O burrinho sabiá
Esta história , na verdade , não é a do burrinho Sabiá , que era manso, apesar de velhaco e empacador, muito n atural da raça, ou melhor, da carência dela, que burro é animal híbrido, infértil e de atitudes inesperadas. Fazê-lo mudar de idéia , e pôr-se em marcha , demandava esforço. Se convencê-lo a sair de casa já traduzia dificuldades, voltar para casa, então, contrariava o que se poderia, à primeira vista, imaginar. Ainda mais porque, ele conhecia sobejamente, aqueles caminhos, a ponto de poder andar, até, de olhos vendados.Talvez pensasse que , se saísse tinha que voltar , e, se voltasse, tinha que sair novamente . Melhor ficar onde estava. E fincava o pé, murchava as orelhas, empacava, e pronto ! "Daqui ninguém me tira", devia pensar!
Ocorre que meu pai ganhara, também , recentemente , de agrado, um punhalzinho, que , orgulhosamente , exibia preso à cinta, e que, ainda não lhe tinha servido, por falta de ocasião . E esta logo se apresentou, como se verá, e foi assim :
Foi aí que meu pai se lembrou do punhalzinho que trazia bem embainhado, à cintura . Jogou a vara fora, retirou a faquinha da bainha, segurou-a firme, e, com a mão que estava livre das rédeas, a plicou, com a força de que dispunha, uma estocada bem na anca do teimoso animal . Com o susto, ele pôs-se, novamente, a andar , talvez sentindo que o sangue já o molhava anca abaixo .
Foi, então , que meu pai olhou e pensou: “Como vou fazer , agora , para contar o mal feito ? Se contar , acabo apanhando, se não contar acabam descobrindo e me batendo! O castigo vai vir , na certa !”
Duas vezes , a caminho , apeou do burrinho , encheu as mãos de terra e tentou estancar com ela o sangue que insistia em escorrer pelas pernas abaixo. O que fazer , então ? Confessar o acontecido? Não confessar?
A mãe estranhou a sem-graceza do filho , mas nada perguntou. Meu pai estava inquieto, não esquecia do ocorrido. Temia pela vida do burrinho e pelas conseqüências de sua impensada atitude . Por umas duas ou três vezes foi ao pasto verificar se o sangue estancara. Lá, jogava mais terra na ferida que parecia não se fechar mais .
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