terça-feira, 9 de outubro de 2012

Contos contados de Minas (52)

Escuridão, escuridões

Nunca havia pensado, até então, em escuro absoluto, ou quase. Sempre haveria mínima centelha de luz por onde andamos. Mesmo quando se entra em uma caverna, a muitos metros da superfície da terra, há um fóton qualquer, um verme, um inseto luminoso a nos fazer companhia. Se saímos à noite, na escuridão de breu, quando as nuvens carregadas de chuva mal esperam para desabarem, uma luz de estrela, mesmo de viés, consegue enxergar nossa insignificância.
Uma lenda indígena faz-me repensar os antigos conceitos sobre escuridão total, ou quase, e sua existência. Os índios, que a grande parte de nós ainda julga atrasados, incapazes de pensamentos mais profundos, encontraram um exemplo de breu absoluto, ou quase. Não sei bem como tomei conhecimento dela, se de ouvir falar, se por meio de alguma leitura. Sei que veio dos índios, e a lenda diz, mais ou menos, assim;
No início do mundo, só existia a luz. Era dia o tempo todo, e a escuridão estava aprisionada dentro de um coco. Mas, um dia, um índio deixou o coco cair. Este quebrou e a escuridão fugiu, dividindo, com a luz, a presença no mundo. Assim, nasceram dia e noite.
Imaginei-me, então, dentro de um coco. Certamente, lá ficaria totalmente no escuro, não veria nada, nem mesmo as paredes brancas das castanhas. O tato, o paladar, o olfato seriam os únicos sentidos a me guiar. Poderia explorar as rugosidades das castanhas, o sabor e seu perfume. Não ouviria o rumorejar da água, nem os ruídos vindos do lado de fora. Nada, a não ser que o coco contivesse ar, lá dentro. Os olhos estariam cegos para a luz do lado de fora. Seria como um surdo-mudo desprovido de visão. Mas isso são questões para cientistas,pessoas de alto rigor e precisão nas assertivas..
A lenda indígena me leva, também, a pensar nos sentidos que nos guiam. Sem eles o que seríamos? Haveria algum ser vivo a possuir outro tipo de sentido que não os nossos cinco. É claro que, dependendo de cada indivíduo, poder-se-ia privilegiar algum deles mais do que outro, segundo as necessidades da sobrevivência. Há animais que aprimoram o tato, outros o olfato, outros a visão, outros a audição, outros o paladar. Nas mulheres, a intuição, por força de maior responsabilidade na procriação e continuidade da espécie humana, que bem pode parecer um sexto sentido. Que o diga, A. Einstein: “Não existe nenhum caminho lógico para o descobrimento das leis elementares – o único caminho é o da intuição.”
Uma pessoa, desprovida da visão, da audição, da fala, restando-lhe somente o tato, o paladar e o olfato, pôde comunicar seus sentimentos e, até, escrever a história de sua vida, de seu mundo peculiar. Mas, quanto de si, teve que doar para tanto esforço à procura do diálogo com os comuns dos mortais. A falta de comunicação seria como nascer dentro de um coco, sem saber que poderia se quebrar, um dia.
A fuligem que saía do bico da lamparina de querosene ou dos poços de azeite de mamona das candeias, dependuradas nas paredes das casas, que impregnava pulmões, não era tão negra como a noite absoluta do índio. A picumã, formada da fumaça e do óleo das lenhas queimadas no fogão de barro, há gerações pregada nos caibros e telhas por sobre a fornalha, mesmo que, de vez em quando, retirada para tingir os fiados de algodão e lã das fiandeiras e tecedeiras, não devia ser tão negra, como a escuridão do coco quebrado do índio. Nem a cera que a abelha arapuá retira das resinas, e tinge, para calafetar as entradas de sua cachopa negra, poderia se comparar à escuridão que um coco foi aprisionando, desde quando o coqueiro o gerou de um cacho de flores e odores.
           Talvez, a escuridão de certas pessoas, cheias de maldades, se comparasse àquela que o índio deixou escapar do coco lendário. A noite não consegue apagar as luzes das estrelas e dos pirilampos. Mas o breu das mentes belicosas é bem mais escuro e desprovido de luz e calor.

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