quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Contos contados de Minas (33)

            Cine-grátis


A criançada ficava alvoroçada, quando o carro de som passava pelas ruas da cidade, anunciando, para aquela tarde, na praça da cidade, a projeção de mais filmes, grátis. Nem ao menos conhecíamos o que significava aquele “grátis”, mas corríamos para a praça dos boiadeiros, soltos como a imaginação.
Assentávamos no chão, diante de uma tela fixada a um poste, e assistíamos a filmes do Mazzaropi, de Charles Chaplin, do Gordo e o Magro, dos Três Patetas ou, sabe-se lá, de quem ou sobre o quê mais. Quaisquer imagens projetadas na tela nos divertiam. Depois, voltávamos para casa, de alma leve e a cabeça ao vento, desconhecendo distâncias e cansaço. As idéias fervilhavam e iriam trabalhar nossas mentes para o resto da vida. Por algum tempo, permanecíamos, assim, no aguardo de novas passagens do carro de som, ou de algum menino que viesse propagar antecipadamente: “hoje tem cine-grátis”.
Importante, também, era a magia que o próprio nome “cine-grátis” exercia, que os filmes e seriados da matinê dos domingos, nas salas de cinema da cidade, nada tinham de tão atraente. E não era todo mundo que podia freqüentar aqueles recintos confortáveis. Muito menino teve no “cine-grátis” sua iniciação nas artes do cinema mudo e, até, de vez em quando, falado.
O operador devia ser um amante do cinema, de cujas preferências e intenções quase ninguém podia estar ciente, naqueles lugares distantes dos centros urbanos mais civilizados. se sabia que um carro velho com alto-falante, de quando em quando, passava pelas ruas anunciando “cine-grátis” para a meninada. Do responsável pela iniciativa, pouco se sabia ou se procurava saber.
Muitos anos, mais tarde, se soube, que ele, o ilustre e incógnito distribuidor de cultura gratuita, quando não tinha filmes para fazer o de que mais gostava, espalhar o prazer da arte cinematográfica, emendava pedaços de filmes, que acontecia ter que cortar, e os projetava para não privar de alegrias o seu público, sem deixá-lo na mão, mesmo desconhecendo suas artes e manhas no cumprimento despojado de um dever seu.
Para aquelas crianças, o enredo, a trama, não era o que mais interessava. O bom consistia em sair alvoroçados para a praça e aguardar impacientes a exibição dos filmes, mesmo que fossem simples imagens desconexas projetadas na tela. A ligação comCinema Paradiso”, de Giuseppe Tornatore, faz-se de imediato, que o célebre filme italiano surgiu tempos bem depois daqueles idos dos anos 50.
           A criatividade daquele artista, anônimo e distante, que, consciente ou  inconscientemente, tanto despertou o nosso imaginário e fantasias, que, provavelmente, antecipavam de alguns anos o prazer das artes das imagens em movimento, deve ser reverenciada. Talvez, agora, ao colocarmos um DVD em nossos, cada vez mais modernos aparelhos de projeção, e ao nos instalarmos, confortavelmente, em salas particulares de cinema, nem mais nos lembremos de um homem abnegado, de saudável e saudosa memória, que nos levava a sonhar, quando o sonho ainda privilegiava poucos felizardos da sorte e do dinheiro. O “Cine-grátis” da praça era uma sala ao ar livre do cinema Paradiso, lá da distante Sicília.

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