segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Migalhas de mim (14)


O velho murcha,
em chão duro, a sol quente,
inelutavelmente,
como laranja chupada no pé,
bagaço, maracujá maduro.

A idade desfigura os dias,
carcome, impiedosamente
o corpo, há muito monumento,
a cabeça diminuída, esquecida,
as carnes do rosto macilento,
os olhos embaçados, fundos,
o nariz afilado, dependurado,
as orelhas de abas amareladas,
no vozerio do vento.

A boca fendida, de poucos dentes,
o queixo descaído, alongado,
o pescoço preso de barbelas e tiras,
o tórax arqueado de mirar o chão,
o peito seco, de fora e de dentro,
pernas, pés e mãos dominados,
braços sem ânimos e forças,
para apertos de esforços e abraços.

O centro de tudo desanima,
fica mudo.
Só o tempo permanece
intocado,
como sempre foi e será,
indiferente a tudo.

(Assim diz o velho,
demasiado lasso:
“quando não é uma coisa,
é outra” que rezo,
ladainhas de cansaços.)

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