quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Contos Contados de Minas (11)

Porco magro, porco solto no terreiro

De longe, fora do perigo de uma dentada atrevida ou raivosa, eu assistia ao meu avô no cuidado com os porcos, criados, naquele tempo, soltos à larga na natureza.
As porcas davam cria na beira do rio, onde o sapé não mais disputava espaço com os outros capins. Simplesmente, dominava a várzea. Lugar ideal para animal se esconder e não ser encontrado, bicho-fêmea parir em paz, suas crias de instinto selvagem.
         Quando uma porca ou marrã amojada não comparecia para o milho da tarde, meu avô ia preparando o jacá, para buscar a ninhada na manhã seguinte, antes que os leitõezinhos mamões ficassem espertos e se enfiassem pelo capinzal a dentro, ou fossem comidos por algum predador esfomeado.
         No jacá ele colocava umas espigas de milho descascadas e uma outra ao natural, para, com o barulho da palha, chamar a atenção da porca parida de que ali tinha comida. Ela, com a fome do cansaço de horas de parição e das primeiras mamadas, se distraía com a ração e permitia a meu avô cuidar dos leitões, colocando-os no balaio.
 Primeiro, ele pegava uma porção do abundante sapé que a parturiente viera cortando com os dentes afiados, como se fosse parir uma centena de leitões, e com ele acamava o fundo do cesto de bambu. Uma verdadeira devastação o que o instinto materno da porca fora capaz de fazer. Depois, era preciso ficar atento para achar o ninho, e dentro dele a ninhada de leitõezinhos amontoados uns sobre os outros para intercambiarem o calor. Enquanto isso, a mãe faminta mastigava o milho, meio distraída e afastada dali. Todo cuidado era pouco, porque ela poderia resolver, sem mais nem menos, se voltar contra o intruso que lhe roubava as crias. Aí, só mesmo com a vara de bambu, que meu avô nunca esquecia, poder-se-ia conter a fúria instintiva do animal.
 Quando a porca era de primeira cria, os cuidados se redobravam, que nada de mais perigoso que uma fera daquela, recém parida, na proteção dos filhotes. E, depois, os leitões, parece, eram avisados de antemão a gritarem o quanto pudessem, em caso de qualquer agressão. Guinchos de leitão miúdo e friorento é de furar os tímpanos de um vivente. Aliás, diz-se que porco é o animal que grita mais alto e estridente, em relação ao tamanho. No desespero, então...
Depois de tudo arrumado no balaio, os bichinhos sossegavam em cima do capim, e meu avô tomava o caminho de casa com a ninhada nas costas. Para que a mãe não tivesse algum rompante e viesse em defesa de seus leitões, que, agora, apenas resmungavam, ele ia debulhando uma espiga de milho pelo caminho, com a mão que lhe sobrava livre. Aconteceu de eu-menino cumprir tal tarefa. Deixava cair, aqui acolá, uns poucos bagos, só para distraí-la, até chegarmos novamente ao terreiro.
Ali, ele dava um jeito de acomodar mãe e filhos em lugar onde pudessem correr menos perigo. Com o passar dos dias, os porquinhos, bem rechonchudinhos, de rabinhos em parafuso, iam se tornando cada vez mais atrevidos, reclamões de comida, com o leite da mãe escasseando e não os contentando mais. Ela, , agora, era toda calma, magrelona, de tetas bambas, murchas, dependuradas, sem muito ânimo para brigas e intrigas no chiqueiro.
Acontecia, também, de os porcos magros de meu avô, apesar dos cuidados e do milho abundante no paiol, darem de entrar nos quintais dos vizinhos. Comiam mandiocas, chafurdavam na lama e na terra seca, fuçavam e arrombavam açudes de regoágua. Se encontrassem uma roça de milho, então, já quase granado, faziam a festa, e estragos, na certa. Aquilo  desassossegava qualquer vivente, o mais condescendente. Alguns, para cobrar a dívida, ou fazer desfeita, cortava-lhes um pedaço da orelha, o que significava grave provocação, suficiente para dar cabo a sólidas amizades.
         Já, no chiqueiro, o porco não amolava ninguém, reclamava de comida, dormia e engordava, até que a necessidade da casa os fizesse virar banha de lata. Segundo gente entendida, porco só tem, mesmo, duas funções no mundo: comer e mais comer, para depois ser comido.

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