segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Nuvens Esparsas (36)

Estou longe de saber
o que outras pessoas sabem, 
pois me julgo no estágio de saber
que outras pessoas possam saber
bem mais do que ora sei,
o que está longe de acontecer
a certas pessoas que, pelo pouco saber,  
se julgam saber
bem mais do que ora sei.


Ato de constrição.

Perdão, irmãos,
por não ter ajudado
o quanto podia,
por não ter tido coragem
de dar o quanto queria
a quem precisava de minha parte.

Perdão por ser tão privilegiado,
e poder julgar o certo e o errado,
nas coisas do dia a dia,
e, ainda, ficar, assim, parado
a observar o quanto existe
de necessitados, a meu lado.

Perdão por ser avarento,
e sonegar o que sobra
de minha obra em construção,
e, ainda, me valer do texto,
como pretexto de sofrer
este triste contexto de existir,
e, ainda, refletir, por compaixão.

domingo, 18 de dezembro de 2016

Aliciana

Aliciana

Elas são cúmplices
de corpos e almas.
As duas se completam,
intrinsecamente.

Ela se doa por inteiro,
com leite, enfeites e deleites;
ela garante a sobrevivência
em c(h)oros de exigências.

Ela ama, de verdade;
ela mama.
Ela soma;
ela assoma à saciedade.

Uma da outra retira
mais razões de existência,
se amarram de estreitíssimos laços,
umbilicalmente.

Elas se dão, continuamente,
às mãos, aos abraços.
Apesar das idades,
refazem traços de união.

Respectivas, como terra e mar,
mãe e filha são arquipélagos.
Tudo é mistério, 
magistral reciprocidade.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Nuvens Esparsas (35)

Há quanto tempo,
não nos vemos, por ai!
Quase uma eternidade,
não muito mais,
ou, quem sabe,
bem menos de um vagar,
nesse indo e vindo,
por ermos siderais!

O tempo não nos permite
permanecer inertes
nesse pedaço de espaços
infindos.

A vida é repartida
em infinitas partes
de viveres projetados,
e aprendizados
de destemores e artes.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Nuvens Esparsas (34)

O que somos, o que fomos,
de onde viemos,
para onde vamos,
nestes revezos de vidas?

Pontos suspensos,
em mentes, sem anais,
sem pontes, sem prumos,
dentro das curvas do tempo,
para não nos perdermos
dos antes ajustados sinais
dos rumos.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Nuvens Esparsas (33)


Melhor assim

Se as circunstâncias do destino
tivessem sido diferentes,
o que teria sido de nós, peregrinos,
caminhantes persistentes,
em constantes desatinos?

Quem pode saber,
clarividentes e precisos,
sem prenúncios e pré-avisos,
de apuros e demais perigos,
para melhores juízos?

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Nuvens esparsas (32)

Há contextos que nem mais sabemos
por que, embora temerários,
adotamos.
Há pretextos que nem mais nos lembramos
por que, mesmo desnecessários,
utilizamos.
Há textos que nem bem pressentimos
se, por desencanto, solitários,
criamos.

Passa o tempo, e anula da memória
lutas inglórias que
lutamos.
Passa o tempo, e apaga das estradas
pegadas que, por lá,
deixamos.
Passa o tempo, e nos faz esquecer
do tão pouco prazer que partilhamos,
só com quem sabemos que muito
amamos.

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Nuvens esparsas (31)


O que fazem elas, 
agora,
em momentos de lembranças
e ressentimentos antigos?

De certo, pensam menos em si,
em vaivéns de cobranças 
e sentimentos
que mantenham comigo.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Nuvens esparsas (30)

Espaços lapidares

De saída, o sol da tarde relança raios mornos
sobre lápides, nesse recanto triste e solitário.
Ali ainda existem lembranças de vidas descoradas.
Retratos se apagam aos poucos das memórias,
e já quase nada revelam e falam aos visitantes.

Mortos se esquecem dos que não estão mortos?
O espírito vivifica em assentos etéreos?

Apenas alguns vivos ali vão, para se lembrarem
de que mais dias menos dias, também o sol embaçado
menos aquecerá aqueles lugares de frio profundo,
e repartirá como a tristeza de entardecer moribundo.
Mais um 2 do11, desse 2016 ter-se-á finado.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Nuvens Esparsas (29)

Razão ou fé

O homem científico crê nas hipóteses
a serem ou não confirmadas,
para se criar ainda mais hipóteses
a serem ou não dispensadas,
conforme a luz intensa ou apagada
de esferas imaginadas.

O homem crente vive na fé,
até que o mistério, seu sustento,
se desfaça em momento
nos achados da ciência.

Homens de fé, de razão e sentimentos,
um não arreda pé de sonhos proféticos,
outro de procuras de provas,
para mais sonhos hipotéticos.

O cientista abre as asas sobre a mente,
e planta sementes no infinito 
do desconhecido irrestrito
que acredita possível de conhecimento.

O devoto fiel abre o coração 
a desejos ardentes e dúvidas infindas,
e simplesmente crê no que não vê,
ou no que não compreende ainda.

domingo, 2 de outubro de 2016

Nuvens esparsas (28)

Inexorável mente

Não adianta buscar no tempo
imagens do passado.
A foto da turma da escola,
da formatura de há anos
já se desfez, definitivamente.

O tempo sempre escapa
por entre dedos fechados.
Mesmo molhada, a areia
deixa vazar grãos desgrudados,
para o chão escavado.

Corpos envelhecem,
mudam de cara,
a mente embaralha nomes,
esquece traços dos rostos,
irreconhecíveis lembranças.

Solução seria não deixar de viver
os rápidos momentos presentes.
A trajetória de cada um é in-diferente,
nem no corpo, nem na ânima,
figuras do passado são definitivamente.

Como encontrar o que já se foi,
neste universo infinito,
indo e vindo, mudando de elementos,
como ondas de mar revolto
e agitados ventos?

Ela, por exemplo, que era
dona de um quase tudo absoluto,
de mais brilho e pouca sombra,
hoje é quase nada que se soma
a espaço e tempo irresolutos.

sábado, 1 de outubro de 2016

Nuvens esparsas (27)


No gatilho, trazer a bala,
para uso sem abuso:
palavra adrede preparada,
para precisada ocasião.

Entanto, não se abala
consciências calejadas,
porque demora mudar
cultura que não cala.



           xxx



Quem quis segurá-lo
de qualquer jeito,
pelo beijo, pelo abraço,
que não surtiram efeito,
só tinha um único jeito
de o atar com proveito:
não o pegar pelo laço,
mas pelo mais tênue traço
de quase nenhum confeito.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Nuvens Esparsas (26)

Sou um cidadão qualquer,
como qualquer outro cidadão,
e mereço, como outro qualquer,   
respeito e atenção de quem puder.

Não ocupo lugar qualquer de desvalido,
no andar vagaroso da procissão,
resguardadas as regras da caminhada,
sem exceção.

A palavra, minha arma, de calibre considerado.
Meu direito, meu peito inflado, de coração avantajado.
Minha vantagem, a coragem em requerer minha parte
nos preceitos da nação.

Peço, então, passagem,
que não costumo abrir mão de linguagem,
valiosa paga que me advém
como prova de boa linhagem, como convém.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Nuvens Esparsas (25)

Sinto, sou do vento,
meu pensar vem no ar
em movimentos.

Cato vento, sorvo alento,
no intento de agitar
com menor sofrimento.

Não contenho o tempo,
bastam-me momentos
para vagar turbulento.

Desejos passam de passagem,
para voltarem ao azul do céu,
às nuvens alvas do firmamento.

Esparsam-se os trovões,
a me conduzirem ao livramento
de tensões em excitamentos.

Meus rompantes vêm de dentro,
lufados redemoinhos barulhentos
a ajuntar ciscos de graça,
no centro revolto da praça.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

Contos Contados (s/n)

Dia dos Pais 

Depois da morte do pai, um dos filhos disse: “Nosso pai, quando começou a ficar bom, morreu.” Não que o progenitor tenha sido mau, muito pelo contrário, ninguém como ele foi tão cordial, tão alegre, piadista, risonho, amante de uma boa gargalhada, amigo dos amigos, tolerante com os adversários (que todo mundo acaba por ter, sem querer), distante das malquerências. Entretanto, tinha que ser ator fiel de um papel já traçado, que o próprio meio social lhe reservara por herança.

Desde as mais remotas gerações de antepassados portugueses, colonizadores e remanescentes de patriarcas bíblicos, o riscado era o de o pai manter com os filhos relacionamento mais distante, como recurso velado de garantia de respeito, que mais parecia malvadeza silenciosa, já que conversar mais do que o necessário, rir, sorrir, gargalhar poderiam abrir possibilidades a fraquezas, e a perda de poderes, o que, perante os demais patriarcas da grande família, constituiria, na certa, fatal handicap.

No entanto, uma vez a família criada, os filhos casados, já, por sua vez, a exercerem o papel também herdado de chefes de família, senhores da casa, mesmo se com prole bem mais reduzida, sobrar-lhe-ia a doce missão de avô, a bondosa presença junto aos netos, remissão de carinho sonegado aos filhos.

Assim foi que o pai começava a se permitir algumas brincadeiras, algum sorriso maroto, ao passar a contar causos mais engraçados, como que a querer aproximar-se de filhos e netos. É certo que os filhos notavam aqueles ensaios, sem se permitirem, entretanto, aceitar o fato de que aquela atitude era a mesma que ele adotara, anteriormente, com amigos, tios, irmãos e sobrinhos, ao deixá-los de lado a só observarem de longe tais atitudes, com o rabo dos olhos.
Muitas vezes, tais aproximações tardias eram mal recompensadas pelos, já agora, filhos adultos, os quais, por sua vez, talvez inconscientemente, também, as sonegavam ao pai, como prova da inversão de papéis, na mesma peça de teatro, levada de geração em geração. Era a vez de o pai ter de abaixar a cabeça diante de respeitosa repreensão, como era a obediência dos filhos nos tempos da menor idade, agora relacionada, por exemplo, aos cuidados com a saúde, tão fraquejada. "Pai, é preciso ir ao médico! Por que não faz assim-assim, para ir-se livrando de responsabilidades, dividindo-as com os filhos? Por que não vai dar um passeio mais longe, para conhecer lugares diferentes, conversar com pessoas de outros pensamentos?" Etc, etc...
Entretanto, como não poderia deixar de ser, sempre havia pequeno progresso, um avanço de boa vontade, nos entendimentos de novas formas de relação. A sociedade já não era a mesma, assim como não eram as circunstâncias e as oportunidades de relacionamentos entre as pessoas. O filho mais velho, por exemplo, tal o bíblico primogênito, cujo papel e treinamento foram transmitidos, a duras penas, de pai a filho, considerava-se, em caso de eventuais necessidades, o detentor de poder exercer uma autoridade legada.
Ele, que não conhecera o estudo formal, tivera o grande discernimento de dar à numerosa prole a oportunidade de conquistar o saber sem a imposição do meio. Com a educação, vieram as análises e a tomada de consciência sobre os verdadeiros motivos daquelas já distantes atitudes, que os "antigos" foram obrigados a praticar. Embora, ainda, com as dificuldades arraigadas nas consciências, alguma coisa mudava naquela convivência conservadora.
Os tempos e os costumes que, outrora, demoravam gerações para sofrerem pequenas mudanças, agora, já não demandam quase nenhum lapso de intervalo para se efetivarem. Netos e filhos já não tratam pais e avós por “senhor”, “sim, senhor”, “não senhor”, e, eles, disso, nem conta fazem. Os filhos começam a sentir as vantagens de um contato mais próximo e menos formal, sem que o respeito e o reconhecimento venham a sofrer descontinuidade.

          No caso, sentiam, ali, a falta do companheiro, e lamentavam que o tempo não o tivesse poupado por mais alguns anos de agradável convivência. O pai partira, como quase todos os progenitores, antes do esperado.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Alice no país da felicidade

Alice no país da felicidade

Por esses meados de julho,
Brasília manifesta, uma vez mais,
evidente secura
no clima, no chão, na vegetação
com mortificadas texturas.

Em Nice, o mundo manifesta terror,
com noticiário recheado e cru,
em acirrados conflitos descabidos,
insensatezes, dores tamanhas,
e carências de amor.

Mas, ao findar do décimo quarto dia,
um hálito quente e possante,
faz nascer esperanças de serenidade,
de livre alento, paz fraternal e paridade
entre as gentes.

Alice chegava de águas clementes,
abrindo véus de promessas de mais luzes,
de mais céus e verdes em profusão,
para um mundo sem pré-juízos,
de paz de azuis profundos.

Para além desse torrão de mundos,
há de haver espaços para se brincar,
e crianças espertas, de olhos atentos,
abertos ao palco
de saudáveis fantasias.

Nesse país, então, de grandes alegrias,
haverá peixes e pássaros multicores,
animais encantados, selvaguardados,
fontes de águas límpidas e doces,
paraísos recheados de boas lembranças,
de mais esperanças e maravilhas.

Alice trouxe a doçura no nome de redondilha,
alcance no olhar de meiguice e carícias,
acervo de promessas de doce vida,
brilhos translúcidos de sol de julho,
à espera de mais festas e aleluias,
de cicios de cigarras e sons de silêncio,
afagos de boas vindas, em festins de delícias.




Do avô Joaquim Caixeta - 14/7/2016

domingo, 3 de julho de 2016

Nuvens Esparsas (24)

Portugal um tanto pedregoso,
onde se toma água de pedras,
sopa de pedras,
e se mora em casas escuras,
só de pedras.

Muros de pedras dos pastores
das portas de Montemuro,
das serras de Açur e da Estrela,
alturas de esfriar ideias
e cinturas.

Pedras de Piódão,
de lugares vestidos de pedras.
Tudo no duro de vidas duras,
de manifestas agruras,
dos tempos idos.

De mole mesmo, o sabor intenso
da manteiga dos queijos,
das águas dos rios e do oceano
imensos,
do coração português.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Nuvens Esparsas (23)


Felicidade não se acha

de graça,

com assento, na praça,

tampouco resguardada

em caixa

de banco de fomento.


Felicidade de verdade,

é do momento.











Deus, parece,

não querer revelar

o domínio da fé,

ou é nossa capacidade,

de entendê-lo como é,

pela força da mente,

por Ele outorgada

como semente ,

por demais, ainda,

incipiente?

quinta-feira, 24 de março de 2016

Nuvens Esparsas (22)


De uma obra, outra se constrói

nos refazeres de poema-discreto.

Tudo conta, no fim das contas:

o abrir de valas, a base de pedras,

os andaimes suspensos, oscilantes,

o prédio da saúde em curso,

o diagnóstico do médico-arquiteto,

a enfermeira no serviço edificante,

o texto, como registro de discurso

persuasivo, pretensioso, correto.

quarta-feira, 16 de março de 2016

Nuvens Esparsas (21)


O poema nasce temporão,
intempestivo, espontâneo,
como brota de flor-botão,
(o fruto),
como se fura do veio do chão,
(a água),
ao se querer buscá-la,
no fundo da silente solidão,
no meio das pedras lajes,
no escurão espesso que encerra,
(a terra).

O plano extrínseco do texto,
de começo, meio e fim,
surge na perfuração do fosso,
(a vala),
na extração do poema-água,
(a teima),
no passar do desejo à fúria,
na força do líquido-elemento
ao querer galgar à superfície,
ao rés de luminosa plaga,
(a planície).

Pronto o poço, águas se ajuntam,
no concerto dos detalhes,
como se olha no brilho do rosto,
(a demora),
no retoque de repassar da mão,
(o gesto),
no, ainda, desprendido instinto,
do leitor, no labor de desvelar
evanescentes caminhos que levam
a imagens-reflexo de espelho
(da água).

terça-feira, 15 de março de 2016

Nuvens Esparsas (20)



Para que serve o poema?

para se ler por inteiro,

no banheiro?



Para passar o tempo

a dar tempo ao tempo,

fazer de conta?



Para leitura de diletante,

à procura do prazer

no pensar, delirante?



Ou, simplesmente,

para se deleitar, silente,

antes de dormir, carente?

sexta-feira, 11 de março de 2016

Nuvens Esparsas (19)



Morre-se de fome,

de sede, de sono,

de dó, de ódio, 

de pensar, de tédio,

de preguiça, de inveja,

de curiosidade, de desgosto,

de ciúme, de medo,

de alegria, de tristeza,

de desejos, de arrependimentos,

de vergonha, de saudades...


De tudo, se morre

muito ou pouco,

aos poucos.

Só não se morre,

o bastante,

de amor de verdade.

terça-feira, 1 de março de 2016

Nuvens Esparsas (18)


(Adequação)

Porque te amei,
você me amou,
juntos formamos
conjuntos de mundos. 


Como você me amou,
como te amei,
da soma restou
amálgama de almas.


*** 


Todo ser
procura o prazer,
rechaça a dor.

Uns, agora,
outros, demasiado tarde,
uns, aqui, na Terra,
outros, no Céu, inefável.

Gozar é bom,
divino,
sofrer, abominável,
malino.