A lagarta e o Sansão
No início , não sabia que aquela plantinha, verdinha, tenra e débil , merecedora de todos os cuidados no transportar , trazia em seu currículo genético tão fortes pendores. Desalojou-a de mirrado vaso , sem quase nenhuma terra e nutrientes, e transplantou-a para um recipiente maior, com boa terra e água abundante . Sem falar que lhe reservou um canto privilegiado da jardineira do apartamento . Nestas circunstâncias , só restava ao novo morador crescer e fortalecer seus galhos e espinhos curtos e desafiadores.
Quando viajou de férias, deixou avisados os de casa, que não esquecessem de dar água às plantas das jardineiras , entre as quais contavam algumas mudas de pau-brasil e ipês brancos . Os paus-brasil não eram desprovidos de espinhos, mas, estes, ele sabia que, somente mais tarde, iriam merecer cuidados especiais, quando já transplantados na natureza. Os ipês , coitados , eram inofensivos por natureza, e, desde sempre e para sempre, de flores efêmeras.
Vai lá , um dia , ele notou que um galhinho seco, um graveto, ajuntava-se a outro galho do tronco , a exemplo da hipotenusa aos dois catetos do triângulo retângulo . Aquilo lhe chamou a atenção pelo lado inusitado da ocorrência. Galhos de árvores raramente se ligam daquele modo . Observou melhor, e chegou, até, a apalpar-lhe a textura. Era macio , de coloração ocre-amarelada, contrastando com o verde vivo da planta . Demorou a compreender o mistério : era uma lagarta , o tal apêndice. Ela usava seu mimetismo para não se deixar levar a nenhum, ou ao primeiro olhar de malfeitor. O curioso é que ele não lhe faria mal algum, até porque tencionava mostrar aquela graça da natureza às outras pessoas da família .
Enquanto isso, o espécime crescia, crescia e mostrava nas garras o vigor de persuasão . Não se sabe que instinto destrutivo se apossou dele, o dono, que resolveu aplicar um jato de sulfa na incipiente árvore, para protegê-la de mais alguns outros parasitas , como algumas cochonilhas, por exemplo, que já o tinham elegido, como fonte de alimentação para si e a, também, prolífera família. Neste afã de proteção , a lagarta solitária não deixou de receber, impensadamente, uma boa doze de veneno . Horas depois ele a viu dependurada por um fio de seda, ao sabor do vento . Ficou entristecido com aquele gesto cruel, de ataque a um mero individuo indefeso que revelava tão aperfeiçoados dotes de sobrevivência.
Felizmente, para alegria sua, em visitas diárias, sem perturbar-lhe o sossego, ele a assistiu soerguer e procurar novamente seu habitat no aconchego do Sansão. Tinha curiosidade em ver até onde iria aquela engenhosidade. Mas a pobre lagarta não crescia, parecia não comer, como é próprio de outras da mesma espécie, animais devoradores por natureza .
E, assim, em um triste dia, ele não mais a viu. Procurou-a de todo o jeito , mesmo que somente para dar-se conta de que as técnicas de mimetismo do inseto não lhe passariam mais despercebidas. Não o encontrou, nem como galhinho seco, nem sob a forma de casulo, como seria o normal da conseqüente metamorfose. Não podia pensar em algum pássaro predador que o tivesse colhido em vida, na jardineira da janela de um apartamento.
Caso tenha conseguido sobreviver àqueles duros desassossegos, mudando-se de forma , para se livrar de curiosos ou de predadores, só resta lhe tirar o chapéu, para tantas astúcias que só a natureza sabe tecer . Quanto ao Sansão, este vai ter que se mudar de lugar, custe o que custar, queira ou não, porque com a vitalidade e os espinhos de que é dotado, não vai se deixar domar pelo resto dos tempos. Nem Dalila lograr-lhe-á cortar a crista do orgulho.
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