sábado, 27 de abril de 2019

Migalhas de mim (5)

A casa avoenga era movimentos,
quando dávamos de chegar,
sem cerimônias e pré-avisos.

No mais, no vagar dos dias,
silêncios, solidão-solidões,
relógio batendo horas em vão,
vaguidão, sem disparar o tempo,
no enorme tabuado do salão,
de não se poder esquecer
limites de estações, emoções,
acertos, enganos, sensações,
anos e anos de tardanças, 
no revigorar dos ânimos.

Foram-se os tempos,
restaram-se os ânimos,
a apascentar lembranças!

domingo, 14 de abril de 2019

Migalhas de mim (4)

Quantas cascas vou largando
por terrenos baldios, esparsos,
por onde passo,
ora agitado, ora sereno,
costeando existências várias,
eterno alieno?

Tantas quantas, talvez,
de minhas infinitas moradas
me permito paragens
mais ou menos curtas,
menos ou mais longas
discrepâncias tais.

Agrada-me pensar
em diferentes amanhãs
a que me conduz o tempo,
de quantos percalços e achados
que vou recolhendo,
no afã dessas viagens.

Esta agora, por exemplo,
mais uma nova experiência
de luta, de voragem, de vida,
nessa visão absoluta de referências,
de insistentes entradas,
vistos permanentes e saídas.

Não deverei ter sido, até aqui,
tão cordato, ou mesmo ingrato,
no deslizar-me de peles e ossos,
por esses vales e precipícios,
à procura de infinitos convívios,
largura de espaços!

Sempre peço que me retire
dos braços, essa insignificância,
que me soa como pena,
mas que me redime de fadigas,
de culpas, castigos determinados
por força total, sidérea ou terrena.

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Migalhas de mim (3)


Avignon

Os papas comiam carne
no sábado e no domingo,
e na segunda e na terça,
e na quarta e na quinta.
Na sexta, como lenimento,
jejuavam do gordo
e do cruento farto sustento.

Sob as coifas da palaciana cozinha,
limpavam a consciência,
para olharem nos olhos baços
dos fiéis pobres, miserentos,
que não comiam carne
no sábado e no domingo,
e na segunda e na terça,
e na quarta e na quinta,
e jejuavam na sexta, 
contentando-se com pão bolorento.

Estes não podiam pecar por gula,
nem pelos outros pecados capitais,
que levavam os descrentes ao inferno,
em atendimento às bulas papais,
na dura conquista dos céus imortais.

Na quaresma e na semana santa,
os bois diários do churrasco sangrado
transmudavam-se em peixes,
animais de pouco sangue frio,
para não se lembrarem 
das santas chagas cruéis
de Jesus Cristo, crucificado
por querer acabar com a fome
e as dores dos homens necessitados.

Pobres seguidores, penitentes,
desassossegavam a consciência
dos ricos e nobres bem nascidos,
de almas dormentes, mãos lavadas,
que não jejuavam o suficiente,
a se espelhar nos pecados da carne,
sob púrpuras, bem escondidos,
mas ditavam restritas normas,  
às humildes mentes contritas.