Receituário
Faço-vos conhecer a flor do para-tudo,
mais espinhenta e dura não pode haver.
Caso mais delas haja, por esse mundo de Deus,
que mo façam saber.
Conheçam, antes de tudo, a planta-mãe,
muito discreta, natural do cerrado,
arejado, biodiverso, tamanho,
seja aberto ou seja fechado.
A raiz, que tão bem faz,
é tubérculo entre pedras nascido
ou em bem piores condições
de chão duro, empedernido.
O caule é veludo, de tão frágil e macio,
e pode-se arrancar de só pensar,
sem desavisada brusquidão
com a própria mão.
As folhas, essas, então,
são de se acariciar lábios e dedos,
ou a palma da mão,
tão grande a delicadeza, na exibição.
Mas, a grande beleza é a das flores,
de só espinhos, para se preservar,
quem sabe, de falta de carinho,
ao ser tocada ou fotografada.
A cor de tais enfeites, fáceis localizados,
é de difícil definição, exige mente insipiente,
que mistura vermelho com amarelo,
para ostentar tom de alaranjado atraente.
Se colhida e deixada de lado, a sol quente,
esmaece, lentamente,
realçando a dureza seca
das pétalas-espinhos contundentes.
O bulbo, ou batata, de maior valor,
é, por óbvio, de difícil extração.
Para se soltar da terra ou pedregulho,
só com picareta ou enxadão, à mão.
Cura de um tudo, sem chancela,
como revela o próprio nome e renome ,
dor de peito, lesão de pulmão,
fígado inchado, coração, tosse e paixão.
Seus ativos princípios atravessam
os dutos todos do corpo carente,
até o final da função absorvente
quando voltam para o chão.
Um tetravô charlatão
(no bom sentido etimológico do termo)
e os descendentes polivalentes,
o conservava como rosário de fé e oração:
Fatiado e seco, enfeixado em rodelas,
atado em cordão, como escapulário,
ou relicário de sacrário, para a comunhão,
ao leite misturado, quando necessário.
Para permanência de sementes e flores,
cumpre-se preservar um canto de cerrado,
(cada dia mais diminuto, destampado),
além de fotografias, mesmo que frias,
no ordinário.
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