terça-feira, 30 de agosto de 2011

Contos Contados de Minas (8)

Cachorros de Roça, guardiães dos campos (3)

Tejo foi mais um cão que só deixou saudades na fazenda de minha infância, muito mais pela carga semântica que o nome sugere, do que pelo simples ouvir contar de prováveis façanhas. Fez-me parceria, quando vivia solitário, menino de roça, ainda sem irmãos, e sem crianças de vizinhos para brincar. Nem mesmo sabia que a vida, por mais sozinha que seja, não pode ser assim tão solitária, a ponto de não se contar com um animalzinho de companhia.
Hoje, seu nome de batismo me faz entender o porquê de termos, na família, os pés bem plantados em terras de Portugal. Atávico sentimento não poderia nos faz esquecer de tão longínquos laços. Um tio-avô também possuíra, se sabe, um cão com esse nome, que, certamente, o trouxera de um imaginário coletivo, ligado, mesmo que só no inconsciente, à ascendência lusitana.
Meu pai, à época, ao dar nome ao bichinho, nunca poderia imaginar que o grande rio ibérico me serviria de inspiração, algum dia, pelas tantas vezes visitado. “Da Torre de Belém o Tejo é mar / Lisboa rema meus pensamentos / inundados de saudades / tão portuguesmente impressas em mim.“ (...); “... e o Tejo a correr indiferente / as bem comportadas águas / dóceis e indolentes.”
As poucas lembranças daqueles princípios de vida me trazem uma cena triste, a que assisti nos terreiros da casa de meus pais, ainda nas beiradas do Brejo Comprido, córrego de águas claras e mansas, hoje, infelizmente, poluídas pelo progresso das granjas de suínos, que a tudo vencem. Vislumbro um homem, vizinho e compadre de meus pais, como depois vim a saber, com uma espingarda a tiracolo, e a missão de matar nossos cães. Um cachorro solitário e desconhecido passara por aquelas bandas, com sintomas de hidrofobia e, como não podia deixar de ser, tivera um entrevero com os cães das redondezas,  no sem-destino da enfermidade.
A solução, naquele tempo, só podia ser a eliminação dos possíveis futuros cães raivosos. Sem compreender o alcance de tão inusitado gesto, assisti ao sacrifício de um dos nossos. Julgaram, entretanto, que um outro, por ser de pelos longos e não apresentar nenhum sinal de mordidas, não carecia de ser sacrificado. Tempos depois, este, também, começou a mudar o comportamento, escondendo-se e recusando comida. Meus pais, conforme sabiam, chamaram novamente o dono da espingarda, para se livrarem do vírus contagioso.
Nunca soube que destino levou meu cachorro. Só sei que, muitos anos depois, seu nome ainda batizou mais dois outros de meu convívio, um fila que pouco viveu, por efeito de nó nas tripas, e um outro, que passou a fazer parte de uma seleta de textos, nascidos para honrarem alguns seres da Natureza, sem fronteiras, a exemplo do Rio Tejo de lá, e dos cães do lado de desse Atlântico, revoltoso mar.

Nenhum comentário: