terça-feira, 27 de novembro de 2018

Nuvens Esparsas (102)


Não há como voltar o tempo,
vida, veto, voto,
atos, fatos não comprovados,
resultados forjados,
decisões impensadas.

Arrependimento não se resolve
a poder de cânones, de revólver,
de fogo aceso nas armas,
nem nas almas absorvidas
em mentalidades depravadas.

Corpos sofrentes, de prisão,
são jogados às valas comuns,
esquecidos por não expressos
em documentos de letras garrafais,
remorsos guardados no coração.

Melhor pensar antes de proceder,
ou ser forçado a deixar acontecer,
como imagens vindas da Tevê,
anestesia das mentes doentes,
ignorantes de distante vir a ser?

domingo, 25 de novembro de 2018

Nuvens Esparsas (101)


O que tem a natureza,
vento, chuva, estrelas,
relento, a ver com sensação
de só existir de momento?
Relação de essência.

Então, haja paciência!
Pouco adianta querer distorcer
meio ambiente de onde se veio.
Daqui se leva espavento
do poder da consciência.

sábado, 10 de novembro de 2018

Nuvens Esparsas (100)


Aquarelas

Céu de lã, capuchos pedrentos,
carneiros penteados,
tarde de cores matizadas.

Nesgas de azuis profundas,
vestidos de róseas barradas,
cinzas diluídos, entremeados.

Olhos chorosos, escarlates,
arco-iris bebente, bilaterado,
águas-fortes, aquereladas.

Dias chuvosos, ânimo nevoento,
viagens da vontade, tardia de mundos,
eu contemplativo, extasiado, 
mudo de tudo.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Nuvens esparsas (99)

A passagem


Finados,
dia sombrio,
ideias funéreas.

Como haverá de se dar o translado
desta para melhor vida infinda,
com senha definida, repetida,
em vai-e-vem catalizador?

Lugares vazios de entranhados mundos,
sempre se refazendo, girando,
iluminados, iluminando,
explodindo, se expandindo,
multiplicados, se multiplicando?

Quer-se a viagem sem dor, sem clamor
de ambos os lados:
do partir na sorte, e do chegar,
do recomeço e do tropeço na morte.

Para onde? Para algum lugar?
Céus e terras há para continuar,
infinitamente adequados,
em instantes certos ou ignorados.

domingo, 7 de outubro de 2018

Nuvens esparsas (98)

O tempo nem tempo tem,
que, de disfarce em disfarce,
inexoravelmente passa,
por minha mente frágil,
pobre já, doente de padecer
de atividades prementes,
ou, tão somente expectante
do que ainda possa acontecer!

Que me resta, então, fazer,
até lá, senão esperá-lo passar,
atento ao tic-tac dos anos,
ao sotaque claro dos instantes,
que, de verdade, nem sinal dá
de idade rudimentar,
nem nítidas marcas de acertos,
enganos, desenganos, consertos? 

sábado, 1 de setembro de 2018

Nuvens Esparsas (97)


Que teria sido,
se tão cedo tivesse
me dividido
com você?

Talvez, agora, estivesse
ressentido de mais olhares,
que, também, por tabela,
me puderam conhecer.

Talvez não me levassem
enfunadas velas e ventos,
a andar por lugares
que lograram me preencher.

Talvez desconhecesse
abraços cálidos,
que, por inteiro,
me souberam acender.

Talvez não me queimasse,
com ideias ardentes,
que, em mais sentidos,
me fizeram, assim, diferente.

Morno teria sido,
como antigamente?
O destino ladino,
de menos ou mais tino,
não determino.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Nuvens Esparsas (96)

Rosca sem fim:

Para cada passo, traços,
belos horizontes.
Para cada dia, luzes,
arrojadas travessias.
Para cada terreiro, flores,  
matizadas cores.
Para cada janela, solitude,
lágrimas de saudades.  
Para cada afago, bonanças,
merecidas bondades.
Para cada roteiro, receios,  
possíveis fantasias.
Para cada tecido, preceitos,
pensares em demasia.
Para cada altar, preces,
santos e santos protetores.
Para cada estória, sonhos,
imaginadas tramas.
Para cada ação, posturas,
desassombradas vontades.
Para cada broto, esperanças,
temperos da vida.
Para cada conta, rosários,
misteriosos ritos.
Para cada jeito, gestos,
benfazejas lembranças.
Para cada grito, ânsias,
intocáveis infinitos.
Para cada coisa, lugares,
ordenadas criaturas.
Para cada abraço, laços,
esquecidos temores.
Para cada encontro, promessas,
eternos recomeços.
Para cada olhar, propósitos,
momentos humanos.
Para cada semente, rebentos,
fertilizados amores.
Para cada virada, cuidados,  
evidenciadas memórias.
Para cada sinal, caminhos,
vindas e voltas infindas.

sábado, 18 de agosto de 2018

Nuvens Esparsas (95)

Não se pode dizer branquelo,
russo, pardo, preto, amarelo.
Aceitar-se-ia homem de cor,
branco, albino, alvo, negro, aço?
Que desafino! Que horror!
Que indesejável embaraço!

Pode-se pensar em atávico rancor,
vindo de qualquer lugar do mundo?
De praia, como efeito de ação solar?
De clínica, como fator de erreagá?
De coração, como conduto e vazão
de amor e fraternal abraço?

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Nuvens esparsas (94)

O que sou, o que represento,
o que soo, tão distante,
dentro da gigante imensidão?

Nem mesmo grão de poeira,
a vagar veloz e constante,
sem eira nem beira,
sem contramão, 
por privilégio, ou concessão,
entre galáxias, negros buracos,
vazios de espaços,
matérias plásticas,
cheio de vontades, imaginação,
em liberdade, sem qualquer 
incontida dimensão.

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Nuvens esparsas (93)


Coração,
de tão dividido,
perde o sentido,
combalido.

Cada pedaço,
perde os laços, 
que o ligam a espaço 
indefinido.

Imarginado no tempo,
ilimitados com-passos,
sem embaraços, 
reconstruido.

terça-feira, 12 de junho de 2018

Nuvens Esparsas (92)


Tudo enxergo dual,
me locomovo, e me comovo
em duplicidades:

Há pertos, e longes,
desertos, e mares,
passos, e descompassos,
alegrias, e lágrimas,
contratempos, e sorte,
vigílias, e sono,
abundâncias, e carências,
reencontros, e saudades,
alertas, letargias, e rotinas,
novidades em quantidade.

Até os enamorados
se amam, e se duplicam,
em estreitas parcerias:

Sem barreiras, e controles,
medos, e covardias,
falta de tempos, e permanências,
dores sofríveis, e intensas,
esperas curtas, e longevas,
laços frágeis, e passageiros,
amor carente, e silêncio,
ânsias soltas, e envolventes,
desejos insaciáveis, e vidas insatisfeitas,
que vão e voltam, eternamente.

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Nuvens Esparsas (91)


Muito mais gestos, ainda,
poderia ter feito
de maior proveito e mirada,
não fosse esse jeito indolente
de pensar demorada-mente.

Coisas acontecem, é certo,
quando têm de acontecer,
e tenho que acomodá-las
a esse modo intransigente,
de pensar introjetada-mente.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Nuvens esparsas (90)


Atomizados

Que mistério esse, que se traduz
em pessoas que vão e voltam,
radioativas, atomizadas, puras,
imagens e vozes, 
que não se desfazem, nas alturas!

Ventos cósmicos, assaz velozes,
levam e trazem, em momentos,
sons, timbres, tons, trinos, zunidos,
num zás-trás de magias, 
ondas contínuas!

Por que, então, milagres de Jesus
também não voltariam dos páramos,
muito, muito além da velocidade 
de átimo, de um co-risco, 
ou de pensamentos-luz?

terça-feira, 8 de maio de 2018

Nuvens esparsas (89)


O corpo, já não me sustenta,
recusa-se a seguir-me os passos.

Deixá-lo-ei, aqui, fatalmente,
a me desesperar, quando voltar,
sem mais o encontrar,
em pó desfeito e esparso.

O ir e o vir, por aí,
costumam endurar os tempos.

De que posso me lembrar,
por impossível na existência,
e decurso de oportunidades,
ou falta de recursos da essência?

Sinto-me mais leve que a neve,
só de pensares inconsistentes.
  
Juízos não me deixam ocasiões
para interrogações, decisões abalizadas,
interjeições repentinas, modelos precisos,
a me levar e trazer de prometidos paraísos.

As eras sempre são de esperas,
mais curtas e sem mais idades.

Ando de imposições, ou necessidades.
O aprendizado, por solitário,
deixa, quando muito, indícios de registros
em diários de secretário.

Lamento inexperiências,
com itinerários mal traçados.

Sou ainda do curso primário,
aprendiz sem diretrizes,
de escolas de vidas, sequenciadas,
ainda a vagar em estados precários.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

nuvens esparsas (88)

Meta-morfoses

No fundo, sou expectante da certeza,
de mais passos, longos e largos,
medidos a espaços de anos-luz,
de desconhecidos lugares e terrenos,
por onde ainda haverei de vagar.

Aprendi a andar meditativo,
a olhar para frente, e os lados,
a não perder o rumo dos chãos,
a fugir de barrancas cavoucadas,
a evitar erros, quedas precipitadas.

Busco lugares serenos, amenos,
aclarados a luzes de luas calmas,
e estrelas de maior fosforescência,
firmamentos menos tensos,
e céus de mais transparência.

Vislumbro horizontes mais extensos,
sem perder o prumo e o equilíbrio,
apoiando-me constante nos arbustos,
para não titubear, como embriagado,
sobre pedras agudas de descampados.

O que mais me importa será chegar
a algum lugar hospitaleiro,
onde possa enxergar com mais clareza
o que procuro, com grande apuro:
conhecimento edificante e maduro.

Ouso me encontrar por inteiro,
de mente e juízo verdadeiros,
e corpo fortificado, e obediente
a ditames de estáveis congruências,
e certames de últimas urgências. 

terça-feira, 24 de abril de 2018

Nuvens Esparsas (87)


“Vós, Senhora, tudo tendes
sendo que tendes os olhos verdes.

Dotou em vós Natureza
o sumo da perfeição;
que o que em vós é senão,
é em outras gentileza:
o verde não se despreza,
que, agora que vós o tendes,
sam belos os olhos verdes.

Ouro e azul é a milhor
cor por que a gente se perde;
mas, a graça desse verde
tira a graça a toda a cor.
Fica agora sendo a flor
a cor que nos olhos tendes,
porque são vossos... e verdes!” 

(transcrito de Rimas de Luis de Camões, Nova Edição , Revista, Coleccão Literária Atrântida , Coimbra, 1961, p. 33)

Troco, de Camões, verde por azul,
que, além de ser, também,
mui belo, e, não, breu,
é a cor do céu singelo,
e a cor, Alice, que Deus lhe deu!

(“Bobô” Joaquim)


Olhos de Alice

Quem te brindou
com tal par de olhos
azuis, pérolas de luzes,
d´água-marinha singular?

Rainha ciumenta, 
Natureza não cobra 
valia sobre beleza,
e concertada obra.

Só a complementa 
de mais encantos, 
e, de graça, a ostenta
aos quatro cantos.

domingo, 15 de abril de 2018

Nuvens Esparsas (86)

A flor, por desejada,
se ajeita, se enfeita,
para alegria das festas.

Com o tempo, pouco resta,
padece esquecimentos,
esvanece, por rejeitada.

Murcha e desfeita,
a flor abaixa a testa,
sai da vida, inanimada.

Como qualquer ser vivente,
nasce, viceja, e morre
após a luta, resignada.

terça-feira, 10 de abril de 2018

Nuvens Esparsas (85)


Criação:

Terras úberes,
jovens, frescas, macias.
Plantaram-se, ali, sementes, 
antes dormentes,
para serem procriativas
como nunca vistas.

Nasceram, como nascem
vigorosas promessas,
rebentos de vidas novas,
joviais, luzentes, sadias,
a se perpetuarem
como eternas liturgias.


segunda-feira, 2 de abril de 2018

Nuvens esparsas (84)

De tanto revirar gavetas,
acaba-se por se perder em aihs!,
como referências sentimentais
dos amores ali guardados.

Também eles o perderam,
sem mal-querências reais,
sem caprichos, sem feitiços,
sem tantas de-pendências.

Difícil será se reencontrarem,
para mais enlaçados sonhos,
corporificados abraços de treliças,
cicatrizados traços de lembranças.

Almas, quase nunca, se esquecem
em pensares, mesmo a conta-gotas,
tais e/ternos tempos a esgotarem
areias de ampulhetas movediças.

sexta-feira, 30 de março de 2018

Nuvens Esparsas (83)


Há os que se cansam
de passarem por maus,
e passam a ser bons,
como efeito de esperteza,
ou plano de defesa.

Há os que se cansam
de serem bons, por opção,
e passam a austeros demais,
com pouca chance
de voltarem a tempos atrás.

Somente a humana natureza,  
para lançar lume à questão:
quem recusa empréstimo
conserva fiéis os amigos,
e prazeres de bom convívio.

Outros, só por emprestar,
têm, quase sempre, o desgosto
de terem de cobrar o atrasado,
e pagar imposto do ar severo,
com gosto amaro de mau-olhado.