terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Pensares a conta-gotas (254)


 (Ano findo, Ano vindo, Vida, enfim!)  

Não existes pelos olhos
que possas ter azuis,
ou verdes, claros ou castanhos,
ou, mesmo, vesgos
ou estranhos.   

Não existes pelo sangue
que possas ter real,
vermelho, ou plebeu,
de fatores positivo ou negativo,
de aporte universal. 

Não existes pelo aspecto aparente,
que possas ter bonito,
ou atraente, ou menos ausente,
nem tanto feio, ou formoso,
simpático ou bendito, ou bondoso. 

Não existes pelo porte físico,
que possas ter alto,
ou baixo, gordo ou magro,
esbelto ou combalido,
famoso ou, mesmo, esquecido. 

Não existes pelo lado psíquico,
que possas ter mais,
ou menos inteligente,
ou diferente do que cabe acontecer
ao comum das gentes consequentes. 

Não existes apenas pela vontade
de que possas querer existir,
ou fazer jus à permanência terrena,
mesmo com visão limitada
das essências pequenas. 

Não existes pelo tanto de moedas
que possas angariar
de quem cruze à frente do olhar,
míope ou arguto, medíocre ou astuto,
dos que trajam molambos indigentes. 

Existes, por teres capacidade
de competir contigo mesmo, 
desde quando aprendeste a somar
e dividir os mínimos espaços,
os pequenos minutos,
pedaços de eternidade.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Isso e Aquilo dos Bichos (9 e 10)


Os dias da pata, do pato, do ganso,
do cisne, da patota do lago
parecem deveras vagos,
e demoram a se somar
aos anos de poucos fatos. 

Comem, dormem, rebolam,
esquecem os afagos, ao largo,
parecendo, às vezes, agastados,
descontentes com o meio ambiente. 

Mas, quando pensam em descendentes,
tremem os corpos e se espremem,
como o calor a driblar o vento alado,
no expor de órgãos necessitados. 

Aí, então, abandonam a água, a lama,
resguardam os lemes, esquecidos na chama
da imperiosa procura da prole,
e chegam a elástico equilíbrio de circo,
sobre rêmiges, untadas de sebo e brilho,
de inspirar humanos, passantes que somos
distraídos, no aquecimento para as noites
insones.


A gata, o cão, o papagaio, o pavão,
o bem-te-vi da árvore em frente,
os todos animais que me assistem
no ir e vir diário, incoerente,
me olham de olhos complacentes. 

Se falassem a língua dos homens,
se entendessem suas ideias e olhares,
se pudessem dar-lhes sugestões,
sobre proceder menos civilizado,
até agora, bem pouco comportado..., 
 
poderiam subsistir, por mais tempo,
a rodar, por esse vazio profundo,
a rolar, sem atritos seus produtos,
supostamente inteligentes, absolutos,
o mundo seria mais mundo. 

Talvez, as leis cósmicas,
por si sós, independentes,
esperassem um pouco mais,
para dar fim a seus atos egocêntricos,
por demais inconsequentes.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Pensares a conta-gotas (253)


O que sabem os mortos 
de morte, que não sabe
o comum dos mortais?
O esquecimento de ais
que deixaram para trás,
pouco ou nada mais.
 

 

Com palavras poucas,
resume-se o mundo,
ébrio, moribundo. 

Com um olhar rápido,
de par em par, o circundo,
balão vagabundo. 

Com um silêncio mouco
e gestos poucos e rotundos,
machuca-se profundo. 

Com um ó ao vento,
revela-se som tocado
de dó menor, infecundo. 

Com um ah! de alívio,
suspendo-me no ar,
gir´ando, pr´a lá e pr´a cá,
viro-mundo. 
 
 
 

Quando perco o sono,
ouço um hino de grilos,
a grilar-me, gritando no ouvido,
como sino de fazer olvidar
o ônus de não poder sonhar
com as Vênus de Milo.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Pensares a conta-gotas (252)


Haicais fingidos10

Mil e uma noites,
mil e um dias,
mil e uma fantasias. 

 

A verdade sempre aflora
do lado de fora
da história. 

 

Brincar de palavras,
brincar de escrever
pensares e vagares. 

 

A que servirão riscos
em laudas, ou n´água?
Esquecimentos. 

 

As vaidades
alimentam vidas,
e piedades devidas. 

 

Quem não joga dados?
Deus em nós,
ou Deus em si?  

 

Tudo passa:
o tempo, a alegria, a dor,
e o que resta de amor. 

 

No sol, as sombras.
Luz e solidão
dão-se as mãos. 

 

Cada um parece três,
casal se desdobra,
nem sobra indez. 

 

De madrugada, sono foge,
demora o dia,
mente vadia. 

 

Aurora, ninguém olha,
o galo canta,
do lado de fora. 


Dinheiro traz felicidade,
e leva a mocidade,
saudade. 

 

Sabores da vida:
amargo, doce, salgado,
e o Acre-doce.  

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Pensares a conta-gotas (251)


Haikais Fingidos 9

Assim é: ninguém erra 
uma única vez,
de má fé. 

 

Esconder dados:
tentativa frustrada
de se ocular, atrás do rabo. 

 

Transparência não é defeito:
a mente não mente,
para dentro do peito. 

 

Mentira tem pernas curtas,
braços longos, grandes mágoas,
mas não respira dentro d´água. 

 

Bate o pé na enxurrada,
água salpicará de vapores,
ardores da calçada. 


Que dor mais dói?
A dos poderosos, abastados,
ou a da mãe de caducados heróis? 

 

Tudo se mistura
a todo caldo e conteúdo
de cultura. 

 

Atuais futilidades :
distribuem-se, de graça,
em taças de cristais. 

 

Textos curtos, fôlego curto.
As histórias são longas,
de mais delongas. 

 

De Marte, a sorte
trará indícios de morte,
e sacrifícios.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Pensares a conta-gotas (250)


Apraz-me imaginar o que possa ter acontecido
nos já longínquos, inúmeros passados.
As facilidades do progresso das ciências
ainda não eram tão fáceis como as de agora,
ou as que ainda hão de vir de fora,
para dentro das cabeças mutantes
dos que sempre se concebem ignorantes.  

O sol era, quase, como o desse momento,
uma centelha só de mais luxuriante;
a lua pouco diferia em lume da desse instante,
mais amiga dos namorados e amantes;
as estrelas luziam bem mais mistérios,
de um céu menos hermético e distante;
e as pessoas eram tão adeptas da guerra,
quanto as de hoje, egoístas e dominantes. 

Só não era, ainda, o bastante,
a força enorme das insignificâncias dos togados,
nas atuais circunstâncias dos homens ilustrados,
que se veem cada vez mais ignorantes e pequenos,
porque quanto mais sidéreos, menos terrenos,
quanto mais olham ao longe, mais afastados,
quanto mais perto miram, menos enxergam,  
quanto mais procuram o diferente, 
mais indiferentes se apresentam a outras gentes.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Pensares a conta-gotas (249)


A poesia foge da corda,
da forca, da força bruta,
da forja, da bigorna
e do martelo.

Mas se extasia e exalta
a luta com os elos
de gemidos e gestos
ligeiros do ferreiro.

 

O que me valem os desejos,
se os ensejos menos se realizam
com o proveito esperado,
se o que vejo já não me vê direito,
nem lampejos são opções
para as ações que almejo? 

O que valem os profetas,
sem a quem dizer profecias,
em seus países ou fora deles,
se já não denunciam o que foge às regras,
como em relatos remanescentes,
nos espaços de tragédias gregas? 

Estariam os amantes das Artes
confinados, como gados,
desencantados dos novos tempos,
cada dia mais segregados,
fora dos acontecimentos? 

A tecnologia ofereceria
soluções totais, imediatas, “on line”,
aos que alimentam mais corpos
e cabeças ao vento, do que substâncias,
nos relacionamentos? 

Onde o suposto tempo economizado,
a paz prometida, o lazer multiplicado,
o esforço micro, o avanço direcionado,
o espaço absoluto e, sobretudo,
o somatório disso tudo? 

O Homem deixou de ser maiúsculo,
para ser apenas mais ensimesmado,
mais restrito a universos minúsculos,
adjetivados, rendidos, apequenados,
diminutos? 

Fala-se mais em sinais dos tempos,
mas o que se vê são tempos dos sinais
anormais, excepcionais, desiguais,
para portadores de necessidades especiais
a servirem de alimentos ao confinamento.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Pensares a conta-gotas (248)


Ao poeta ocorre escrever poesia,
com palavras mortas!
A outros, fazer a guerra
com palavras monstras,
e tortas. 

 

O poema pode, até, ser concreto,
dura mistura de pedra e cimento,
monumento. 

A prosa pode ser, até, concreta,
massa elástica,
de matéria plástica. 

O velho casarão da praça pode, até, ser solarengo,
sonolento, de janelas e portas abertas,
telhado discreto, tombado por decreto. 

A árvore pode, até, ser centenária,
abrigo de orfeões de pássaros,
alimento de cantos, sem tempo estéril. 

As paisagens podem, até, pintar montes e grutas,
povoados de pessoas brutas, imagens rudes,
e concretude de pensamentos. 

Mas a poesia é abstrata, 
discreta, sem se envolver
em invólucros concretos. 

Aérea, etérea, sidérea,
amante dos ares de liberdade,
o leitor vai buscá-la dentro de si, refrigério. 

Poemas, prosas, paisagens, pássaros,
e, até, pessoas avaras de sentimentos
podem sugerir imagens e-ternas.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Pensares a conta-gotas (247)

Haikais fingidos 8


Ando pesado,
carrego pe/n/sares
atrasados. 

 

Vivo só,
nessa poeira de sóis
e terras encobertas. 

 

Vejo-me bem longe:
poeira de nebulosas
me orbita. 

 

Não leio ligeiro,
estudo, primeiro,
nos livros, o mundo.

 

Quero ir tão longe,
quanto me permita o infinito
dividir os conflitos. 

 

Abraço tanta gente,
tantos lugares,  
dentro de mim. 

 

Viagens são sempre longe,
nesse espaço infinito
inatingível.  

 

Pedaços de mundos,
carrego no peito,
tortos e direitos. 

 

Beijo inesperado
traduz desejos
há muito a/guardados. 

 

Quem não se comove
em se ver definhar?
Morte ou vida?

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Pensares a conta-gotas (246)


(Haikais fingidos 7)  

Alma parte,
corpo se rende:
pó de vidro. 

 

Alma partida
corpo ao pó
descido. 

 

Não provo que falei.
Se falhei,
não aprovo. 

 

Destino traça caminhos,
que seguimos, tacanhos,
como estranhos. 

 

Voo devagar,
não leio livros,
estudo, ao crivo. 

 

Na chuva, árvore
chupa, ávida,
mel da terra. 

 

Poema medido
desânimo e graça 
do espontâneo. 

 

Poesia não teme
força, livre
de cruz e espada. 

        

Livros me olham
de soslaio, desafiam
estantes da vida. 

 

Campo sem flores,
girassol solitário
se desespera.
 
 

Vento forte
se mostra violento,
e sopra à morte.