quinta-feira, 22 de março de 2012

Contos contados de Minas (41)

             Estranho duelo 

Duelar consigo mesmo. O tal TOC, talvez, de que se fala tanto? Voltar sobre os pensamentos e passos. Desandar o já andado para se sentir desafiado e satisfazer o que, aparentemente, poderia parecer esquisitice ou doidice. Desafio da própria vontade, ou da vontade própria, quando o que mais costumara ouvir dos pais era o de quemenino não tem querer”! Ele não sabia nem poderia saber, o que era aquilo que vinha de dentro de si, o de estar andando, por exemplo, e de repente aflorar-lhe à cabeça aquela idéia estapafúrdia, para não dizer maluca, de olhar para trás e dizer a si próprio: “você não é capaz de voltar até... àquela porteira, que ficou lá bem atrás, até...aquela árvore solitária, que já se apequenou, até...aquele caminho que...!”
Ele parava a caminhada, se estivesse a , ou o cavalo, se estivesse montado, e ficava lutando consigo, para ver se ainda se convencia a não executar aquele penoso descompasso. Era duelo de morte, psíquica, que lhe mortificaria o corpo. Onde se viu botar o tempo a perder e recomeçar, gratuitamente, um pedaço de caminho caminhado, para não ser por si chamado de “cagão” ou de coisa pior! Melhor seria prosseguir e ver se esquecia aquilo! Mas não, a idéia martelava-lhe a cabeça: “cagão”, “frouxo”, “covarde”, “pau mandado de pouco querer”! E por vai ou ia o conflito e os desafios. Sem poder suportar tanta tortura, o jeito era voltar até o ponto pré-determinado e esquecer, logo, aquilo de vez, para se sentir em paz.
Estes dilemas aconteciam com freqüência. Bastava ter pressa de fazer alguma coisa, de executar um mandado de “um pé lá outro cá”, proferido pelo pai, como o de ir, por exemplo, à casa de fulano para um recado, tinha que refazer caminho. Depois, restava-lhe tirar a diferença do atraso nas passadas largas, ou nas esporadas e cutucadas com os calcanhares na barriga do cavalo. Era um tormento, quando, sem mais nem menos, sobrevinha-lhe a dita cuja: “você não é capaz de”. Além do mais, ainda ficava preocupado se não estaria sendo observado, naquelas atitudes inconseqüentes e, no mínimo, suspeitas. Felizmente, nunca fora surpreendido nesses vai-e-vem sem explicação, a não ser por si mesmo, que permanecia sempre indagando a razão daquilo tudo.
Disso, nunca conseguiu se livrar, e, ainda hoje, bem andado pelos caminhos da vida e de largos espaços do mundo, costuma ter que repetir alguns atos feitos, porque aquele mesmo desafio de “você não é capaz de”, vir-lhe, subitamente, à cabeça. Será que, ainda, poder-se-á dizer que, depois de trocar o papel de menino pelo de adulto, continuará a pensar que a maturidade também não tem opinião, ou “querer”, sobre as fracas vontades,  perante um inexplicável desafiar de si próprio?
Nunca pôde compreender o porquê de sempre ouvir falar, desde aqueles começos de vida, sobre vontades, força de vontade, boa vontade, falta de vontade, pouca ou muita vontade, renúncias de vontade própria, por imperiosa que fosse, ao se propor seguir carreira, na qual teria de colocá-la nas mãos de um superior que lhe cobraria atitudes, segundo o que prescreve a obediência, ou a aceitação passiva da vontade alheia. Teria sido, pelas tais esquisitices que, tempos depois, o motivo alegado para o seu desligamento da tal confraria fora o de que sempre apresentara dificuldades para se adaptar à espontânea renúncia da vontade própria?
O desafio ao querer pode bem ser um reforço na vitória do bem-querer. Ou, então, que a vida é um contínuo desafiar-se de si mesmo, por mais estranhas as circunstâncias. 

Nenhum comentário: