quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Migalhas de Mim (126)

 

(Para Guimarães Rosa, dos Sertões)

Homens insubstituíveis também morrem.

A morte lavra e leva todos, irremediáveis.

Até memórias e histórias bem contadas.

 

(Para  Genésio das Mantiqueiras)

Se posso ter sem comprar,

aproveito o que me derem sem cobrar.

Pago com olhos e corações.

 

(Para Aguimar Fernandes das Fulminantes)

Só se enxerga até onde alcança a vista.

Quem nunca leu ou viajou espaço e tempo

não tem por que lamentar o desconhecido.

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Migalhas de Mim (125)

Nas hostilidades de Gaza,

sem luz, comida, ou água,

que só cai do céu

em forma de chuvas de fogo,

há mais maldade,

que o inferno de verdade.

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Gaza/10/10/23

A gente acha que o que acontece

não está acontecendo,

ou não poderia acontecer,

fora de um sonho macabro.

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O ódio venda os olhos,

cega a alma, proclama a guerra,

apaga amor de qualquer teor.

Atente-se: Salmo 136: 8-9:
"Ó filha de Babilônia,(...)
feliz aquele que se apoderar de teus filhos,
para os destruir contra uma pedra!"

domingo, 6 de agosto de 2023

Migalhas de Mim (124)

 

Ando cheio de bombas,

cheiro de balas, de canos,

de planos, de danos e granadas,

que não levam a nada de nada.

 

Estou farto de comes-e-bebes

rápidos, insólitos, insossos,

insípidos ou muito salgados,

de pratos cheios de ossos.

 

Sinto-me preso a normas,

convenções, convites,

combinas, conchaves de ideias

mais graves que meros palpites.

 

Estou frito e mal pago.

Bambo de pernas, brabo, bêbado,

besta, bobo, bronco, cego,

calado, cansado, incerto do rumo,

enjoado, enojado, feito fulo,

parvo, misto, morto-vivo,

mudo, de resto rico, prestes a,

acostumado, separado, salvo se,

quase avesso, avulso, ávido,

perto de, próximo, zonzo, xoxo,

crédulo como gente descrente 

de tudo.

 

Estou, como bem visto,

insaciado. abestado, hesitante,

tal boi ervado, a montante,

mais parado que caminhante.

terça-feira, 18 de julho de 2023

Migalhas de Mim (123)

 Nunca foi, é ou será minha frágil intenção

ofender a Deus, em sã consciência,

na pessoa de quem quer que seja

não somente meu irmão

de contingências.

 

Por que, então, temer

a quem nunca desejei magoar?

Pecar, nem sei o que é ou será.

Basta-me viver e admirar quem fez

a beleza dessa exemplar natureza.

 

Aprendi a rezar pelos todos mistérios

e os prazeres que sinto e não minto.

Se Adão pecou porque Eva o inspirou,

só posso imaginar a força de seu desejo,

mas não vejo motivo de punição. Isso não!

 

Há quem desconhece, com razão,

quem foram Eva e Adão, Caim e Abel,

Jacó, Labão, Sansão e Betsabá,

nem Cristo, filho do Altíssimo,

de pés no chão, morto na cruz,

que veio retirar o semelhante do cercado,

frutos mais da fértil imaginação

que do pecado e da sempiterna perdição.

 

Ninguém pode ter nascido da ingratidão,

com mancha de ofensa sem complacência,

nem mesmo Adão, no apego da dormência.

Nem Maria já no pensamento de Deus,

como também o piedoso Jó, você e eu,

desde antes da Criação da luz e da ciência.

 

Por que teria de ser só uma Senhora imaculada,

a ser a mãe do Filho, pelo Espírito de Deus,

que, um dia, viria tirar o pecado do mundo,

se nem existia castigo a quem não mereceu?

quinta-feira, 13 de abril de 2023

Migalhas de mim (122)

 

Sem mais o que fazer ou dizer,

o velho vai à janela do tempo

da Casa Grande, já velha,

pensativo no amanhã dos rebentos,

atento, prestes a ver zarpar a morte.

O silêncio assusta-lhe mais a dor;

os longes da luz da civilização

ofuscam-lhe as amiudadas vistas;

os sibilos nos ouvidos são ruídos 

da noite, estrilos dos escondidos grilos

ou gritos da solidão atrevida,

sem pedir auxílios às lições da vida.

domingo, 19 de fevereiro de 2023

Migalhas (121)

 

Tudo são os outros, consigo nada acontece.

Eles envelhecem, perdem a razão,

se esquecem de horários, se desconhecem,

e se afastam em vão, dos demais mortais.

 

Os outros abrem mão da forte vontade

de levar a passear filhos e netos,

de ler, escrever, conversar com os silêncios

com os próximos circunstanciais.

 

Os outros dormem tarde, acordam cedo,

sonham segredos, passam noites em claro,

desconhecem vaidades, cuidados consigo mesmo,

contam os dias, as horas em vida de segredos.

 

Os outros teimam, são pouco conviviáveis,

resmungam, respondem de travessa,

fazem cara feia, escondem sorrisos na socapa,

perdem o juízo, a todo momento preciso.

 

Os outros são os outros, como se diz,

em alguns lugares difíceis de se lembrar,

quando a gente se propõe a procurar nos escritos,

tanto mais agora, às portas do paraíso.

 

Fica-se nessa, então, de não se abrir as mãos,

de perder-se na vontade, vaidade, vitalidade,

na idade das festas de encomenda,

sem a farta ilusão da velha concertação.

 

Entra-se, logo, “como diz o outro”, 

em estado depressivo, na profunda decepção,

na descida fatal dos morros, como um tudo,

perdendo-se norte, sul, leste e oeste,

à espera de morte inconteste, lasso e mudo.