Avós paternos do autor, pais da 1ª tia |
Um polaco, na madrugada do meu avô
(In memoriam de Isordina Caixeta, 1ª de sua geração de Caixetas, finada em 20/8/2011)
Meu avô agonizava, em um quarto escuro , à luz de lamparina , as largas e altas janelas fechadas para não deixarem entrar a aragem fresca da escuridão de uma madrugada triste. O cavalo-madrinha da tropa batia, num continuum, o polaco, no curral, ao lado da casa grande . Não se sabe se de tristeza , ou se apenas para acostumar os ouvidos dos outros animais , na maioria burros e mulas , com o som daquele instrumento pouco sonoro e mais parecido com o silêncio estranho de outros mundos . Quem quiser tirar disso uma prova basta-lhe andar pelas estradas de Galícia e Portugal, conferindo aquela sonoridade, que parece vir do fundo dos tempos e de páramos etéreos.
Contrariamente aos hábitos daquelas regiões, meu avô gostava de tocar umas modas de viola, instrumento que ganhara de um tio da mulher . (Quando pego na viola / pra tocar umas modinhas / lembro-me bem de você / minha doce Sinhazinha. Ou, então: Peguei na viola / comecei a cantar / ela assentou-se ao meu lado / pra melhor me ajudar). Pouco se sabe de suas alegrias ou tristezas, uma vez que morreu cedo , com apenas 36 anos de idade . O som do polaco , no pescoço do cavalo-madrinha, deu ao moribundo , naquela noite, a nota final para o mote da viagem que acabou fazendo, antes de uma outra que ainda estava nos preparativos para os dias próximos.
Guimarães Rosa , em seu "Cara de Bronze" , soube traduzir aquela cena lúgubre, que trago comigo das lembranças que me contou uma tia, filha mais velha de meu avô , que , à época , contava apenas 10 anos de idade . Meu pai, o segundo de uma nova geração de Caixetas, ficara com 8, além da responsabilidade de conduzir os negócios do pai e da mãe, viúva aos 27 anos de idade.
O moribundo já havia realizado outras viagens a Formosa dos Couros, na longínqua Goiás, para comprar gado. Aguardavam-no a tropa reunida, as selas revistas, as mulas de carga escolhidas, os burros e animais de sela repassados, os apetrechos de cozinha , os peões , os acompanhantes , o cozinheiro , e, sobretudo, o cavalo-madrinha, que, mais experiente , devia fazer o ponto de união da tropa , nas passagens difíceis dos gerais , sem cercas nem beiras, e muita poeira nas longas marchas estradeiras.
Meu avô pouco se importava com alguns problemas de saúde que a sorte o fizera carregar. Um deles provinha de acidente com uma roda de carro de boi desgarrada do eixo, que passara sobre seu quadril, amassando-lhe os rins . Devido a esta fatalidade , nunca “prestara”, e havia mesmo ocasião em que precisava pedir ajuda a uma bacia de água, postada ao lado da cama, para estimular-lhe a premência de urinar. O ruído do líquido, certamente, lhe facilitava o fluxo. Outro incidente, este de fogo vindo do céu , sob forma de raio em dia de tempestade, lhe queimara o peito, vitimando o burro que montava. O choque deve ser sido, mesmo, fulminante para alguns de seus já debitados órgãos urinários, pelo que se contou e pelo tempo que ainda durou. E, naquela noite de 2 de fevereiro , já no segundo casamento, 6 filhos , enquanto o cavalo-madrinha fazia soar o soturno polaco no curral , meu avô morria.
O pagamento , em dinheiro vivo , ficaria na confiança que sempre depositava no Geromo Bina, depois do gado comprado e já transladado. Os assentamentos, em letra caligrafada, sempre bem guardados na gaveta do armário de bálsamo, que dividia a sala dos espaços do vasto salão, atestava a seriedade com que trazia os negócios. Na primeira página do caderno, uma nota confirmava: “hoje , 2 de fevereiro de 1910, eu , Anicésio Vieira Machado , completo 20 anos de idade ”. Um pouco mais abaixo, alguns apontamentos : “comprei do fulano de tal tantas cabeças de gado, por tanto, com pagamento para a data tal”.
3 comentários:
Nossa pai, o nome fulminante veio depois do fato ocorrido com seu avô? Não sabia dessa história! Que triste! Como seu avô sofreu! Uma roda de boi passou em cima do seu quadril e depois foi atingido por um raio? Faleceu tão novo! Apesar de triste, bonita história!
Que história fascinante!!!
Pesquiso a Família Caixeta há 30 anos! Quais os nomes completos de seus pais e avós?
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