quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Migalhas de Mim (71)

 

 

Lá où la science trébuche encore, la poésie s´exprime dans ce langage candide et plein de fraîcheur, celui d´une enfant sage et rieuse, émerveillée par la beauté du monde." (Prov. 8, 22-35). Tradução literal: (Lá, onde a ciência empaca (ainda não explica), a poesia se exprime numa linguagem cândida e cheia de frescor, própria de   de uma jovem sábia (bem-comportada) e risonha (Maria?), maravilhada pela beleza do mundo.) Texto extraído de Jean-Marie PELT - Pierre RABHI: Le Monde a-t-il un sens?, Fayard, 2014, p.26 


Redenção


Judas e Maria,

por vontade divina,

puseram Jesus numa fria?

Em Caná: “Mãe, Mãe,

ainda não é chegada

minha hora. Adia!!!”

 

Mas já era tarde,

“eles não tinham mais vinho”.

A vergonha grande seria, 

maior que as alegrias dos presentes,

jovens convivas da festa 

de nubentes.

 

Na Ceia: “o que tiveres que fazer,

faze-o, logo!” 

ao aviso o apóstolo induz.

A dor da espera, no Getsêmani,

grande seria,

maior que a dos cravos na cruz.

 

(“Pai, afaste de mim este cálice”,

“Eloim, Eloim, lamma sabactani”,

Meu Pai, por que me abandonaste?

Um de vocês vai me entregar.)

Não havia como fugir ao combinado,

os planos de Deus já eram traçados.

 

Os demais atores do martírio

tiraram o corpo fora, no delírio?

(“Acaso serei eu, Senhor?”

“Não conheço esse homem!”

“Sou inocente do sangue dele.”

Não temos outro rei senão Cesar”.)

 

Maria, todavia, sentira que era a hora,

de antecipar a missão salvadora do filho.

E Judas não fugiria de corroborar

os planos de amor do amigo redentor.

Pois é! 

Esse foi e é o mistério da Fé!

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Migalhas de Mim (70)

 1

Homenagem póstuma:

 

Marcone era de Barros

e como jarro de dores,

quebrou-se, por inteiro,

mais cedo, no Terreiro.

 

 

Por que não nos cabe saber

futuro de qualquer criatura,

deste mundo sem cobertura,

sem poder conceber começo,

fim, margens, fundo ou altura

ou boas razões de viver,

por mais escuro, alto seja o muro,

mais árduo ou duro seja o enduro?

domingo, 13 de dezembro de 2020

Migalhas de Mim (69)

 

Deus me deu de graça

poderes de pensar, julgar

e dele até discordar,

e de seus emissários anões,

em muitas ocasiões.

 

A ignorância-handicap,

a muitos lesa profundo,

mas, certos ou errados,

aceito-os como vieram,

por não terem tido o trato,

no momento correto, exato,

em que foram gerados.

 

Isso inteiro se compensa,

sem artifícios, balísticos atos:

com mais experiências,

competências alcançadas

em outras vindas e voltas,

sem desprazeres e revoltas.

 

No mundo, por ser redondo,

tudo roda e volta ao berço bio,

de onde o eterno caminhante,

vivente dos incertos momentos,

incansável errante dos ventos,

solitariamente, parte ou partiu.

 

Nada de absoluto se cria,

nesse mundo autossuficiente,

“nada se perde, tudo se transforma”,

conforme a lei do comprovado,

na fôrma se forma fórmula ativa,

para sempre de novas tentativas

em ir-se concertando o já consertado.


quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Migalhas de Mim (68)

Receituário  


Faço-vos conhecer a flor do para-tudo,

mais espinhenta e dura não pode haver.

Caso mais delas haja, por esse mundo de Deus,

que mo façam saber.


Conheçam, antes de tudo, a planta-mãe,

muito discreta, natural do cerrado,

arejado, biodiverso, tamanho,

seja aberto ou seja fechado. 


A raiz, que tão bem faz,

é tubérculo entre pedras nascido

ou em bem piores condições 

de chão duro, empedernido.


O caule é veludo, de tão frágil e macio, 

e pode-se arrancar de só pensar,

sem desavisada brusquidão 

com a própria mão.


As folhas, essas, então, 

são de se acariciar lábios e dedos, 

ou a palma da mão,

tão grande a delicadeza, na exibição. 


Mas, a grande beleza é a das flores, 

de só espinhos, para se preservar, 

quem sabe, de falta de carinho, 

ao ser tocada ou fotografada.


A cor de tais enfeites, fáceis localizados,

é de difícil definição, exige mente insipiente,

que mistura vermelho com amarelo, 

para ostentar tom de alaranjado atraente.


Se colhida e deixada de lado, a sol quente,

esmaece, lentamente, 

realçando a dureza seca 

das pétalas-espinhos contundentes.


O bulbo, ou batata, de maior valor,

é, por óbvio,  de difícil extração. 

Para se soltar da terra ou pedregulho,

só com picareta ou enxadão, à mão.


Cura de um tudo, sem chancela, 

como revela o próprio nome e renome ,

dor de peito, lesão de pulmão, 

fígado inchado, coração, tosse e paixão. 


Seus ativos princípios atravessam 

os dutos todos do corpo carente, 

até o final da função absorvente

quando voltam para o chão.


Um tetravô charlatão 

(no bom sentido etimológico do termo) 

e os descendentes polivalentes, 

o conservava como rosário de fé e oração:


Fatiado e seco, enfeixado em rodelas,

atado em cordão, como escapulário,

ou relicário de sacrário, para a comunhão, 

ao leite misturado, quando necessário.


Para permanência de sementes e flores, 

cumpre-se preservar um canto de cerrado,

(cada dia mais diminuto, destampado), 

além de fotografias, mesmo que frias, 

no ordinário.


sábado, 5 de dezembro de 2020

Migalhas de Mim (67)

 

Dou-lhes, por ora,

um pouco mais

de recado

do sempre mesmo

de sempre.

 

Menos malhar a ferro frio,

num chove não molha

de chover no molhado,

como em tijuco de bica

de antigos regos d´água.

 

Menos cruzar os braços,

por falta de abraços,

menos olhar os dentes

de cavalo dado

de presente.

 

Menos ficar  sem destino,

no desatino de tempo comum,

desmedindo os passos do tempo,

sem dar tempo ao tempo,

sem fazer de certo o errado

como pau mandado.

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Migalhas de Mim (66)

 

O que para mim vale,

de momento,

vale também, para quem

sofre de solidão,

falta de amor, decepção,

lapsos de memória,

carências de sentimentos.

 

Mas... do que vale lamentar

leite derramado,

de omissão,

ou de caso pensado,

se já não se pode reverter o passado,

apagar indeléveis manchas

de panos manchados de danos?

 

O destino é, assim, cruel,

mas não só, para mim,

pecador infiel.

A vida, nisso, é bem camarada,

até mesmo democrata,

para nada faz exceção

nem para folgados magnatas,

de plantão.

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Migalhas de Mim (65)

 

“O tempora! o mores!”

“Si jeunesse savait...si veillesse pouvait...”


“O temps, suspends ton vol!,

et vous heures propices,

suspendez votre cours!” (Lamartine - Le lac)

 

Palavras do Eclesiastes (Salomão), filho de Davi, rei de Jerusalém:

“Vaidade das vaidades! Tudo é vaidade”.

 

“Um tempo para cada coisa.

 

Para tudo há um tempo,

para cada coisa há um momento

debaixo dos céus:

 

Há tempo para nascer e tempo para morrer;

Tempo para plantar e tempo para arrancar o que foi plantado;
Tempo para matar e tempo para sarar;

Tempo para demolir e tempo para construir;
Tempo para chorar e tempo para rir;

Tempo para gemer e tempo para dançar;
Tempo para atirar pedras e tempo para ajuntá-las;

Tempo para dar abraços e tempo para apartar-se;
Tempo para procurar e tempo para perder;

Tempo para guardar e tempo para atirar fora;
Tempo para rasgar e tempo para coser;

Tempo para calar e tempo de falar;
Tempo para amar e tempo para odiar;

tempo para a guerra e tempo para a paz.”

 

(Eclesiastes 3:1-84 in Biblia Sagrada. Ed. Ave Maria Ltda, 5ª. Ed., 1964, SP. p. 832)


Os tempos eram outros,

pour sûr! Passamos,

mas não sabíamos

como podíamos,

de qualquer outro modo,

deixar de passar!

 

Ignotos, caminhantes,

desconhecíamos, de preparo,

o que não teríamos

de saber nem de poder

ou, por bem equilibrado,

de mais conhecer de tão raro!

 

Carregávamos no peso da idade,

restos de vida vivida, 

a consciência do que fomos,

de tempos, vezes perdidos, 

mas, já, agora, por dever,

a buscar recuperar o devido!

 

Ninguém é profeta,

em seu tempo de eternidade,

como em nenhuns, d´ailleurs,

lugares de nascença.

Do que se presta pensar,                                 

não nos cabe, aqui, reformular.

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Migalhas de Mim (64)

 Tristes tempos de morte-covid 

1

Triste pensar

que nem na hora da morte

pode-se contar

com o olhar compadecido

de alguém saído

do mesmo tecido sofrido.

2

Que de mais triste,

que a espera da morte,

a solidão como consorte.

3

Partida solitária,

mesmo rodeada

de gentes solidárias.

4

Morte não me apavora,

temo momentos dolorosos,

rezo por mistérios gloriosos.

5

Por que se tem de partir?

Para desocupar lugar

a recém-nascido singular.

6

A consciência da morte

bate-nos à porta

de recinto solitário.

7

O que se passa em minha cabeça,

não é da ciência de ninguém,

quando muito, do Além.

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Migalhas de Mim (63)

 

O poeta fantasia

com metáforas, comparações,

joga a qualquer tempo,

no jogo duplo, como Jonas,

no esconde-esconde

de palavras brincalhonas.

 

Sonhos incitam prazeres,

sem dever de obrigações,

provocam emoções diversas,

ambíguas, controversas,

sentidos poliversos, reflexos

de fazer e de desfazer reversos,

corações em borbotões.

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Migalhas de Mim (62)

 

Depois dos setenta,

a imagem do homem

fragiliza-se, vira trapo,

rasgado pano

de saco.

 

A mulher, mais longeva,

leva alargadas vantagens:

se agiliza, se fortalece,

esquece fatigas,

fica brava.

 

Põe-se a criticar a sorte,

deitar falas, às claras,

das birras do marido,

passaquá e desvalido,

até, ali, silenciadas.

 

Já antes, só o fazia, à socapa,

quando o janota bonitão,

poderia deixá-la por outras

saias, queimar roupas  

e recontar favas contadas.

 

Mas...quem concebeu e forjou

tal humanidade social,

partidária e tão desigual,

sem escape de se poder fugir

de imperativo natural?

domingo, 27 de setembro de 2020

Migalhas de Mim (61)

 

La technologie s´étant substituée à la nature, de celle-ci il ne serait même plus question!” Tradução livre:

Caso a tecnologia venha a tomar o lugar da natureza, desta, nem mesmo se ocupará mais.”

Jean-Marie PELT – Pierre RABHI, Le Monde a-t-il un sens? Fayard, ParisVilleneuve d´Ascq, 2014, p. 131.


Quem não pede ajuda a quem?

 

Quem independe de quem?

O homem da natureza

ou a natureza do homem?

A facilidade da necessidade 

ou a necessidade da fatalidade?

 

A tecnologia comanda o vento,

a chuva, o ar, o sol,

a água e o solo do alimento,

ou os elementos dominarão

a tecnologia?

 

Sejamos humildes, realistas,

caso volte a época da pedra à mão,

as caças de comida, com arcos e flechas

sem riscos de pedradas adversas,

retornarão.


.

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Migalhas de Mim (60)

 

Por aqui, o sol nasce

e se impõe,

no percorrer do céu sem véus,

medindo tempo e espaço

de não morrer de escrúpulos,

mesmo com estertores de cores

do crepúsculo.

 

Nuvens não se escondem,

por muito tempo,

no seu vagar de momentos.

Longas águas as aquecem,

límpidos ares as desvelam,

natureza as circunda,

e pássaros que as tecem.

 

Por lá, o sol se levanta

quatro horas mais cedo

e se põe a trabalhar,

o dia inteiro, sem parar,

sem se dar a folguedos

de outro linguajar

e enredo.

 

Já de tarde, vai se deitar,

sem alardes, para descanso,

por ter de, “au lendemain”,

voltar ao ponto primeiro,

refeito e pronto,

do circuito obreiro

do picadeiro.