sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Contos contados de Minas (23)

História de carrapicho viajante


Não me largam do pé, ou melhor, das barras da calça, meus conterrâneos carrapichos. É sair no terreiro, vêm eles, irmanados, a me agarrarem com seus milhões de tentáculos. Depois é aquela peleja e paciência de Jó para retirá-los e devolvê-los ao terreiro, mesmo sabendo que cada carrapicho desgarrado são mais tantos outros carrapichinhos, iguaizinhos aos primeiros, insistentes e colantes, querendo se multiplicar, para continuar a existir e repassarem suas qualidades de plantas viajoras.
Não sabem falar, pedir, solicitar, gritar por ajuda, é claro. Isso não faz parte de sua natureza vegetal, e são discretos. Talvez, por isso, se grudem, assim com tanta força, na ânsia de trocarem de morada, procurarem viajar para perto ou, até, para bem distante. Acho que foi neles que se inspirou o inventor do velcro, sem conseguir, é claro, a perfeição da natureza. Esta, sim, pode até inspirar, mas jamais permitirá cópia fiel de suas artes ou manhas.
Os carrapichos são o exemplo desse apego. pode ser, que constituem população tão numerosa na face do orbe. Sem muita exigência, podem se adaptar a qualquer clima, a qualquer situação, a qualquer lugar ou país, que para isso nem carecem de permissão ou visto de entrada ou saída. Imagina-se um carrapicho sozinho, nas dobras de calça, de meia ou de cadarço de sapato, passando despercebido de qualquer inspeção mais detalhada de alfândega, de porto ou de aeroporto. Em chegando, nos destinos os mais imprevistos, por via de água de sabão, canos largos ou estreitos de alguma máquina de lavar, rios subterrâneos, como os de Paris, por exemplo, o carrapicho salta em terra e, solto, cria família. Depois, é enviar os filhos para mais outras partes do mundo e salvaguardar as heranças genéticas, desde sempre, cada vez mais ajustadas.
Inúteis? Nem tanto. Trazem em si, o remédio para muitas curas. Carrapicho de grama, estes, rastejam, para se defenderem de levar tantas pisadas na cabeça, e conservam mais do que outros de sua espécie ou família, em suas folhas pequeninas e redondas, os princípios ativos de aliviar dores as mais diversas. Para se saber a que vêm nas curas, pergunte-se às pessoas que vivem mais próximas da natureza e mais longe do comércio das farmácias.
Mas, voltemos à baila, para uma aventura ou viagem que se propõe contar, tendo como acompanhante de travessias o personagem de milhares de aderentes perninhas. Foi à França, mais precisamente a Paris, em passagem pela Fulminante, que tomei, sem saber, evidentemente, um carrapichinho de grama, como companheiro. Ele se apegou a mim, (afeiçoou-se?) que não me largou da calça, durante todo o percurso da viagem, que foi longo. Viajou a pé, de carro, de ônibus, de avião. Conheceu pós, poeira, fuligens e alturas. Agruras também.  Mas agüentou firme, no seu intento de levar seus dotes para outros lados do mundo.
(Imagino que carrapichos, ao deixarem os seus, para nunca mais se verem, o façam como aqueles imigrantes europeus e asiáticos ao se despedirem de seus familiares, para se fixarem em outras terras, continuarem existindo, se proliferando, conscientes de que a vida deve continuar em qualquer lugar. E estão sãos, salvos e bem contentes, em seus descendentes.)
O certo foi que quando chegamos, o carrapicho e eu, à cidade-luminosa, ficamos por um certo tempo sem sabermos o que fazer, onde morar e como nos portar diante das incertezas de todo chegante sem destino a lugar desconhecido. Meio , meio , desnorteado.
Somente alguns dias depois pude me desprender daquele, até então, incógnito acompanhante. Ao lavar a minha calça, empoeirada e suada, como bem se pode imaginar, pelos humores ali impregnados, de espaços variados, notei que um carrapicho me acompanhara. podia ser um daqueles representantes, habitantes do torrão. Meu instinto primeiro foi me livrar dele. Passei-lhe sabão na cabeça, esfreguei-lhe o corpo rispidamente, para que se desprendesse nas águas ensaboadas Pareceu-me relutante, mas era a impressão.  Desgarrou-se e tomou rumo da corrente, que de água era o que mais precisava, depois de dias a seco.
Foi, assim, o carrapicho procurar refúgio em alguma terra receptiva. Por deve ter renascido, criado família. Hoje, com toda a certeza, envia seus filhos para novos outros lugares do planeta, agarrados a alguma calça desavisada de passante, transeunte, como eu, amigo das distâncias.
E, assim, a vida flui, para eles, os carrapichos, como para nós, seus semelhantes, viajores, passageiros e, ao mesmo tempo, sempre resistentes à extinção, na continuidade dessa existência terrena.

Um comentário:

Anônimo disse...

!!!

Caio Tiburcio