O marido da professora
O menino era bom menino , bom aluno, e admirava muito a professora, que dele parecia também gostar . Ele tinha por ela muitos bons sentimentos , como , aliás , soe acontecer com a maioria dos antigos alunos de escolas primárias. que , adultos, guardam as melhores lembranças de suas primeiras mestras.
Ele sabia, também , onde as professoras moravam. Aliás , quase todos os alunos de cidade pequena sabem onde moram as professoras, de que cor são suas casas , quantas janelas têm e, até , a marca e a cor dos carros que, eventualmente, ficam estacionados nas garagens .
Também, os filhos das professoras são bastante conhecidos , sobretudo, se não correspondem à imagem de comportamento e civilidade a eles atrelada. As professoras costumam manter, em sala de aula, rígida disciplina com relação à postura e aos bons costumes de seus alunos. Assim, em casa , presume-se, deve acontecer a mesma coisa que na escola. Daquela professora, em especial, o menino estava muito bem informado, pois todo dia passava em frente à casa dela, de volta das aulas.
Os maridos das professoras, por sua vez , não costumam escapar à observação atenta dos alunos de suas esposas. Talvez , até , por merecerem uma ponta de ciúme por parte deles. Afinal , eram concorrentes na divisão dos afetos . Naquele tempo , elas, além de mestras, eram educadoras e distribuidoras dos carinhos , que, na maioria, os alunos tinham carência nas próprias famílias.
Entretanto, o marido , no caso , mereceu ficar mais tempo na memória do menino , bem mais do que os outros maridos de professoras daquela pequena cidade do interior das Minas Gerais . E isso se explica e se escreve, para consolo ou catarse de quem, ainda, o conserva bem vivo na lembrança.
Um dia , lá vinha o menino passando novamente diante da casa da professora. O marido estava do lado de fora, parado na calçada , de costas para o gradil , novinho, como até ali o menino nunca notara. Parecia olhar para o tempo , para o vago, como sem saber o que fazer com as mãos , abertas, em busca de inspiração para algo desconhecido . O menino o reconheceu e, humildemente, correspondeu ao seu olhar indagativo. Ele , o marido , nem conjeturou sobre quem desviava os olhares, quem era quem, embora soubesse que não era, aquela, a primeira vez que o via passando por ali , admirando-lhe a casa e a pessoa.
Mas aí é que está a chave da história . Ao notar aquele menino de olhar admirativo , uniformizado, egresso de alguma sala de aula nos arredores , de mãos ocupadas com os objetos escolares , o ar submisso de quem guarda uma reverência incontida , prova de respeito aos mais velhos e, mais ainda , àqueles ou àquelas cujo destino alçou à categoria dos que ensinam as boas maneiras , dirigiu-se a ele e, num gesto inusitado, afagou-lhe os cabelos , com mãos escorregadias de veludo, como somente um marido de professora teria a idéia de o fazer.
Aquele gesto não era um simples gesto, de alguém que afaga só por afagar , de quem só acaricia por acariciar . Era a postura esperada de quem só podia depositar um carinho condizente com a investidura do insigne posto de cônjuge de professora. Quem mais poderia ter a idéia de semelhante atitude, assim, na calçada , bem em frente ao gradil de sua casa, à vista de mais pessoas? Assim, pensou o menino.
Isso feito, apressou os passos, adiantou caminho , satisfeito , feliz , a alma parece que , naquele dia , mais leve . Que bom ser querido , premiado com carícias oferecidas, tão espontaneamente, ainda mais em se tratando do próprio marido da professora! Ela , própria, quem sabe, nunca poderia dedicar gesto tão cheio de afetividade a seus alunos . Parecia-lhe, até, que o caminho de casa encurtara, tão doces os pensamentos que acompanhavam-lhe os passos. Afinal, não era qualquer menino de escola a merecer a sorte de sentir em sua cabeça mãos tão caras, como aquelas do marido da professora.
Chegou em casa , depositou, como sempre , os objetos de escola no lugar costumeiro . Tirou o uniforme para não sujá-lo, deixando-o dependurado atrás da porta do quarto, em ordem, para o dia seguinte . Vestiu a roupa da zurra diária , já um tanto enxovalhada. Lembrou-se, mais uma vez , do afago de há pouco , oferecido pelo marido da professora. Esta nunca passaria, assim , por tão repetidas vezes, as mãos na cabeça dos alunos, acariciando-lhes os cabelos . E, para , mais uma vez reviver aqueles afetuosos momentos, tão significativos em sua ainda pouca existência , passou, ele próprio , as mãos por onde havia pouco deslizaram mãos tão honradas.
Mas um
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