quinta-feira, 24 de março de 2016

Nuvens Esparsas (22)


De uma obra, outra se constrói

nos refazeres de poema-discreto.

Tudo conta, no fim das contas:

o abrir de valas, a base de pedras,

os andaimes suspensos, oscilantes,

o prédio da saúde em curso,

o diagnóstico do médico-arquiteto,

a enfermeira no serviço edificante,

o texto, como registro de discurso

persuasivo, pretensioso, correto.

quarta-feira, 16 de março de 2016

Nuvens Esparsas (21)


O poema nasce temporão,
intempestivo, espontâneo,
como brota de flor-botão,
(o fruto),
como se fura do veio do chão,
(a água),
ao se querer buscá-la,
no fundo da silente solidão,
no meio das pedras lajes,
no escurão espesso que encerra,
(a terra).

O plano extrínseco do texto,
de começo, meio e fim,
surge na perfuração do fosso,
(a vala),
na extração do poema-água,
(a teima),
no passar do desejo à fúria,
na força do líquido-elemento
ao querer galgar à superfície,
ao rés de luminosa plaga,
(a planície).

Pronto o poço, águas se ajuntam,
no concerto dos detalhes,
como se olha no brilho do rosto,
(a demora),
no retoque de repassar da mão,
(o gesto),
no, ainda, desprendido instinto,
do leitor, no labor de desvelar
evanescentes caminhos que levam
a imagens-reflexo de espelho
(da água).

terça-feira, 15 de março de 2016

Nuvens Esparsas (20)



Para que serve o poema?

para se ler por inteiro,

no banheiro?



Para passar o tempo

a dar tempo ao tempo,

fazer de conta?



Para leitura de diletante,

à procura do prazer

no pensar, delirante?



Ou, simplesmente,

para se deleitar, silente,

antes de dormir, carente?

sexta-feira, 11 de março de 2016

Nuvens Esparsas (19)



Morre-se de fome,

de sede, de sono,

de dó, de ódio, 

de pensar, de tédio,

de preguiça, de inveja,

de curiosidade, de desgosto,

de ciúme, de medo,

de alegria, de tristeza,

de desejos, de arrependimentos,

de vergonha, de saudades...


De tudo, se morre

muito ou pouco,

aos poucos.

Só não se morre,

o bastante,

de amor de verdade.

terça-feira, 1 de março de 2016

Nuvens Esparsas (18)


(Adequação)

Porque te amei,
você me amou,
juntos formamos
conjuntos de mundos. 


Como você me amou,
como te amei,
da soma restou
amálgama de almas.


*** 


Todo ser
procura o prazer,
rechaça a dor.

Uns, agora,
outros, demasiado tarde,
uns, aqui, na Terra,
outros, no Céu, inefável.

Gozar é bom,
divino,
sofrer, abominável,
malino.