segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Contos contados de Minas (22)

Currais de tábuas e porteiras de varas

Pois é, ainda pequeno, ele já dava seus passeios a cavalo, por lugares que o pai dizia conhecer como a palma da mão. Saía da Fulminante e rumava por caminhos dos Caixetas, Capoeirinhas e “Trás-da-Serra”, para alcançar terras do Serrote, onde nascera o pai e ficara de herança para a irmã, conhecida no lugar, pelos parentes mais chegados, como Nonoca, cujo marido, inusitadamente, não trazia nenhum sangue misturado aos da família dela.
Ele ia, de leve, chicoteando o cavalo por aqueles retalhos e atalhos de caminhos, enquanto rememorava o roteiro prévio traçado pelo pai: “até os Caixetas não carece de mais explicação; depois, é passar o córrego assim-assim, pegar a porteira da direita, seguir pelo trilho que dá na estrada boiadeira e aprumar na serra, até defronte a uma casa de oito janelas azuis;  ganhar de novo a estrada, descer no regoágua, subir o morro e chegar no Mato-escuro; atravessado o mato, você vai avistar as terras do tio fulano; seguir pela beirada da cerca, (tomar cuidado para não beirar muito o arame farpado e machucar as pernas); passar a porteira na fazenda do tio Sicrano; não esquecer de fechar e puxar a tramela, e continuar até pular a linha de automóvel; as terras mais à frente são as do tio Beltrano”. Assim, de ir e vir, por adiante, o menino não costuma esquecer, mesmo que as explicações fossem um rosário de contas, sem contas. Nas porteiras de varas precisava apear para puxar o varal e tornar a colocar todos os varões, um a um, no orifício de onde saíam.
Nesse vai-e-vem, reconhecia as alturas e rompia os caminhos, as baixadas, os beira-córregos, as capoeiras e morros para acabar chegando na casa dos tios e parentes, depois de passar por casas grandes e pequenas, currais de tábuas e porteiras de varas, cancelas e colchetes, nomes que, por aquelas redondezas, lhe feriam os ouvidos para nunca mais se esquecer. Alguns cuidados eram por demais necessários, e as recomendações do pai, que sempre antecediam os passeios, se comprovavam deveras exatas.
Cavalgava-se muito, à época, à mexicana, ou à brasileira à moda do sertão, as pernas quase que soltas dos lados, o amontoado do corpo pesando mais sobre a forquilha dos quadris, do que sobre os estribos esticados, compridos, quase que para o caso de precisar montar e remontar o cavalo. Modo indígena, talvez, menos civilizado. Os arreios de cabeça favoreciam o segurar com uma das mãos livre, por precaução com algum inesperado solavanco mais brusco do animal. Um chamado “cutiano”, sem orelhas, sem muita firmeza às mãos e pernas, se apropriava mais aos adestrados peões, que podiam carecer de um salto ao chão, com a rapidez de mosquito a esfregar os olhos.
Costume de grande serventia para neófitos, como, no caso, era o estribo dos arreios ser de forma a não deixar que o atravessasse o arco e, assim, impedir, na ocorrência de queda, que se ficasse preso pelo e fosse arrastado pelo animal assustado. Também, o coxinilho sobre o arreio deveria estar bem preso por uma cinta, para amortecer o peso do corpo, sem escorregar e levar o cavaleiro da sela ao chão.
O pai recomendava, ainda, quando soltava o filho inexperiente na estrada, que ficasse atento às barrigueiras do arreio, sem deixar que este adiantasse ou atrasasse no lombo da montaria. Antes de apear e remontar, não se esquecesse de sempre verificar se a sela estava firme, os baixeiros permaneciam em seu devido lugar. Com arreios e arreatas seguros, cavaleiro atento cai se o animal tropeça, o que era difícil acontecer com a animália acostumada. Se se tratassem de burros ou mulas, a segurança redobrava, que tais cavalgaduras, de mais segurança, não trocavam os pés pelas mãos, colocando-os onde não deviam. Na dúvida dos caminhos, dizia o pai, bastava bambear a rédea e deixar o animal decidir, por si só, o que fazer, por onde passar, que caminho tomar, já que estavam bem adaptados a bandear por aqueles sobes-e-desces costumeiros.
Todavia, o andar a cavalo vira lembrança ou perde o lado rústico. As longas jornadas, a passeio ou a serviço, por lugares inóspitos, , quase, não se repetem mais. Os cavaleiros escasseiam, os animais já não são mais treinados a terrenos desconcertados. Os enduros, de agora, os tropeiros diletantes, em passeios agrupados, assistidos por todos os aparatos, que a   tecnologia e a segurança preconizam, se distanciam do viver daqueles tempos em que Guillaume de Saint-Hilaire descreve em suas “Viagens”. Montar era necessidade de tropeiros, no transportar víveres e mercadorias pelos sertões. Somente a saudade, ora, se aguça, ao se falar de antigos caminhos, currais de tábuas e porteiras de varas, beiras de regos d´água, monjolos a socar o tempo e o milho das horas certas.
          Para se dar ao prazer de uma boa e bela montaria, nada como a solidão das estradas, o reavivar da memória, o mugido das vacas enciumadas de seus bezerros tenros, do latido de cães guardiães de terreiros, do balanço de um bom cavalo, bem treinado e alimentado no capim meloso, com toda a vontade de vencer as distâncias, os suores, o vento e o sol dos calores.

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