sábado, 22 de agosto de 2020

Migalhas de Mim (53)

Digna morte 


A gente, quando não morre

de acidente ou enfermidade,

morre de idade, avançada,

falência completa dos órgãos,

de pouco pranto, muita memória,

justificativas resumidas

e irreprochável identidade.


Morre como o bicho do mato,

longe do predador ou do psicopata,

como pé de manga e laranjeira,

pé de jabuticaba e abacateiro,

carregados de copiosas frutas,

de não se saber como comportam

tantas e quantas progênies férteis.


Morre como árvores frondosas,

nativas de florestas densas,

milenares, parasitadas, musguentas,

e não enxertadas, artificialmente,

por mãos avarentas e traiçoeiras,

parceiras dos lucros insaciáveis,

no ávido lusco-fusco do dinheiro.


Jamais se deveria morrer precoce,

como frangos ou animais de granja,

como gados, recriados, esganados,

de olhos vendados, para comerem

de engorda, sem mudarem pés de lugar,

sem a graça de saborearem a vida,

dignamente, como ente ou gente querida.


Jamais se deveria morrer forçado,

programado, informatizado,

codificado, confinado para se finar,

sem se qualificar  como ser producente,

depositário de numerosas sementes,

dignas de longa descendência,

profusa e fecunda decência. 



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