terça-feira, 14 de julho de 2020

Migalhas de Mim (43)


Por que uns e não, também, os outros?

Enquanto pobre luta, sofre, morre,
rico se asila, do aeroporto ao conforto,
e convive com festas e licores,
longe dos dissabores
da miséria alheia!

Enquanto pobre é forçado à guerra,
rico a incrementa com perigosas estratégias,
a abastece de alimentos, dilata os prazos,
cria armas, assiste ao massacre,
longe das fronteiras!

Enquanto pobre olha pro céu,
temendo que bombas e balas assassinas
caiam-lhe sobre a cabeça rifada,
rico vai com a família
ao cinema das tardes de Paris.

Enquanto pobre pega, na mochila esfarrapada,
marmita de boia fria, pisoteia enlameada trincheira,
rico se refestela com finas iguarias,
nos restaurantes de quantas estrelas,
da cidade luz.

Enquanto pobre cura feridas incuráveis,
tenta esquecer os maus momentos da refrega,
dorme, ainda, assustado com o ruído das bombas,
rico volta, de avião ou navio, ao país arrasado,
para colher os louros da vitória sem sentido.

Enquanto pobres, viúvas e órfãos de pequena idade
choram seus mortos soterrados no anonimato,
ricos assumem postos os mais elevados da governança,
da justiça, da saúde e demais órgãos de abastança,
ostentando nos peitos estufados medalhas da vã glória.

Enquanto pobres tombam no esquecimento,
ricos riem e mandam esculpir os nomes,
nos frontispícios da fama, cantos de ruas, monumentos,
e se autoproclamam heróis legítimos
da pátria reconhecida.

Mas, por que sempre foi assim, desde tempos inglórios da Historia,
enquanto o pobre se mutila ou perece, como coturnos surrados,
na reconstrução de igrejas, catedrais e palácios da posteridade,
clérigos, nobreza rezam uma prece pelas almas do purgatório,
candidatos a céu eterno, de muitos prazeres e angélicos sossegos?

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