Introdução
Contos contados de Minas, do Mundo, por onde vaguei. Histórias que se somam para passar o tempo , e tirar tempo de quem reclama do pouco tempo. Ou para tentar trazer o sono, com a vantagem de se poder começá-las pelo começo ou pelo fim , pela cabeça ou pelos pés, pelo cabresto ou pelo rabicho , pouco importa. O que conta é o como se conta, e não o que se conta , contanto que se conte por achar bom, por reviver , por achar graça, por remoer e remexer em guardados, em balaios de pé de fornalha , lá onde nascem os gatos misturados a palha e sabugos de milho, que também servem para acender o fogo nas manhãs frias para o coar do café. Ou, dá-se fé, simplesmente, para o recordar dos fatos desmedidos, naquelas noites sem lua, sem vista, sem rádio, sem televisão, por vezes, até, de tédio. Só a imaginação como antena e o sonho de quarentena para melhor sonhar.
Histórias para boi dormir, como se costuma dizer, histórias sem pé nem cabeça , de animais , reais ou inventados, da cidade ou da zona rural das Minas Gerais , que ainda povoam as boas lembranças da gente grande que somos, da gente miúda que fomos, da gente desocupada que seremos, de objetos , de andanças , de ruas, de casas, de fazendas , de roças e de currais apaziguados, e muito mais. História da natureza, assombrações e variados sonhos. Contos contados.
Histórias para tantos que compartilham andanças com as demais pessoas de seu convívio , e que ficam por aí, pairando no ar , à espera de alguém que as faça prisioneiras do real, do papel, mesmo que sem a arte do colorido, do revisado, do cinzel. Se puderem agradar , que agradem, se não , que, pelo menos, se as ponha de lado , para que o tempo , cada vez mais curto e sem tempo, passado e futuro, só o presente a contar, ainda possa, quem sabe, delas se lembrar, e convertê-las em peças de desejos , para servir de algum prazer, porque de desprazer já se é farto, no dia-a-dia dos remexidos dos quartos.
Tomem lá , dêem cá , sem muito planejar, que é assim que tudo começa, tudo continua, tudo acontece na mente de quem escuta, lê ou escreve, sem mais tardar, que o lema, aqui, é livre, ainda que tarde.
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1- Cena de Minas
O pai de pouca prosa. A mãe de prosa pouca e determinada, sempre na lida da casa. Os dois filhos mais velhos, também, calados, treinados, acostumados só ao ordenamento dos olhos.
A vida, longe da cidade, corria nos compassos do natural do diário. De manhã, a mãe fazia o café, o pai tomava, os filhos também. Depois, era pegar a enxada ou a foice e rumarem para o serviço da roça.
O costume: os meninos só acompanharem com o olhar, para entenderem o traçado, a determinação. Hoje, a enxada ou a foice, amanhã, talvez, a foice ou a enxada, e seguiam o pai no sem-palavras da comunicação.
Tudo, todo dia, sempre igual.
Mas, de certa ocasião, o pai agiu diferentemente. Tomou o café e foi se postar, assentado, à porta de entrada da casa. Os filhos estranharam o modo e só se entreolharam, indagativos, desassuntados.
As horas foram se passando com o passar do sol, e os filhos de vez em vinham reparar, espiar e tomar tento. Mas o pai, no quieto, quando muito só dava uma saidinha para ir lá dentro, e retomava o assento, com ares de recolhimento.
A mãe, de costume, nem nada perguntava, na eterna mexida da casa.
Os filhos por ali, de vez, conferindo e não compreendendo o inusitado proceder do pai, daquele dia.
E, assim, foi-se o tempo diário num sem-que-fazer total, menos a mãe, que cuidava de seu igual, indo e vindo, varrendo a casa, arrumando a cozinha, preparando o sustento.
Manhã seguinte, no sempre indiferente da rotina, a mãe levantou-se, fez o café, o pai tomou e, também, os filhos, ali a postos, de olhares vagos e obedientes.
O pai rumou para o cômodo das ferramentas e pegou a enxada. Os filhos, logo atrás, o acompanharam, no gesto rotineiro do caminhar em direção à roça.
E foi aí, então, que a mãe, da porta, ralhou: “Uai, Sebastião, você vai trabalhar numa Sexta-feira Santa?
2 comentários:
Esperei pela prosa e não estava errado. O resgate dessa his(es?)tória, lá dos grotões de Monte Carmelo, prenuncia o que mais, de bom, virá.
P.S.: E que o conta-gotas continue a nos brindar com poesia, contraponto essencial à loucura do dia-a-dia.
Tão pertinho de mim, mas foi por aqui, pelo blog, que suas histórias me encantaram. Continuarei seguindo as cenas dos próximos capítulos. Um beijo, pai.
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