de romã.  

 

Penso, logo insisto
em viver intenso
o já previsto. 

 

Rituais alados,
prima chuva:
núpcias de cupins. 

 

Tanajura,
em esforço derradeiro,
gera o formigueiro.

sábado, 12 de outubro de 2013

Pensares a conta-gotas (240)


(Haicais Fingidos 4)
 
Redemoinho na praça:
diabo em movimentos,
no vento 

 

Algodão-doce de nuvens:
flocos se espalham,
colírio dos olhos. 

 

Pensamentos à solta:
imagens marotas
assombram. 


Poema na agulha:
fagulha suprema,
da rima. 

 

Incêndio, de repente,
coloca fogo nos olhos
da imprudência. 

 

Noite mal dormida:
corpo sonolento,
mente lenta. 

 

Pequizeiro do cerrado,
agulhas subjazem
sabor amarelo. 

 

Poema sugere
belas imagens:
haicais singelos. 

 

Macega, ondas e vento:
amarelo momento,
sós, eu e o silêncio. 

 

Eterno dilema:
gente vai ou volta,
na roda da vida?

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Pensares a conta-gotas (239)

(Haicais Fingidos 3)

Cores no branco:
paz na bandeira
impera, atriz. 

 

Vestida de luto,
tristeza se empresta
à dor.  

∞  

Sabiá infla o peito,
solta canto de graça,
na praça 

 

Garricha se veste de barro:
uniformiza cena,
colore as penas. 

 

Crepúsculo,
céu usa fantasias
de carnaval. 

∞  

Serra fuma,
fumaça sobe da terra:
cheiro de chuva. 

 

Fuma a terra
fumaça na serra:
chuva molha os olhos. 

∞  

Escuro da mata:
vida escondida,
primitiva mente. 

∞  

Silêncio isento:
zunido no ouvido,
grilos barulhentos. 

 

Poeira nas estradas,
turbilhões levanta,
obnubila vista.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Pensares a conta-gotas (238)


(Haicais Fingidos 2)
 
 
Deus com jeito,
Santo Antônio com gancho,
eu, na rede do rancho.

 

Difícil cantar o amor,
que não de coração,
emoção e dor. 

 

Chegada a hora,
morte não enrola:
degola e vai embora. 

 

Da morte certa,
não se tem lembranças,
ânsias. 

 

Árvores copadas:
vento brinca de soprar
ventanias. 


Verde novo
das folhas, esperança,
ternura das árvores. 

 

Azul se esconde lá,
onde vazio do céu
é véu. 

 

Resplende o azul,
céu descoberto:
meio-dia.  

∞  

Seja em que água for,
rubro tinge espelho
da mágoa. 

 

Amarelo se tece de sol,
ipês da mata 
resplandecem.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Pensares a conta-gotas (237)


Haicais fingidos 1

Bachô: “Uma pimenta / Colocai-lhe asas: / uma libélula rubra”.
Do discípulo Kikaku: “Uma libélula rubra. / Tirai-lhe as asas: / uma pimenta”.
“Velho tanque. / Uma rã mergulha: / barulho da água”.

 
A tal rã de Bachô
sai do poço:
de novo a calma
 

Sossego do poço,
a rã de Bachô:
água limpa.  

 

Libélula de Kikaku
da flor se alimenta:
pimenta. 

 

Libélula do mestre,
flor fecunda:
pimenta nasce. 

∞  

Poemas curtos
enchem de sentimentos,
moinhos vazios.  

 

Sem nuvens no céu,
cimos sem véu:
azul imenso. 

 

Zás-trás de maldade,
bomba a gás:
cinza do vômito! 

 

Sem correrias,
e demais avarias,
prudência apascenta. 

 

Cuidado com o santo,
balanço do andor
é de vagar! 

 

Santo Antônio de costas,
fato bisonho,
ou prova de amor.

domingo, 6 de outubro de 2013

Pensares a conta-gotas (236)


Perdão! Sou por demais retroativo,
tenho medo do esquecimento.
O entusiasmo me empolga
ao arrebatamento,
do momento. 
Depois,
folgo.
 
 

 
Por que ainda me olhas,
assim, tão grave,
ó imagem revolta,
se meu olhar já se foi,
e estás, agora, à solta,
sem saberes quando volto
ou se, apenas, me revolto? 

 

 
Cassandra, imagem minha,
profetizas soluções,
para os descaminhos dos outros.
Para si, mesma, não encontras respostas,
para os dilemas que a dominam. 

Os deuses não lhe negaram dons
menos proféticos,
para que menos sofresses
ou menos causasses problemas
que, sozinha, não os resolvesses. 

 

 
E Deus criou a luz,
que varre os espaços
e as consciências
dos paços.  

E Deus criou a escuridão,
que apaga as suspeitas
das cegueiras feitas,
das faltas e omissões.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Pensares a conta-gotas (235)


Sonho com voos rasantes,
levito,
venço forças da gravidade,
flutuo,
transponho vales,
precipícios,
deslizo por espaços vazios,
decolo, pairo,
e valho-me, tão somente,
das próprias vontades
da inconsciência.  

Por desdita,
vejo chegar, indiferente,
a luzidia ciência,
para me acordar
na realidade
do dia a dia! 

 
 


Louvo a santidade,
no  lato sentido da palavra,
sem ligação que degrade
o pacto com a realidade,
e a íntima verdade santa.
 
 




Procuram-se doutores (não ama/dores),
que pressintam as dores dos pacientes,
que não lhes retirem o brilho dos olhos,
ou extraiam o restante dos dentes,
pela simples constatação da carestia,
que entendam as razões das penúrias,
estampadas nos rostos das agruras,
que não lhes comam o fígado combalido,
nem a vontade de viver, bem vivido,
por serem tutores de heranças devidas.