terça-feira, 19 de julho de 2011

Contos Contados de Minas (1)

Introdução

Contos contados de Minas, do Mundo, por onde vaguei. Histórias que se somam para passar o tempo, e tirar tempo de quem reclama do pouco tempo. Ou para tentar trazer o sono, com a vantagem de se poder começá-las pelo começo ou pelo fim, pela cabeça ou pelos pés, pelo cabresto ou pelo rabicho, pouco importa. O que conta é o como se conta, e não o que se conta, contanto que se conte por achar bom, por reviver, por achar graça, por remoer e remexer em guardados, em balaios de de fornalha, onde nascem os gatos misturados a palha e sabugos de milho, que também servem para acender o fogo nas manhãs frias para o coar do café. Ou, dá-se fé, simplesmente, para o recordar dos fatos desmedidos, naquelas noites sem lua, sem vista, sem rádio, sem televisão, por vezes, até, de tédio. Só a imaginação como antena e o sonho de quarentena para melhor sonhar. 
Histórias para boi dormir, como se costuma dizer, histórias sem nem cabeça, de animais, reais ou inventados, da cidade ou da zona rural das Minas Gerais, que ainda povoam as boas lembranças da gente grande que somos, da gente miúda que fomos, da gente desocupada que seremos, de objetos, de andanças, de  ruas, de casas, de fazendas, de roças e de currais apaziguados, e muito mais. História da natureza, assombrações e variados sonhos. Contos contados.
Histórias de lembranças de animais domésticos, de muares, de eqüinos, de cachorros, de suínos, de bois carreiros. (Dois destes últimos foram o Mineiro e o Japão, diferentes nas formas, iguais na força, bois do carro de bois de meu pai, até porque muito milho carrearam para o paiol que alimentava porcos, galinhas, e até a gente, de canjica pisada no pilão, e de fubá para os bolos, no forno do fogão de lenha de minha mãe).  Lembranças de tantos bichos outros, sem se esquecer do Bolo-roxo, cavalinho franzino que mais valeu pelas vivências de um eu-menino, que sempre fui, do que pela quase nenhuma serventia na lida do terreiro, sonolento na beira do curral, lembrando um personagem-muar famoso das Minas do João Fabuloso.
Histórias de coisas corriqueiras, como a da varinha de parubinha, de costumes e de famílias. Histórias das Gerais, dos gerais, do descampados sem fim, dos lugares largados, sem dono e sem guardados, alheios e alienados. Histórias de vidas vividas, revividas, e para nunca mais, nesta vida de idas e vindas. Infindas.
Histórias para tantos que compartilham andanças com as demais pessoas de seu convívio, e que ficam por aí, pairando no ar, à espera de alguém que as faça prisioneiras do real, do papel, mesmo que sem a arte do colorido, do revisado, do cinzel. Se puderem agradar, que agradem, se não, que, pelo menos, se as ponha de lado, para que o tempo, cada vez mais curto e sem tempo, passado e futuro, só o presente a contar, ainda possa, quem sabe, delas se lembrar, e convertê-las em peças de desejos, para servir de algum prazer, porque de desprazer se é farto, no dia-a-dia dos remexidos dos quartos.
Tomem , dêem , sem muito planejar, que é assim que tudo começa, tudo continua, tudo acontece na mente de quem escuta, lê ou escreve, sem mais tardar, que o lema, aqui, é livre, ainda que tarde.

 

1- Cena de Minas


O pai de pouca prosa. A mãe de prosa pouca e determinada, sempre na lida da casa. Os dois filhos mais velhos, também, calados, treinados, acostumados só ao ordenamento dos olhos.
A vida, longe da cidade, corria nos compassos do natural do diário. De manhã, a mãe fazia o café, o pai tomava, os filhos também. Depois, era pegar a enxada ou a foice e rumarem para o serviço da roça.
O costume: os meninos só acompanharem com o olhar, para entenderem o traçado, a determinação. Hoje, a enxada ou a foice, amanhã, talvez, a foice ou a enxada, e seguiam o pai no sem-palavras da comunicação.
Tudo, todo dia, sempre igual.
Mas, de certa ocasião, o pai agiu diferentemente. Tomou o café e foi se postar, assentado, à porta de entrada da casa. Os filhos estranharam o modo e só se entreolharam, indagativos, desassuntados.
As horas foram se passando com o passar do sol, e os filhos de vez em vinham reparar, espiar e tomar tento. Mas o pai, no quieto, quando muito só dava uma saidinha para ir lá dentro, e retomava o assento, com ares de recolhimento.
A mãe, de costume, nem nada perguntava, na eterna mexida da casa.
Os filhos por ali, de vez, conferindo e não compreendendo o inusitado proceder do pai, daquele dia.
E, assim, foi-se o tempo diário num sem-que-fazer total, menos a mãe, que cuidava de seu igual, indo e vindo, varrendo a casa, arrumando a cozinha, preparando o sustento.
Manhã seguinte, no sempre indiferente da rotina, a mãe levantou-se, fez o café, o pai tomou e, também, os filhos, ali a postos, de olhares vagos e obedientes.
O pai rumou para o cômodo das ferramentas e pegou a enxada. Os filhos, logo atrás, o acompanharam, no gesto rotineiro do caminhar em direção à roça.
E foi aí, então,  que a mãe, da porta, ralhou: “Uai, Sebastião, você vai trabalhar numa Sexta-feira Santa?

2 comentários:

Anônimo disse...

Esperei pela prosa e não estava errado. O resgate dessa his(es?)tória, lá dos grotões de Monte Carmelo, prenuncia o que mais, de bom, virá.
P.S.: E que o conta-gotas continue a nos brindar com poesia, contraponto essencial à loucura do dia-a-dia.

Luciana Caixeta disse...

Tão pertinho de mim, mas foi por aqui, pelo blog, que suas histórias me encantaram. Continuarei seguindo as cenas dos próximos capítulos. Um beijo, pai.