sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Pensares a conta-gotas (136)

Língua, línguas minhas,
consoantes, vogais e mais
límpidos timbres e tons,
sonoridades misturadas,
almas portuguesas, medievais,
greco-latinas, Américas,
índios, Índias, Áfricas, bantos,
tupis, guaranis, tapuias,
tamoios, tupiniquins, carajás
ignotas, vivas nheengatus,
povos, óvulos, ovos oriundos
de variados mundos.

Raças não adversas
de diversas graças,
que por aqui aportaram
ou aportam e quedam,
e exportam valores,
amores , sem cores,
compressas,
e mais calorosas conversas.

Língua de astros, de esses e sisos,
ósculos, e fusos, usos de risos,
de texturas e culturas,
que aos ouvidos agradem,
de retratos, de almas e asas,
corações,
razões de mais misturas.
 
Na fala dos amantes
do belo e dos elos,
do lápis, do ouvido singelo,
mudem-se as incongruências
de sons já corroídos,
de cidades, pontes, ruas e rios
e os demais acidentes geográficos,
por correspondentes sons indígenas,
bem mais puros, doces, próprios,
bem mais reais e musicais,
imparciais nos colóquios.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Pensares a conta-gotas (135)

Cada um por um se,
nem Deus por todos,
nas ruas da violência
e da revolta.

O cidadão, espavorido,
anda de lado, ressabiado,
e o policial, armado,
como escolta.

A solução,
do mal repartido,
seria o agente não ser
o bandido.

Até mais onde vagar,
até mais quando esperar,
nesse terreno minado,
de amedrontados desvalidos?




Dos motivos nem sei,
só sei da pretensa proteção
dada quase sempre atrasada
no local das ocorrências,
com os meliantes já evadidos,
saciados e impunidos.

Estaria a polícia sujeita
a ser vítima a mais
na lista da violência?

Por que sempre a presença
de um menor nos malfeitos,
como chave de desentrave,
na prisão de abjetos sujeitos,
liberado, logo em seqüência
de audiência da tensa autoridade,
antes de mais outras incidências
de insolúvel criminalidade?

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Contos contados de Minas (48)

Zé Nosso 

No dia do velório de meu pai, Zé Nosso bebeu umas pingas e chorou o quanto quis, guiado só pelo que o coração ditava, como ninguém, ali presente, podia duvidar, cortando o costumeiro silêncio das despedidas definitivas, em reverências ao mistério da morte. Ninguém foi dizer-lhe que respeitasse o momento, que contivesse os soluços, pois todos da nossa família sabiam que aquele tipo de proceder nada mais era do que pura sinceridade.  Ele gostava de nós, e nós, muito mais dele, como talvez nem ele próprio soubesse.
Zé Ritinha ou Zé da Ritinha eram alcunhas que lhe escondiam o nome. Que Ritinha? Essa era conhecida de todos do lugar, mas do marido não se sabia e nem em saber se interessava. O importante era que dela meninos nasceram, fato de que ninguém podia duvidar. Quem pode garantir paternidade? Nem exames do DNA acerta em plenitude, por esses tempos de avanços dos estudos genéticos! E, depois, a gente deve carregar, mesmo, é o nome e as lembranças da mãe por toda a vida. Do pai, nem tanto. Foi assim que Deus quis, e pronto! Nem, por isso, filhos sem pai declarado deixam de ser boas pessoas, dignas do céu como qualquer vivente, mal ou bem nascido. Certidão com todos os campos do formulário bem preenchidos, as terras e as mais posses bem divididas, com nomes de famílias em tabuletas nas porteiras, só mesmo para alguns privilegiados da sorte, não se sabe se merecida ou não. No mais das vezes, esses tais só se vangloriavam das aparências, que trabalhar, no duro, somente os mal nascidos, que ainda pegavam na orelha da sota, do valete ou do pesado cabo de enxada, para remexerem a terra, colherem o feijão, e a farinha que davam o sustento aos patrões, e engrossavam as pernas das futuras mães, para criarem ninhadas de filhos, como ditava a precisão e Santa Madre Igreja.
Zé Nosso não era só nosso. Na verdade, ele já pertencera a muita gente, sobretudo ao Avelino Cristiano, com quem havia morado desde rapazote. Para os outros da extensa família patriarcal, Zé Nosso era Zé do Avelino, mais do que Zé da Ritinha. Não sei bem por quê, um dia foi morar com meu pai, e por lá ficou uns tempos, como se costuma dizer, quando não há como fixar data certa. E, ademais, nem carece de precisar o tempo, que não foi muito, mas só o suficiente para ganhar, dos lá de casa, a alcunha carinhosa de Zé Nosso, contra a qual, parece, nunca se rebelou. Dele, todos gostávamos, sobretudo a irmã mais nova que ainda gosta tanto dele, que costuma visitá-lo de vez em quando, lá na casa do Avelino Cristiano, já, há muito, desabitada. Assim, o destino não o fizera só nosso, mas de todos, que a todos sempre serviu, com toda a humildade e mais amor.
Nunca criou família, mas, no tempo em que morou com meu pai, andou arrastando asas para a banda de uma vizinha, que não deu em nada. Continuou, como ainda continua, em sua madurez, sozinho, morando só com Deus, e algum anjo da guarda em trânsito de vigiar cada vez mais gente, nascendo.
Pelos dias das idas à casa da Rosalvinha, filha de Dona Sinhazinha, parteira que trouxe à luz muitos rebentos, meninos e meninas, da redondeza, foi que aconteceu, comigo, a visagem das três figuras de branco, a vagarem, cabisbaixas, em noite de breu e prenúncios de muita chuva, lá pelos altos da Bocaina, lugar mal assombrado. O Zé Nosso é que matou a charada, repercutindo o meu relato, e garantia de que se tratava, com toda a certeza,, de três mulheres de branco, em carne e osso, a ladearem o meu caminho, assustando o cavalo baio em que vinha montado. A se acreditar em Seu Jacinto Bina, negro de grande respeito, com ares de Preto Velho, assombração só aparece em lugares marcados, como aquele, por certa religiosidade, de se rezar terço, em novenas, outeiros, e espigões de muita judiação de cativos.
O certo é que nosso agregado espalhou a notícia, e lá, na casa da namorada, amarrou as embiras do fato, ao se cientificar do ocorrido. Eu é que havia passado por alma de outros mundos, aos olhos das três pobres moças, filhas do Zé Quartelli, recém saídas de um mutirão de fiandeiras. O foco da lanterna, de luz já quase se apagando, não tinha nada do além. Era real, que até ali, as pilhas tinham minguado a energia.
Devo isso ao Zé Nosso, que não me deixou passar por mentiroso, sobretudo diante daquele negro supersticioso, compadre de meus pais, Seu Jacinto Bina, a quem tive a honra de levar às portas do paraíso, segurando-lhe a cabeça. para o último suspiro, naquelas terras de raios e ventanias, coerentemente, apelidadas de Fulminante. Que Deus o tenha e o guarde, nas roupas brancas, como era de sua preferência, e em alvas nuvens, como mereceu!
Para não encompridar a conversa, devo dizer que, naquela noite de fortes chuvas e de rios cheios, minha mãe colocou o Zé Nosso para vigiar as águas do Santo Antônio, lá na escuridão do mato, lugar afastado da casa, bem fundo de dar medo, até com o risco de alguma onça o querer jantar, no caso de eu arriscar a encurtar caminho de volta para casa. O Zé ali permaneceu, ao rumorejar das águas, até que o rio desencorpasse, e já não fornecesse mais perigo para cavaleiro inexperiente, que nem eu.
Os tempos passaram. Ainda, agora, a irmã caçula costuma fazer uma visita ao Zé Nosso, mais nosso do que da Ritinha sua mãe, ou do Avelino Cristiano, ou de todos do lugar, onde andávamos a cavalo e, agora, em carros velozes . Lá, deve estar ele, sóbrio, porque já não precisa mais enfrentar olhares públicos de velório, para chorar os mais sinceros sentimentos de amor ao defunto. Que ela vá prestar-lhe assistências, e que não o deixe morrer à míngua, sozinho, no escuro do esquecimento!

Pensares a conta-gotas (134)

Perde-se tempo,
irrecuperável
tempo.
O que sobra,
na obra,
é sempre mais tempo,
a se lamentar,
arrependido,
pela perda do tempo,
a se tentar recuperar
do tempo perdido.




Por que estarmos
sempre à procura
de curas,
para o que nos sangra,
na pesada ganga
de agruras?

As catas terrenas
só parecem satisfazer
as teimosias,
ora plenas, ora vazias
de alegrias
imaturas.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Pensares a conta-gotas (133)


Se eu desistir,
posso perder muito
ou, mesmo, tudo
do que investi.
Por que, então, ceder
e me danar,
ficando mudo,
se, ainda, posso lutar?




Nem todo mal leva a mal.
Ainda bem!
Nem todo bem leva a bem.
Muito mal!

O bem transmuda-se em mal,
ou, até, proporcional, e pior,
às práticas dos perniciosos.
O que se converte em bem
passa, também, a ser mal,
nas mãos dos poderosos. 

O esforço que se faz,
e se inventa, para servir o bem,
comuta-se a gás de pimenta,
a lágrimas, a bombas químicas,
atômicas ou biológicas,
sem lógica ou sem metafísica,
a mando das mãos das políticas.

Os estudiosos, contritos,
veem o final de seu sonhar,
e morrem frustrados,
com o pouco reconhecimento,
de viver de ajudar,
e acabam sufocados,
nos resultados dos inventos.

sábado, 25 de agosto de 2012

Pensares a conta-gotas (132)


Não reparem na roupa que uso,
e nos alinhavos
que faço, no fuso.

Não meçam o fio que teço,
e o algodão
de que me abasteço.

Não analisem o pano que urdo,
e os bordados
que faço, de tudo.

Os textos, devagar, trespasso,
no interesse do final produto,
de cada jeito e compasso.




O que se pode fazer
diante disso tudo?
Dizer, simplesmente,
que se é mudo?

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Contos contados de Minas (47)

A pescaria 

É certo que histórias de pescador ou de caçador nem sempre são mentirosas. Podem, até, ser exageradas para engrandecerem os feitos dos atores. Mas, falaciosas, jamais, que pescadores e caçadores, do muito que carregam nos embornais, o maior pedaço é reservado a verdade. O resto fica para as tralhas de caça ou de pesca, e um pouco se reserva à matalotagem, porque nem sempre se caça e se pesca para encher barriga de contador de causo ou de quem aprecia jogar conversa fora. O tempo para a espera da lebre ou do peixe se reserva, também, para se articular as explicações do que se caçou ou se pescou, muito ou nada, ou só criadas na imaginação, o que tem garantida a verossimilhança.
Em geral, os lugares freqüentados por estes atores da chamada mentira, misturada com verdade, são sempre dificultosos. Beira de rios, lugares desertos de gente, descampados, capões de mato. Muito perigo, porque, além de caçadores e pescadores, perambulam por essas bandas, as sombras. Sozinhos, para não espantarem os animais, nem a imaginação os dispersar e dissipar.
Sair das garras de uma onça pintada ou vermelha, jaguatirica, gata do mato, faminta ou com crias recentes, faz crescer as imagens de quem escuta e, sobretudo, de quem conta. Pescar o peixe maior do mundo nunca teve a contrapartida para servir de contraditório. O prazer nem sempre vem da veracidade dos fatos. Uma mentira bem contada, como toda ficção, desperta mais a atenção do que um relatório de verdades administrativas. Ouvir um bom ou quase “mentiroso” pescador dá mais prazer, do que sabe proporcionar o amante da satisfatória “verdade”. Tudo resulta na mesma, que o absoluto, mesmo, neste mundo, só a Deus pertence. Estão aí, nas estantes, Simões Lopez Neto, Graciliano Ramos, e outros ficcionistas, para não me deixar mentir sozinho e me dar aval.
Assim dizendo, há dias em que o tempo não está para peixe, nem mesmo a água, por fria ou demais parada. Pode, até, não estar, mesmo, para nada, só para preguiça, de sombrinha na beira d´água, anzol banhando minhocas, e a engenhoca do cérebro molemolente, pensando na morte da bezerra. Melhor dizendo, matutando o passado, que não mais se endireita. Pau que nasce torto... Igual a cabo de guatambu, bom só quando tirado verde, sapecado em fogo de palha, dependurado em sedenho, no caibro do telhado, para se poder encabar enxada, foice, enxadão... Depois de arqueado, vira porrete para botar respeito nas vacas ciumentas de crias novas.
Não sou de muita experiência em pescaria. Caçadas, então, nem tiro dei em passarinho, quando menino, com espingarda de chumbinho miúdo. Andei jogando anzol “olho de mosquito”, iscado com umas minhoquinhas, dessas vermelhinhas, de beira de rego, para deleite de piabinhas, lambaris prateados, frequentadores de pocinhos de brejo, cabeça de bica, pequenos cursos d´água. Tudo isso, sem malícia, e muitas vontades. Mais tarde, aventurei-me em córregos mais avantajados, profundos e frios, à beira de mato e silêncios. Alí, já apareciam uns bagrezinhos bigodudos, umas sete-léguas compridas, como não deixa mentir o nome, umas tubaranas, piabonas, ou, talvez, piaparas. Depois, em beiras de açudes, pequenas lagoas, também, antes de serem povoados de alevinos diversos, de nomes esquisitos, produzidos em criatórios da cidade. Ali, podia-se, ainda, encontrar peixes mandis, piaus, que a própria natureza se encarregava de disseminar. Até passarinhos costumam povoar esses banhados com ovos de fêmeas de peixes mal digeridas. Existem tantas dessas coisas que nem Deus acredita!
Quando tive, por força do destino, que viajar para mais longe, fui instado, pela família da mulher, a conhecer cursos d´água de bem maiores tamanhos: Tietê, Feio, do Peixe, próximos de cidade grande. Mas confesso que, mesmo nessas ocasiões, não fui bem sucedido em minhas fantasias e tentativas de fisgar peixe grande, mais briguento, e que desse, pelo menos, para tapar o buraco do dente, como se diz em beira de balcão de botequim, com certo exagero, no deguste da pinguinha, para sacudir o marasmo dos braços e do sedentarismo.
Mas um dia..., em que o Rio do Peixe não estava para peixe, algo aconteceu. Meus companheiros, experientes e conhecedores do lugar e de barrancos, andavam daqui prali, sem conseguirem um puxãozinho que fosse. Era só assistir anzol e pedaços de minhocuçu a tomarem banho, entrando n´água, e saindo cada vez mais enxaguados. Quanto a mim, nem mudava de lugar, acreditando, apertando os dedos no pensamento positivo, à espera de que ainda pudesse surpreender meus parceiros. Comentam que o gostoso da pescaria é a expectativa, e, não, a quantidade de peixe pescado a se levar para casa. Fosse assim, estes pegue-e-pagues urbanos seriam mais atraentes e mais povoados de gente graúda.
O certo foi que, em dado momento, cansei do banco à beira do barranco e resolvi mudar a isca e o anzol de lugar, para ver se não voltaria para casa sem, sequer, a sensação de um beliscão, desmotivado para uma prosa mais comprida, e, menos exagerada. Qual não foi minha surpresa, ao levantar uma corvina, que veio sem muito ondular a linha de náilon! Parecia morta. Ao retirá-la do anzol, não pude acreditar no que vi, nem deixar de chamar os companheiros para o que acontecera. O peixe tinha sido fisgado no ponto, onde deveria descomer o que nem comer apetecera, naquele dia mormacento. A explicação mais plausível para a inusitada façanha, foi a de que o infeliz fora surpreendido pela retirada brusca do anzol, justo no momento em que passava rebolando desinteresse, por sobre a fisga do anzol, que o atingiu, no ponto crucial que nem ele poderia imaginar.
História de pescador? Nem tanto. Voltar para casa, sem peixe e sem o que contar, é que não poderia acontecer, mesmo que fosse só o tanto de não deixar fama ou conversa esfriarem.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Contos contados de Minas (46)

O Noturno  

Questão de vocabulário, o soar-me estranho, para nunca mais esquecer, dos sons lúgubres e soturnos dos aviões que, à noite, passavam por sobre nossa casa e cabeças perdidas em meio à solidão dos altos da Fulminante. Diziam as pessoas mais velhas, entre elas meu pai, de pouquíssimas letras, tratar-se do “noturno”.
Quando, à noite, o sono despregava-se de mim, ouvia, na escuridão do quarto, aquele som fanho que vinha vindo do longe. Chegava, cada vez mais presente sobre nossas consciências, e fazia-me lembrar do prognóstico de minha mãe, de que barulhos daqueles, à noite, prenunciavam transporte de algum defunto ou moribundo. Só a morte, ou a iminência dela, justificaria viagens de tamanha urgência e perigo, no vazio do escuro dos espaços imensos.
Quis a sina que eu viesse a utilizar-me daquele transporte por diversas vezes e por largos espaços de tempo. Estar ali, a doze mil metros de altura, à noite, varando continentes, embrulhado em cobertores, os olhos arregalados, a pensar que, lá embaixo, crianças estariam acordadas, escutando aquele som contínuo de motores, faz-me, ainda, mais pensativo do quanto se é pequeno e frágil na imensidão dos ares.
Santo Exupéry, em Terra dos Homens, retratou, de dentro de um desses aparelhos mais pesados do que o ar, essa nossa insignificância. Mesmo que diminua nossas distâncias, ela nos domina e nos deixa tão reduzidos às incertezas da existência sobre esse planeta. Quando se pensa, daquelas alturas, que cá embaixo pessoas estejam, também, pensando em nós, nos ouvindo e cismando, um existencial mistério se estabelece.
O escritor francês, já, naqueles tempos, em que raros aviões contemplavam nossas paisagens terrenas, se perguntava diante do infinito: “Tenho sempre, diante dos olhos, a imagem de minha primeira noite de voo, na Argentina, uma noite escura em que sozinhas cintilavam, como estrelas, as raras luzes esparsas na planície. Cada uma assinalava, naquele oceano de trevas, o milagre da consciência. »
Por falar em mundos e insignificâncias, ainda um pequeno trecho do conto “Blanc et Bleu” do livro “Misti” de Guy de Maupassant: “... eu pensava nesta pobre e pequena humanidade, neste pó de vida, tão ínfima e atormentada, que fervilhava sobre este grão de areia perdido na poeira dos mundos, neste miserável rebanho de homens, dizimado pelas doenças, esmagado pelas avalanches, sacudido e amedrontado pelos terremotos, nestes pobres seres invisíveis a um quilômetro, e tão loucos, tão vaidosos, tão briguentos, que se entrematam, tendo apenas alguns dias para viver. Eu comparava as pequenas mariposas que vivem algumas horas aos animais que vivem alguns anos, aos universos que vivem alguns séculos. O que pensar de tudo isso?”
Uma dessas consciências, de que há bilhões espalhadas pelo mundo, pode bem ter sido a de um menino medroso, à espera de que o sono chegasse e levasse consigo a lamparina de querosene, para economia de combustível,  deixando um rastro de fuligem pelo quarto, a tingir de escuro, narinas e pulmões ainda em começos de vida.
Os “noturnos” continuarão a passar sobre nossas cabeças, cada vez mais numerosos, cada vez mais altos, cada vez menos barulhentos, sem deixarem de ser cada vez mais misteriosos e temíveis. Alcançaremos os planetas mais próximos, as estrelas mais longínquas. Nem por isso,  deixaremos de avançar na conquista de nossas cada dia mais frágeis compreensões de nós mesmos e de nossos semelhantes, tão díspares vizinhos.
Lá de bem distante, certamente, nossos representantes se lembrarão de se comparar com os que ficaram aqui, também distantes, Não deverão se julgar possuídos de super poderes, porque a humildade e a consciência de sua pequenez serão sempre o norte que tanto procuram.

domingo, 19 de agosto de 2012

Pensares a conta-gotas (131)

(Noturnos)

Noites de vampiros famintos,
denteagudos, esvoaçantes,
a tecerem crinas indefesas,
a sugarem o desassossego
dos que berram dores lancinantes;

Fome de corujas acordadas,
de olhos arregalados,
a abrirem bicos, por instinto,
e piarem desaforos,
de foro íntimo;

Imagem de carros recostados,
cabeçalho ao chão, recavém aos ventos,  
a reclamarem bois,
que cochilam seus cansaços,
lá no pasto, do sustento;

Lua, no compasso de nuvens,
ora acendendo, ora apagando
estrelas as mais coesas,
a sugerirem incertezas,
ora tristezas, ora lamentos;

Noite de medos encapuzados,
a beberem sangue de bezerros,
a incitarem afoitos cavalos,
enquanto homens insones
recordam mendigos passados.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Pensares a conta-gotas (130)




Que venha, como ladra, a morte
roubar-me a vida, sem perceber,
sem mais sofrer de contragostos,
dos anos de saúde e bom viver.




Quantas notícias em jornais,
em anais e lugares mais,
quanta vontade de destruição,
quantos assassinatos e extermínios,
quantas Columbines ainda virão,
para a cruenta e cabal saciedade,
na volta dos soldados transidos,
revoltados das tormentas,
cabeças de cérebros cozidos,
nas idéias em reviravoltas, agourentas,
das areias de desertos exauridos,
loucas varridas, de falidas verdades,
sedentas de sempre mais atrocidades?

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Pensares a conta-gotas (129)

(Pai)

Por que o olhar furioso,
se, no fundo, era bondoso?
Por que o sorriso para dentro,
Se, a outros ria fácil, de momento?
Por que escondia sentimentos,
se podia revelar-se por inteiro?
Por que não se abria, em leque,
verdadeiro,
sem os mais mínimos
constrangimentos?

Ele era todo, assim, desfeito,
em querer dar em tudo ao respeito.
Por que, malgrado, nos ensinou,
a ser como na prática também somos,
se a natureza, que tanto amou,
se revela, na obra da criação,
aberta janela,
sem se imolar, sem se queimar,
como se consuma, na pedra,
uma vela?

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Pensares a conta-gotas (128)

Pra tudo chega a hora.
Hora de amar, de dormir,
de acordar, de trabalhar,
hora de laser e de viver.

Chega a hora severa,
em que não há mais razão
de existir nesta esfera.

Por que, então, não partir
para outro lugar,
e evitar o padecer de ficar?

Por que não poupar aos próximos
a evidência de uma vela
a se desfazer, aos poucos?

Caso a vida ainda seja corrida,
guiada de lucidez,
que mais corra!

Caso ela seja posse da insânia,
que antes morra,
mais uma vez!