sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Contos Contados de Minas (15)

A “com´é que chama”

O vocabulário, como sempre, limitado ou apenas sugerido. Mais do que palavras, os gestos explicam. Coisas da roça, do pouco falado, no sempre afobado momento do sem-saber como mandar, da pouca leitura ou do não se conseguir comunicar. O laconismo na conversa se traduz na idéia dos atos sugeridos, autoritários. Costume de consagrar o respeito a todo preço.
Com os de mais pouca idade, então, só a agudeza do olhar, o aceno mais brusco devia bastar. Nem carecia de mais demora na explicação. Fechar a cara e ir comandando de rompante resumia a curta fala: “Vai lá dentro e traz a... a... a ‘com´é que chama’!. Depressa !”.
O menino não tinha tempo, nem podia retrucar, perguntar o nome da tal “com´é que chama” de tanta necessidade, e, ao mesmo tempo,  tão carregada de imprecisão. Tinha que sair correndo, reconstituindo a cena desde o momento da premente carência do tal objeto, adivinhando, pelo caminho, a serventia que lhe seria destinada. E trazê-lo, por mais incógnito fosse, o mais depressa possível.
Assim, diante de tais freqüentes situações, era imperioso pensar, bater cabeça, relembrar a cena, do começo ao fim do serviço em execução, que justificasse a tal urgência. Caso trouxesse a ferramenta trocada, ou um objeto qualquer, incorria no risco de levar reprimenda, além de ter que rebuscar caminho para, num pé lá outro cá, identificar uma outra “com´é que chama”  que atendesse o objetivo desejado.
Não havia escolha, não havia erro, só lugar para acerto, por meio da adivinhação, da perspicácia e inteligência de meninos de roça, que não eram, como nunca foram, tão “rudos”, como ainda, comumente, se apregoa. Ou a eles creditam os inexperientes garotões das urbes.
Nestes muitos recantos das Minas, a “com´é que chama” ainda impera no elenco escasso do palavreado das gentes pouco dadas à comunicação dos lábios, e continuará sendo a ferramenta para indefinidas serventias. Apenas para alguns, cada vez mais raleados interlocutores, ela será passível de adequada significação nos gestos.

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