quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Pensares a conta-gotas (222)


O texto é feito de alinhavos,
sem acabamentos definitivos,
embora estático, se resguardado,
queda-se à espera
de ilimitados reparos. 

Os discursos nascem e renascem,
a cada lida e uso,
de entendimentos profusos. 

A poesia é sempre idiossincrásica,
inerente à tessitura dos fiados no fuso,
dependente só de quem a sente,
como o êxtase de quem ouve música. 


O fazer literário  

Como pretexto, o autor
escolhe a roupa necessária,
para vestir o texto. 

O leitor julga a vestimenta,
e troca a indumentária,
do prazer que experimenta.  

O tradutor fica indeciso, sem saber
que mais roupagem escolher,
que vestuário será o preferido
do futuro leitor, imaginário,
diante de tão sortido vestiário.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Pensares a conta-gotas (221)

(Às crianças que sofrem pelo mundo
e aos médicos que chegam, para minorar sofrimentos)


Como é possível, daqui, desse Éden,
dessa torre de marfim e casa de ouro
(Turris Eburnea, Domus Aurea),
dessa sorte de pouco convívio com a morte,
avaliar os que moram e morrem
do lado de lá do paraíso,
onde se sabe o sofrimento, a falta dos juízos,
e a dor é comida, bebida, dormida, vivida
como se não existisse amor,
muito menos melhores vidas! 

Há sempre alguém, de quem ideia não se faz,
nem se sabe onde se esconde,
que sofre bem mais do que as demais pessoas,
talvez nós, que nos julgamos merecedores de paz. 

O que vale uma vida humana,
decantada em palácios, sob lençóis de mil fibras,
ou pensada e escrita debaixo do azul do céu,
á beira mar que as brisas beijam e balançam?  

Que se pergunte à criança esquálida,
de olhar estatelado, pasmado e medonho,
que ainda não tem cons/ciência,
que não pode falar de horrores,
a não ser com os olhos da inocência!

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Pensares a conta-gotas (220)


Melodias tristes também trazem alegrias.
Nem sempre o sério vem carregado
de curiosidades ou de mistérios,
que nos fazem buscar o prazer,
lá onde possa jazer as fontes da Arte,
ou dos sentimentos, que compartem,
e sanam carências com harmonias.
 


 
Doem-me os olhos em pensar
que o sol, para uns, é claridade,
para outros, só necessidade. 

Doe-me pensar que os ouvidos
de uns ouvem som de melodias,
de outros, só o tinir do malho,
na ferraria. 

Doe-me pensar que o cheiro no ar
é, para uns, perfume de lavanda,
para outros, chorume de estrume. 

Doe-me pensar que o sabor do prato
tem, para uns, gosto de confeitaria,
para outros, o insosso da boia-fria. 

Doe-me pensar que mãos que tateiam
tocam, para uns, o veludo macio,
para outros, somente o apalpar no cio. 

Doe-me saber que os sentidos todos
só são sentidos na cor do sangue das veias,
que uns sentem sem quase nenhum prazer,
e outros se comprazem em sentir,
sem dividir.

domingo, 25 de agosto de 2013

Pesnares a conta-gotas (219)


Ninguém assume culpa de outrem,
nestas breves passagens planetárias.

Cada um há que responder por si,
segundo a consciência dos fatos,
dos méritos e deméritos e consequências,
no que lhes compete, por dever,
revelar justas experiências de ser.


 

Todo mundo tem os dias transitórios,
de rábula, de luto, de vida e morte.

Uma vez findo o velório,
põem-se lembranças de lado,
para o esquecimento do passado,
resguardada, tão somente a recolha,
dos pertences do parente velado.


quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Pensares a conta-gotas (218)


A pior democracia vale a melhor ditadura?
- Não, nem rapa mole, nem rapa dura. Probidade. 

A liberdade não é moradora daqui,
a não ser em seus arremedos,
feitos de medo e aparências,
dentro dos moldes das demências. 

A democracia, com tal jeito
de enganar as massas
nunca foi democrática,
e só salva os interesse dos paços. 

Muitos que só a enaltece,
sem conhecê-la, na sua inteireza,
sem senti-la na carne,
muito menos a sente na crueza.
 
 
 
 
Por que será que não mais se vê
réstias de sol, no rancho escuro,
pitadas de sal, no prato do apuro,
mais sorte, no Nordeste e Norte,
toques de brio, no céu do Brasil? 

A sobra para o pobre é nonada,
não cobre o rosto vil do tribuno,
do gatuno, dos senhores da dor,
dos juízes rarefeitos na injusta
falta de abertura dos arcos e pires,
nas curvaturas dos plenos poderes. 

A forra dos crimes sem penas,
são as grades dos jurados e tribunas.
Para uns, o tesão da toga ou da bata,
para outros, os ferrões da chibata.
Para uns, o tudo absoluto da potência,
para outros, a relativa mísera carência.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Pensares a conta-gotas (217)


Jesus, ao que parece, era gordinho,
criança em ninho de passarinho,
perninhas e bracinhos no ar,
rechonchudo, alegrinho, tal se nina,
como nos retábulos e presépios
das igrejas barrocas de Minas. 

Depois, o menino cresceu, devagarinho,
perdeu o redondo das forças,
emagreceu de tanto desvelo, a vagar,
cresceram-lhe barba e cabelos,
para mais depois se misturarem,
no suplício maior, a sangue e suor.
 

 

Deus não ajuda apenas os que pedem,
os que conhecem a lei,
os que madrugam e quase não dormem,
os que dormem e não trabalham,
nem madrugam, e vivem de folgas. 

A Deus não cabe ser injusto,
dividir uns dos outros,
que seus filhos são todo mundo,
os que existem, lá onde for,
em palácios, ou em guetos imundos. 

Por que pedir a uns, e despedir a outros?
Que decidam sozinhos, sem vantagens,
serem donos de narizes e caminhos,
carregarem méritos ou deméritos,
na construção de sempiternas viagens.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Pensares a conta-gotas (216)


Naquele ponto, todos se encontram:
o doutor, de diplomas nas paredes,
nas redes de conhecimentos infalíveis,
aos olhos pacientes do zé do povinho,
vendedor, de poucas experiências,
de picolés e cachorros-quentes,
e mais bugigangas que traz nas mangas. 

Lá vêm o padre, de latim e broncas,
de sermão, na ponta da língua;
o santo, de dedo em riste,
apontando o infinito do espaço e do tempo;
o pecador, de olhos no chão, sob véus,
urdindo, de antemão, desculpas aos céus;
o crédulo, com medo de cemitérios,
e castigos eternos, sem qualquer remissão;
o cientista, de razão imaculada,
cheia de mistérios, sem solução. 

Dali em diante, a viagem
é só de silêncios, sem luxos e distinção,
sem avarias de motor,
nem paradas no caminho,
sem destino certo, sem precedentes,
em espaços frios ou candentes. 

Não haverá vazios, desprovidos de vidas,
somente lugares insólitos, inauditos,
de luminescências de estrelas, as mais belas,
planetas inimagináveis de novidades,
com gentes em idas e vindas, sem revistas,
a se perder de vista.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Pensares a conta-gotas (215)


 




Lunações,
mutantes luas
revoluções! 

A lua é nova,
quando se esconde
e se renova,
no céu de estrelas,
escuridéus.  

A lua é cheia,
quando se revela
na noite clara,
luz acesa,
clarividente.  

A lua é minguante,
quando se esvai,
e vai morrendo,
falindo, distante,
à mingua da mente. 

A lua é crescente,
quando se faz presente,
e vem ressurgindo,
novamente,
lânguida mente,
na gente.



 

Os dedos das mãos
são desiguais,
os dos pés, muito mais,
ainda bem,
que são normais.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Pensares a conta-gotas (214)


O cerrado

A árvore cresce mirrada, de casca grossa,
por sobre terras e pedras duras,
e ramos e capins secos do cerrado,
de muita força e raízes tentáculos,
a abrirem gretas e frestas e mais vasos,  
para a água se infiltrar de pouco prazo.

As fontes nascem, os rios correm,
a chuva molha secos e já molhados,
os bichos se locomovem,
sem qualquer exposta ferida,
somente as gentes não se comovem,
e vão queimando mais vidas.  

O sol não esquenta o bastante
as consciências dos que morrerão,
ou vão nascendo nos apetites da ignorância,
e desconhecem o poder do fogo,
da água, dos ventos, dos elementos,
possuídos das demências e ganâncias. 




 
Mudam-se os rostos,
as fisionomias, os gostos.
Menos mudam pés-de-galinha,
rugas na linha do rosto,
da cara minha.
 



 







   

 
     

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Pensares a conta-gotas (213)


Para tudo se acha explicação,
nada é sem ofício,
neste perdido torrão, de serviços,
neste corpo franzino,  
nessa empreitada
de caminhadas de missão. 

Até o coração tem dois destinos,
nas largadas das jornadas:
o de conduzir o sangue da vida,
em desatino de corrida,
e o de contradizer a razão,
tomado de emoção incontida.
 


 
O fôlego é curto, o oxigênio raro,
para alongar textos mais densos.
O curso da via é breve, conciso.
Já nascemos longe do mar,
e o deságue é com as águas poucas,  
que fomos ajuntando, para a mar.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Isso e Aquilo dos Bichos (6)


O sapo

Era uma vez, numa festa de céu,
foi aquele rebuliço nos serviços,
um grande escarcéu, e, até, feitiços.
O sapo viera clandestino,
no violão do urubu Celestino,
quebrando, logo no início,
o inexorável tabu da criação. 

Mas o agourento guru esvoaçante
jurou vingança do viajante,
e dos altos dos brancos cúmulos,
tonitruante, ignorante do vexame,
não atilou com a devida atenção,
na hora agá da punição. 

Pela tamanha ousadia do terráqueo,
em querer ir a festas, de graça,
onde não era chamado,
o condutor cheio de regras e mágoa
ameaçou jogá-lo na água
que mais espirra e esgarça. 

Mais uma vez, o batráquio,
bem sabido, nas artes da malícia,
pediu que o jogasse na pedra,
que é mais dura, por merecida,
sabendo, de antemão, da solução,
porque a água seria a guarida,
a outra mais adequada opção. 

E foi como o fato se deu,
lá dos altos espaços do céu,  
para que continuasse o sapo
a trovejar de coaxos, mundo abaixo,
sem que chovesse em pedaços.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Isso e Aquilo dos Bichos (5)


A galiinha, Garrichinha, também tinha,
sem maldade, que contar a sua história,
e conta que canta forte, de doer os tímpanos,
que costuma pôr os ovos em qualquer recanto,
como bem lhe dita a premência da hora.  

Não se preocupa com perigos possíveis,
porque a filharada sempre some no mundo.
Veste vestido cor cáqui, tal o João, seu irmão,
e como as mulheres-soldado de Minas,
vai espantando os males da sina.  

De tão pequenina, de tão fecunda e prolífera,
a meninada em vadiagens, das Gerais,
chamam-na de “Galiinha de Nossa Senhora”,
rezam e não lhe fazem mal nenhum,
por ser tão frágil, sagrada e do acervo comum.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Isso e Aquilo dos Bichos (4)


Uma família de joões-de-barro,
atrevida e mansa de tão habitual,
vibrante de tijucos e chãos molhados,
prolonga de cantos os passeios
de vizinhos de hábitos calados,
em uma superquadra da Asa Sul,
dessa cidade temperada de azul.  

O azulado céu espelha o infinito,
nuvens passeiam pacíficos alvos,
e os ocres alam, uniformizados,
sabiás e bem-te-vis enciumados,
em disputas de anseios sagrados,
por espaços de alegrias incontidas,
de francos apreciadores do natural,
e dos ardores de amores
das repartidas cores do ritual.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Isso e aquilo dos bichos (3)


A gata fica na dela,
como se nada quisesse,
como se não conhecesse
o vazio da janela. 

Escuta os passarinhos,
sente o farfalhar das ramagens,
à procura de relembrar
a vida selvagem. 

Dissimula envolvimentos,
mas não deixa de olhar ferino
os movimentos do vento,
que animam seu instinto felino.

 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Pensares a conta-gotas (212)


A síndrome do ninho vazio
lembra rio que já foi perene,
e, agora, some ou treme
no sorvedouro de secura,
ou no excesso de lamas,
se rachando ao sol,
engolindo solidões,
como plantas sem ramas. 

Solitário, vê as forças minguarem,
aumentarem-lhe os anos com anos,
sumirem-lhe os brilhos dos olhos,
quando luzes de lua e cores de dia
ainda reluziam nas águas vit(r)ais,
que não tinham tantas larguras,
tampouco, já, lonjuras mais! 

 

 
O rio faz curvas,
sem pressa
de chegar a mar. 

Recolhe águas de chuvas,
de lágrimas e mágoas,
que lava bem devagar.



 
As águas não têm medo
de quebrarem a cara, no ofício
de se despencarem das nuvens,
de se esfacelarem em gotas,
poeiras de névoas rotas,
e caírem no vazio dos precipícios,
em saltos e cachoeiras. 

Depois libam o descanso,
no remanso das planícies,
em sossegados cochilos
de ente indolente, tranquilo.
 
Lambem margens,
engrossam curvas,
e depositam alimento e sossego,
no mar ou no ar do desapego,
de onde voltam,
eternas negras viúvas,
a desenrolar os fios finos, na chuva.