sábado, 3 de dezembro de 2011

Contos contados de Minas (26)

Seu Lazinho e os remédios da madrinha

Seu Lazinho era casado com a Escolástica e foi buscar remédio para a doença nos olhos da filha, e dilatar, por mais alguns dias, pelo prazo de arranjar um automóvel, que pudesse levá-los até Campinas, lugar de mais recursos, como havia feito, por diversas vezes, o vizinho Cesário, quando do incômodo nas vistas da filha Luzia.
A “madrinha Borges” era nora do Zeca Joaquim, conhecedores das artes de cura com remédios caseiros. Para tanto, bastava-lhes dar uma saídinha na horta ou no cerrado, ali, por perto, que logo iam reconhecendo ramos e raízes para os males que afligiam os humildes moradores do lugar. A fama de conhecedora das mezinhas, que sanavam os males mais corriqueiros, corria longe e, até, algumas vezes, conta-se, curara males sem cura. Vira e mexe batia à sua porta alguém precisando de umchá”. “Meu filho amanheceu assim, minha filha anoiteceu assada, eu, há muito, não ando prestando para o serviço, a minha mulher vive reclamando de dor nas cadeiras, minha mãe, coitada, está morre não morre, que nem se pode pensar”. E, assim, era o debulhar de um rosário de queixas.
A “madrinha” dava um jeito em quase tudo, até em gente que sofria “acesso”, uma espécie de convulsão epiléptica devida a misturadas de comida. A tal misturada fazia estragos, e menino danado devia saber que manga com banana, com leite, com ovo, com jabuticaba, provocava a tal doença que deixava seqüela para toda a vida, como aconteceu com o filho de fulano, com a filha de sicrana, com o pai de beltrano. Garapa de cana depois das refeições chamava “corujão” outremelique”, na certa. È bem verdade que mais tarde se soube, que aqueles temores significavam rapaduras a mais no jirau por sobre a fornalha ou na despensa.do casarão. Mas, disso, ninguém mais tem noção. Coisa dos antigos donos de engenho, mantidos à custa de mão de obra cativa e comilona.
            Seu Lazinho, naquele dia, queria o tal remédio para a filha, enquanto providenciava o “especial” que pudesse levá-la em centro mais garantido. Com olhos não se devia brincar, que “as vistas eram o bem mais precioso com que se possa contar”. A viagem devia ser longa e cara, mas Seu Lazinho tinha folga de arcar com todas as despesas, embora dinheiro não fosse assim de se gastar com facilidades, de pensamento ruralista como ele.
A "madrinha" aconselhou-o a ir lavando os olhos da menina com um capucho de algodão embebido em xixi de criança de até dois anos, enquanto esperasse. A água, onde se descansasse um raminho de arruda, também seria de grande valia.  Assim, Seu Lazinho voltou para casa confiante, e com a alma mais sossegada.
 Dias depois, chegava, novamente, Seu Lazinho, de passos largos à casa da “madrinha” para agradecer-lhe pela cura da filha. O tal medicamento fora um santo remédio. Curara o mal e, ainda por cima, fê-lo economizar o dinheirão da viagem até Campinas.
Com o tempo esse tipo de charlatanice foi caindo em desgraça com as facilidades de se conseguir solução diretamente nas farmácias da cidade. Nem manipular os farmacêuticos precisavam mais, com as multinacionais do ramo a abastecer farmácias e drogarias. As leis foram ficando mais rígidas com aqueles que se atreviam a “medicarpor conta própria. Sumiram os raizeiros, escassearam os conhecedores dos princípios ativos das plantas. O Aristeu, por exemplo, de Grupiara, nas vizinhanças do Paranaíba, não deixou discípulo que soubesse preparar as “garrafadas”, que gente de longe vinha aviar. A “madrinha Borges”, quando muito, deixou laivos de crença, a correrem nas veias de seus pósteros.
           Entretanto, ainda sói aparecer, diante das câmeras de tevês, algum corajoso adepto das mezinhas, a relembrar remédios passados. Talvez, até, pela estranheza do mesmo, ou por ter ouvido falar dos antigos parentes charlatães, sem se esquecer de acrescentar a fórmula redentora de “em caso de dúvida” não deixar de procurar o médico. Há também os descrentes da modernidade, e dos donos de negócios fármacos rentáveis, na cada vez mais pouca saúde e educação, no país das incertezas.

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