segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Contos contados de Minas (56)


Natal e outras festas

 
            O primeiro natal na cidade foi um espetáculo estranho para aquele menino que, até então, morara no campo e nunca ouvira falar em Papai Noel. Lembrava muito bem de ter acordado, e, ao sair à rua, ver a meninada puxando carrinhos novos e coloridos, meninas exibirem, umas às outras, as bonecas de pano e louça, como se fossem bebês bem vestidas. Os adultos falavam em Natal e em Menino Jesus. Havia, também, as cores vermelha e branca, nos objetos de seu escasso conhecimento.

Em alguns cantos de rua, uma musiquinha leve dava certo tom de estranheza, e, na igreja, aonde ia acompanhando da mãe, que já não perdia a missa “aos domingos e dias santos de guarda”, sob pena de punição divina, muitos enfeites. Entre todas as atrações, aquilo que mais lhe pungia: as figuras do presépio, animais conhecidos, as três figuras dos reis magos que enfileirados e de tamanhos desiguais, para darem a ideia de que não viajavam pari passu e chegavam de lugares díspares. O menino Jesus era o centro de tudo e parecia bater os pezinhos e pernas gordinhos, com ares de contentamento, por se sentir tão querido.

            Os pais eram muito religiosos e, quando moravam na roça, na medida do possível, observavam os mandamentos da lei de Deus e da Igreja. Tudo foi se clareando na cabeça dele, depois que os pais mudaram para a cidade, com o objetivo de colocarem os filhos na escola. Quando lhe perguntaram se acreditava em Papai Noel, ele, primeiro, quis saber o que era aquilo. Depois, simplesmente, disse que não, e que, na casa dele, aquela pessoa não passava, e, menos ainda, deixava presentes. Pudera! Nem, mesmo, abraços recebia. Aos oito anos, estas coisas, de que só veio a conhecer aos poucos, nada significavam.

Em casa, nunca foi costume dar parabéns no “dia dos anos”, desejar votos de “Feliz Páscoa”, e “Feliz Natal e Próspero Ano Novo”, embora soubesse que os pais se lembravam dos aniversários dos filhos. Da Páscoa, pelo mandamento da Igreja, quando deviam se confessar e comungar, e do dia do nascimento de Jesus, por tradição, sem manifestações de cores. Preferia-se calar a se expor a fazer coisa que soasse artificialidade, por falta de costume. Não fazia diferença alguma, executar ou não atitudes de outros. Podia ser timidez, mas colocava-se em conta da tradição dos antepassados, gente rude e pouco afeita a se externarem sentimentos.

Quando o destino o levou à casa de formação religiosa, originária da França, forçoso foi acostumar com práticas que não lhe eram familiares. As festas religiosas eram realizadas com todo o requinte ritualístico que lhes convinha, e, depois das cerimônias, a mesa do refeitório ficava repleta de doces e chocolates, ao som de músicas clássicas e cânticos festivos. O Natal era o que mais marcava, além do domingo de Páscoa que vinha recompor as almas das tristezas, também, vividas nos cânticos gregorianos da Semana Santa.

Os freqüentadores daqueles recintos bucólicos da fazenda de Mendes eram oriundos das mais variadas regiões do centro-oeste, e nascidos de famílias, em grande parte, de descendência européia e camponesa. Quando alguém aniversariava, o diretor da casa interrompia o silêncio da refeição dispensava as leituras piedosas, para anunciar o nome do homenageado, pedir palmas, depois de cantar o “parabéns para você”. 

Um mundo diferente o desafiava culturalmente. No dia em que foi instado a escrever uma carta ao pai, pelo seu dia, não sabia como escrever. As palavras não lhe saíam do coração e, escrevê-las, sem senti-las, lhe pareceu uma violência de berço. Escreveu, porém, o que não sentiu. Tempos depois, soube que o pai, ao recebê-las, também não soube como se comportar. Afastou-se de quem pudesse assistir a uma possível fraqueza, com o extravaso de emoções, que ninguém poderia saber existissem. O afastamento físico do meio familiar não fora, porém, tão difícil, sem o contato do olho no olho ou a mão na mão. Tudo questão de formação, cultura, sem que isso mudasse sentimentos.

Tempos depois, acreditando-se recomposto daqueles velhos costumes, tentou parabenizar o pai pelo aniversário. Um primo o perguntara pela idade e dia dos anos. Por coincidência, aquele era o dia, e o primo o abraçou desejando-lhe saúde e felicidades. Presente ao ato, ele não pôde se omitir ou esconder gestos e palavras. Os sentimentos ficaram-lhe presos no peito, embora, naquela época, já houvesse deixado o seminário, e se conscientizara de toda a cultura que os formara, ao pai e a si mesmo.

Quando ocorre cobrarem-lhe pela frieza e pouca atenção, em festas cada vez mais comercializadas, nem sempre nascidas do convívio amigável entre as pessoas, a vontade, ainda, lhe vem de fugir, para, no escuro de si mesmo, formular os mais sinceros votos de bons desejos aos anfitriões.
            E o dia de Natal daquele distante primeiro ano de vida urbana é uma presença indelével em sua memória, desajustada desses tempos cada vez mais civilizados

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