Não me largam do pé, ou melhor, das barras da calça, meus conterrâneos carrapichos . É só sair no terreiro , lá vêm eles , irmanados, a me agarrarem com seus milhões de tentáculos. Depois é aquela peleja e paciência de Jó para retirá-los e devolvê-los ao terreiro , mesmo sabendo que cada carrapicho desgarrado são mais tantos outros carrapichinhos, iguaizinhos aos primeiros, insistentes e colantes, querendo se multiplicar , para continuar a existir e repassarem suas qualidades de plantas viajoras.
Não sabem falar , pedir , solicitar , gritar por ajuda , é claro . Isso não faz parte de sua natureza vegetal , e são discretos . Talvez , por isso , se grudem, assim com tanta força , na ânsia de trocarem de morada , procurarem viajar para perto ou , até , para bem distante . Acho que foi neles que se inspirou o inventor do velcro, sem conseguir , é claro , a perfeição da natureza . Esta, sim , pode até inspirar , mas jamais permitirá cópia fiel de suas artes ou manhas .
Os carrapichos são o exemplo desse apego. Só pode ser , já que constituem população tão numerosa na face do orbe . Sem muita exigência , podem se adaptar a qualquer clima , a qualquer situação , a qualquer lugar ou país , que para isso nem carecem de permissão ou visto de entrada ou saída . Imagina-se um carrapicho sozinho , nas dobras de calça , de meia ou de cadarço de sapato , passando despercebido de qualquer inspeção mais detalhada de alfândega, de porto ou de aeroporto . Em lá chegando, nos destinos os mais imprevistos , por via de água de sabão , canos largos ou estreitos de alguma máquina de lavar , rios subterrâneos, como os de Paris, por exemplo, o carrapicho salta em terra e, solto, cria família . Depois , é só enviar os filhos para mais outras partes do mundo e salvaguardar as heranças genéticas , desde sempre, cada vez mais ajustadas.
Inúteis? Nem tanto . Trazem em si , o remédio para muitas curas . Carrapicho de grama, estes , rastejam, para se defenderem de levar tantas pisadas na cabeça , e conservam mais do que outros de sua espécie ou família , em suas folhas pequeninas e redondas, os princípios ativos de aliviar dores as mais diversas. Para se saber a que vêm nas curas , pergunte-se às pessoas que vivem mais próximas da natureza e mais longe do comércio das farmácias.
(Imagino que carrapichos , ao deixarem os seus , para nunca mais se verem, o façam como aqueles imigrantes europeus e asiáticos ao se despedirem de seus familiares , para se fixarem em outras terras , continuarem existindo, se proliferando, conscientes de que a vida deve continuar em qualquer lugar . E cá estão sãos , salvos e bem contentes , em seus descendentes .)
O certo foi que quando lá chegamos, o carrapicho e eu , à cidade-luminosa, ficamos por um certo tempo sem sabermos o que fazer , onde morar e como nos portar diante das incertezas de todo chegante sem destino a lugar desconhecido . Meio lá , meio cá , desnorteado.
Foi, assim , o carrapicho procurar refúgio em alguma terra receptiva . Por lá deve ter renascido, criado família . Hoje , com toda a certeza , envia seus filhos para novos outros lugares do planeta , agarrados a alguma calça desavisada de passante , transeunte , como eu , amigo das distâncias .
E, assim , a vida flui, para eles , os carrapichos , como para nós , seus semelhantes , viajores, passageiros e, ao mesmo tempo , sempre resistentes à extinção , na continuidade dessa existência terrena .
Um comentário:
!!!
Caio Tiburcio
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