quinta-feira, 21 de julho de 2011

Contos Contados de Minas (2)

A Varinha de parubinha

Isso mesmo, de parubinha, de peroba, com a permissão das gostosas variações lingüísticas que só o falante sabe inventar. A varinha estava ali, havia uns quinze anos, atrás da porta, desde bem antes de sua morte e da morte do amigo que lha presenteara. Além de amuleto, para quem costumava mexer com gado, ela ainda trazia a marca da saudade da pessoa que a tinha ferrado, com ferrão bem pontudo, envolto em uma proteção de metal, para melhor fixação. Fraca, não serviria para a lida dura do curral, mas de rara beleza, bem escolhida no mato e, sobretudo, de tamanho e curvas que a marcavam como verdadeira obra de arte. Era de parubinha, sim senhor, como já se disse, e conforme não poderia deixar de ser, segundo o prometido. Anos e anos, muitos mesmo, se passaram, sem que ela ali chegasse, como acabou chegando. Depois, ficou esperando por outro dono, que se relembrasse da sua história, para continuar significando o que significara para seu ex-dono: um valor de pura amizade, ou melhor, de amizade pura.
Fora presente de um amigo do falecido pai, que assim relatou o acontecido. Um presente singular, segundo ele, pois que, embora prontamente prometida, não chegara, assim tão pronto, às suas mãos. E isso se deu assim: ao ver aquela varinha com o amigo, em um canto de caminho, admirou nela a arte do artesão, bem achada e acabada, já que tão bem torneada pela natureza. Além do mais era de parubinha. Da admiração à promessa de recebê-la como lembrança foi um pulo. Mas, a doação só se concretizaria, caso o adquirente a fosse buscar na casa do promitente, para complemento da cortesia, ao que o primeiro, também, por não menor delicadeza, condicionou o recebimento do presente a que o amigo a fosse, igualmente, levá-lo à sua casa. E, assim ,foi que o ganhador não ia buscá-la, nem o doador a vinha trazer, para concretização do  ganhado e o do prometido. Estas eram as descumpridas regras.
Quando acontecia se encontrarem, nos compassos das estradas, lá vinha a cobrança, a réplica e a tréplica: “E a minha varinha de parubinha?”. “Ela está lá em casa, esperando a sua visita”. “Você é que tem de ir lá na minha, levá-la”. E assim se passavam os anos, com os encontros acontecendo, as cobranças se renovando e as condições se condicionando: “E a minha varinha de parubinha?” “Vai lá em casa buscá-la, que ela está esperando você”. “Não, você é que tem de levá-la, lá em casa, que eu estou aguardando sua visita”.
O amigo mudou-se para a cidade. Ele ficou sabendo, mas não o procurou, esperando pela sua presença, nem este veio visitá-lo, na quase certeza de que ele acabaria por aparecer em sua nova casa, e, em conseqüência, apossar-se da tão cobiçada varinha.
O tempo foi passando e as idades fazendo rasgos na pele de ambos. Um dia chegou a notícia: o amigo estava doente, muito doente. Ele precisava ir visitá-lo com a urgência que os dias exigiam. Mas, não se sabe como, nem por que força estranha, uma vez mais adiou a ida. Deixava para depois, como nos tempos do vem-não-vem e do vai-não-vai. Um lampejo feriu-lhe os ânimos e resolveu ir. Alguma coisa, um pressentimento lhe dizia que o tempo minguava perigosamente.
Encontrou o amigo na cama, já bastante debilitado, sem muita esperança de dali poder se levantar. Conversaram. Relembraram o passado, desde os tempos de rapazes, de recém-casados, de vizinhos, até que o esgotamento dos assuntos trouxe de reboque à lembrança a varinha e seus atributos, talvez última demonstração imposta pela amizade que sempre os unira: “E a minha varinha de parubinha?” A resposta não se fez esperar. “Está ali, atrás da porta, escutando a nossa conversa”. Já meio engasgado pelas palavras, o moribundo providenciou a busca da empoeirada varinha e a entregou, solenemente, ao prometido dono, com a emoção que o  instante ditava. O visitante trouxe-a para a casa, como se carregasse consigo, na alma, o amigo, que se foi com a brevidade que a morte permitiu. Anos depois, foi a vez dele também partir.
Agora, os dois, meu pai e o Zé Vieira, se encontram em alguns desses lugares etéreos e infinitos, sem precisarem se convidar para irem um à casa do outro, porque a casa é uma só, capaz de abrigar todos quantos se uniram por meio de amizade tão verdadeira. 
O atual portador dessa varinha é, também, o desta prova de amizade, impressa na pele lisa da rama que a viu nascer.

Um comentário:

Anônimo disse...

Joaquim,
A varinha de perubinha está guardada com você? Achei que uns dos personagens era Zé Evaristo e não o Zé Vieira...