domingo, 17 de janeiro de 2021

Migalhas de Mim (74)

 Velho cimento

 

Assim era meu corpo nu

aquecido do seu corpo num 

só conjunto de calores

úmidos de sal e suores

de ofegantes amores.

 

Esse um já foi comido

de olhares vorazes

em tempos há muito idos

quando de tecidos lisos

recobertos de pendores

os regavam fé e favores.

 

Mas, agora, ora!

anda muito resumido

da cabeça aos pés

pedaços sem abraços

tronco alquebrado

sem ação, sem aço

membros impotentes

conformes nos traços

ventre evidente, disforme.

 

Cabeça esquecida, desnudada

crânio ofuscado

face chupada, descorada

boca incontida, inconfidente

queixo afunilado, proeminente

olhares distantes

pescoço afilado, desequilibrado

sentidos distraídos

ares perdidos nos instantes.

 

Peito encolhido, murchando

costelas-palito, emergindo

braços largados, alquebrando

cotovelos-graveto, partindo

mãos pingentes, pesando

dedos sempre pedindo frentes.

 

Dorso cadente, corcovado

pele de maracujá, enrugada

veias enroladas, caracóis,

pernas-cambito polidas

joelhos anquilosados, pesados

pés dormentes, pisados

artelhos de nós, enrolados

perfil varado sob lençóis.

 

Triste fim adjetivado

para quem já foi gente graúda

ser mais substantivado

de rompantes tonitruantes

de dons reais, edificantes

de quilates tais, até estéticos

agora esqueléticos, indiferentes 

na poeira ignota não reagente.

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