quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Pensares a conta-gotas (163)


(A cadeirante ilustre)  

Ele passa, entre sombras da quadra,
na cadeira de rodas,
como que a empurrar o vazio.
Mãos alheias o conduzem,
ignorantes de seus feitos e feitios,
em grandes eitos. 

Onde a consciência sã, a temperança,
a alta acuidade dos mistérios dos gestos,
a experiência ilibada da ciência,
a efervescência da vontade de acrescer ao humano,
a nítida noção das causas e dos efeitos irrestritos,
as críticas fundamentadas na vida e circunstâncias? 

Esquecidos ficarão,
à distância,
como a outros benfeitores,
os ditos e escritos. 

Pernas e braços bambeiam o debilitado corpo,
gestos desconhecem a mente vacilante,
olhos não divulgam o caminho em frente,
ouvidos já não ouvem os passarinhos,
dedos não apalpam as rugas do tempo,
sabores derrancam com os insossos alimentos,
flores perdem os perfumes e frescores dos ventos.

Não mais escreverá livros ou poemas,
morrem-lhe os sentidos, antes atentos,
fogem-lhe os calores de amores,
como poeiras dos desertos maiores. 

Implacável, a degenerescência dos atos,
que nem exaltam mais a lembrança das obras,
nem dos homens as ilusões das distantes cavernas,
a rabiscarem artes nas paredes das eras. 

Efêmeros, o autor e a vida,
evanescentes, os valores da criação,
Assim, o passageiro, artista,
altruísta,
é levado por mãos distraídas.

Nenhum comentário: