sábado, 21 de janeiro de 2012

Contos contados de Minas (35)

             O canto da sabiá

            A sabiá cantou, e quando a sabiá começa a cantar, demora a parar. O bichinho tem fôlego comprido, o peito roxo de paixão demorada. Entretanto, o Vevê põe-se em tristeza, as lembranças começam a despertá-lo e o empurram para a bandeada vida. E, aí, não mais consegue ficar em casa, cumprindo saudade aprisionada por cima de cama em meio a lençóis e cobertores desfeitos. Comicha o coração, que parece querer lhe sair pela boca seca de tanto tentar esquecer não sabe bem o quê. Só sente um pinicar-lhe, por dentro, no peito.
            Umas voltas pelo largo do povoado aliviará seu desassossego e o levará, forçosamente, em direção à maldita venda, onde, sabe, com toda a certeza, não resistirá à tentação do convite de quem lá já terá chegado primeiro: “Vamo tomá uma?” E aí tomará uma, depois duas e depois umas, já esquecido da conta e do que lhe acontecerá depois.  Sabe-se fraco. “O bom é a tonteira. Da pinga, mesmo, nem gosto sinto”. Só sente no corpo as dores do dia seguinte, quando lhe começa a moer o corpo por tudo quanto é lado, e a cabeça mareia e a boca pede água de tão seca. O jeito é ficar na cama, olhar pro teto sem saber bem o lugar onde está.
            O dia custa a passar e lá vem a sabiá de novo com seu canto comprido e triste: “fia fino, fia grosso, ti´Antoio, fia fino, fia grosso, ti´Antoio”. O coração amolece diante de tanta beleza, com as tristezas misturadas pela vida. É saudade que chega não se sabe de onde, nem de quem. É o tempo que passa e demora a passar, para, quando chegar a perceber, já a barba cresceu, o cabelo pintou e a vaidade se foi sem poder voltar.
            No “Pinga-Fogo” é sempre assim. A venda enche nos finais de semana. Os homens vão chegando como que não querendo nada. Os que chegaram primeiro, já entornaram o copo e enxugaram a boca na manga da camisa. Ainda não soltaram as palavras, que ficam presas lá dentro, forçando passagem para sair. Depois do segundo gole vão ficando alegres, e começam a dizer coisas sem muito sentido, que eles mesmos acham graça.
            O vendeiro, pela força de servir os que vão chegando, de detrás do balcão, parece querer dar o exemplo de como enxugar, nos conformes, os copos de fundo grosso. E é um, e é dois, e é três que não tem indez, e faz como os que pedem mais uma, sem mencionar a qualidade da cachaça. No final, também ele se sentirá perdido, como seus clientes, caído sem ser na rua, mas no sofá da própria casa. Aí, entra a mulher para continuar o ramerrão da lida da venda, sustento da família. ”Êta, vida marvada”!
            O tempo, sempre o tempo, devagar, por demais, nos finais de semana! O Vevê não para de beber e já não pensa em comer. A fome não vem, e ele vai enfraquecendo, a cabeça e as pernas. Vem a magreza, e as veias vermelhas começam a marcar-lhe o rosto, riscar-lhe de azul, bem por sobre o nariz.
            E a sabiá canta, que canta, sem nem limpar a garganta. Agora é um casal que escolheu justo o seu quintal para arrumar um lugar de criar a família, numerosa. Serão mais sabiás para cantar, convidando a alma do Vevê a perambular e a passar diante da venda, à espera do convite, que a solidão há anos lhe vem fazendo. Quando a sabiá não canta, o silêncio é que, certamente, o levará ao passeio solitário e premente. “Fia fino, fia grosso... ti´Antoio”!

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